APICUM
DO POÇO - A nascente do Rio da Costa
Fonte: Ecos de Vila Velha
Autor: José Anchieta de Setúbal
Em
outra oportunidade, discorrendo sobre o rio da Costa, dissemos
que a sua nascente começava no poço do Apicum.
Comentamos também que a localidade de Apicum do Poço
perdeu a sua identidade quando absorveu o nome Itapoã,
pela proximidade com esse bairro.
Entretanto,
quem possui imóveis naquela região, lendo a
escritura de propriedade registrada no Cartório de
Registro Geral de Imóveis, encontrará a denominação
de Apicum do Poço.
Apicum
quer dizer brejo de água salgada formado à beira
mar, vereda arenosa entre banhados e alagadiços. O
poço do Apicum era um meio termo desta caracterização.
Ao invés de um brejo, tratava-se de um poço
de águas escuras, porém transparentes nas margens,
e que só perdiam essa transparência à
medida que se distanciava para partes mais fundas. O grosso
das suas águas surgia e brotava da imensa vegetação
aquática das proximidades, daí a coloração
escura, mas mesmo com essa tonalidade não era imprópria
para banho.
Quando
em Apicum do Poço moramos, juntamente com a pouca meninada
da vizinhança fizemos desse ponto um dos locais prediletos
da nossa recreação, com as nadadas, os caldos
aplicados e recebidos e as diversas brincadeiras tramadas,
mergulhos e mais mergulhos, até ficarmos de olhos vermelhos.
Brincávamos de boto-tainha, sendo os perseguidos as
tainhas e o perseguidor o boto, e só deixava de sê-lo
no momento em que conseguia agarrar um dos participantes.
Aí a tainha virava boto, de perseguida virava perseguidor,
e recomeçava tudo de novo. Para melhor identificar
botos e tainhas, antes ou após os mergulhos de perseguição
e de escape, gritavam: "Boto!" E, em coro, os perseguidos
respondiam: "Tainha!" Daí o nome da brincadeira
de boto-tainha. A escolha do boto da primeira rodada era determinada
em sorteio, a menos que se apresentasse algum voluntário.
Conseguido o primeiro, os seguintes surgiam uns após
os outros. Bastava que uma das tainhas virasse presa, assumindo
de imediato a condição de boto.
Esse
lugar aprazível em que moramos por quase três
décadas e onde nasceram os nossos dois irmãos
mais moços — César e Olga — de um
total de sete, merece da nossa parte uma referência
muito especial. Não porque ali crescemos, mas pelos
vários amigos e companheiros que ali fizeram parada,
visitando-nos e participando das estrepolias. Dentre estes
há um amigo, o Ari Queiroz da Silva, que foi nosso
colega no Ginásio do Espírito Santo. Quando
nos encontramos a conversa, vira-e-mexe, descamba para esse
assunto. Ari, homem culto e de caráter ilibado, exerceu
no governo do Espírito Santo alto cargo efetivo, no
qual se aposentou, além de outros em comissão.
Mesmo aposentado foi secretário de Estado e procurador
geral, na Procuradoria do Estado. Atualmente, depois de um
hiato em governos passados, voltou a assumir o mesmo cargo
de procurador geral a convite do governador José Ignácio.
O
seu depoimento nos é muito valioso, pois retrata esse
lugar com fidelidade e independência, sem quaisquer
interesses, a não ser o da amizade, considerando-o
bonito e bucólico. Apontava para nós dizendo:
—
Lugar bonito era aquele em que Zé morava!
E
descrevia-o:
—
A região tinha um nome sugestivo: Cruz do Campo. Era
lá que estava delimitado, no Apicum do Poço,
o sítio da sua família. Impressionava-me o verdejante
pasto, em capim Pernambuco. Brotavam nele, em grande extensão,
milhares de florzinhas amarelas compondo a paisagem como se
fora um imenso tapete florido, no apertar dos olhos. Um pouco
mais distante da porteira de entrada desse sítio via-se
uma casa de telhado com duas águas, avarandada nas
laterais e ostentando à sua frente um vistoso pinheiro
de Natal, a prumo com suas copas e hastes bem definidas, crescendo
e se estreitando para o alto, até findar o seu último
pedúnculo, em broto tenro preparando-se para despachar
novos galhos.
E
prossegue:
—
E a vista do pomar! Um pequeno córrego tortuoso e marulhante,
se observado não de tão longe, escorria entre
as ramagens que se debruçavam sobre as suas águas.
A sombra amiga de algumas árvores nativas. Saltavam
aos olhos dois pés de sete-cachos frondosos para a
espécie. De seus cachos brotavam, na primavera, infinitas
pétalas brancas com um ligeiro rajado róseo
na base. Era flor de uma só pétala! Bastante
requisitada pelas abelhas que, na disputa de seu néctar,
faziam-se ouvir no zumbido da faina, nervosas, no pouso de
flor em flor. Na predominância da cor, o chão
ficava alvo delas. E como se não bastasse, exalavam
um perfume ativo e inebriante, sentido a distância.
E
conclui:
—
Era um presente da natureza admirá-las no seu porte,
na cobertura alvacenta das flores, em contraste com a folhagem
muito verde, vendo-se o chão coberto delas e no olfato
sentir o gosto do seu perfume! Compondo, finalmente, o sossego
campestre, como pano de fundo, ao longe avistavam-se os decantados
morros do Moreno e do Convento da Penha, altivos e serenos.
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