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A dupla do milagre - Christiano Dias e Arthur Gerhardt

Christiano Dias Lopes Filho e Arthur Carlos Gerhardt Santos

De 67 a 75 eles construíram um novo Estado

Para mostrar que as dimensões do porto de Tubarão eram gigantescas na época, o ex-governador Arthur Carlos Gerhardt Santos conta um episódio da inauguração. O presidente Emílio Garrastazu Médici parecia não acreditar na capacidade de cada carregador automático – 16 mil toneladas de minério de ferro. No palanque, Médici inquiriu autoridades e técnicos até se convencer de aquele número fazia sentido. Só então contou a origem de sua incredulidade. É que, dias antes, num encontro com o ditador da Bolívia, o general Hugo Banzer se mostrava entusiasmado com um contrato de exportação de minério de ferro que acabara de assinar: a Bolívia embarcaria 16 mil toneladas também – por ano.

Levante-se a história dos últimos 30 anos do Espírito Santo: numa série de episódios decisivos para a atual organização do Estado, Christiano Dias Lopes Filho e Arthur Carlos Gerhardt Santos aparecem com destaque, trabalhando juntos no começo e sozinho depois.

Advogado que dirige atualmente uma faculdade de administração em Vitória, Christiano era do antigo PSD e lutou para ganhar o governo estadual do poder militar instalado em 1964. Governou de 1967 a 1970, assentando as bases do Espírito Santo moderno. Criou o sistema de incentivos fiscais, o banco de desenvolvimento estadual, o plano rodoviário “espinha de peixe” (assim chamado por tomar como eixo a BR-101) e uma série de projetos, entre eles o da Rodovia do Sol (Marataízes - Nova Almeida).

Engenheiro Civil que atualmente mantém um escritório de consultoria em Vitória, Arthur Carlos foi diretor do Departamento de Estradas de Rodagem na década de 50 e secretário de Planejamento e Obras no Governo tampão de Rubens Rangel, vice de Francisco Lacerda de Aguiar (1963-66), que largou o cargo pressionado por acusações de corrupção, nos primeiros tempos do regime militar.

Quando Christiano assumiu o governo, Arthur não chegou a deixar a administração pública, tornando-se o primeiro diretor da Companhia de Desenvolvimento Econômico do Espírito Santo (Codes), embrião do Bandes, ambos criados em 1967. A dupla de sucesso nos tempos do plantio desfez-se no período seguinte, quando Arthur Carlos se tornou governador (1971-1974) e colheu os primeiros frutos daquele período lembrado como o do “milagre econômico brasileiro”.

Se na gestão de Christiano foram criados os incentivos fiscais, na de Arthur deslanchou o Centro Industrial de Vitória. Sob Christiano a cafeicultura capixaba foi penalizada com a erradicação dos cafezais improdutivos, medida que acentuou o êxodo dos campos para as cidades. Arthur financiou o plantio da variedade africana conilon, que em poucos anos tomaria conta da cafeicultura capixaba.

Seja quem for o pai do Espírito Santo moderno, Arthur e Christiano formaram uma dupla de sucesso nos primeiros momentos da Revolução de 1964. Foram eles os primeiros capixabas a admitir que a pobreza do Estado precisava ser superada com as mesmas armas usadas no Nordeste – os incentivos fiscais, fundamentais para expandir as poucas indústrias já existentes e viabilizar centenas de novas empresas de pequeno e médio porte.

‘Criamos o suporte’

Orgulhoso da obra que realizou em seu tempo de governo, Christiano Dias Lopes prefere não discutir sobre quem prestou mais serviços ao Espírito Santo como governador. Fiel a esse espírito, ao invés de dar uma entrevista, preferiu escrever um longo depoimento sobre a situação do Estado antes, durante e depois do seu período (1967-70). Eis uma síntese:

Década de 60 — "A década de 60 marcou a fase aguda de transição da economia capixaba. E não foi uma passagem tranqüila. Ao contrário, operou-se no vértice turbulento de uma crise sem precedentes na história capixaba, provocada pela aceleração da queda do café".

Agricultura — “Em 1950, a agricultura participava com 50,3% na composição da renda interna do Espírito Santo. O café representava 29,6%. Em 1960, a agricultura tinha caído para 41,8% e o café para 13,8%. Em 1967, o café chegou ao índice mais baixo, 4%".

Desemprego — "Foram erradicados 180 milhões de pés de café, liberando-se em torno de 150 mil hectares de terra. A mão-de-obra dispensada atingiu 60 mil empregos. Cerca de 18 mil empregos foram abertos na pecuária. Calculou-se na época que 30 mil pessoas passaram a morar em favelas".

Infra-estrutura — “Em 1967, o Espírito Santo era um Estado estrangulado em sua infra-estrutura: transporte, comunicação, energia elétrica, educação e saúde. A BR-101 e a BR-262 eram lentes, quase paralisadas. Na região Norte, apenas Colatina se comunicava por telefone com a capital. Em energia, o Estado tinha 1% da potência instalada do Brasil. Cerca de 39% das crianças de 7 a 14 anos não tinham escola. Em 17 municípios não havia médico".

Renda — “Em 1960, a renda per capita do Nordeste era de 13.500 cruzeiros antigos. A do Espírito Santo, 17.300. A do Centro-Sul, 49.000. Ficamos ilhados, economicamente achatados, sem participar do impulso dinâmico do Centro-Sul e sem gozar dos incentivos fiscais criados para o Nordeste".

Incentivos — "Durante os dois primeiros anos de governo (67/68), tentamos fórmulas 'para bloquear o esvaziamento econômico do Estado. O que se revelou viável foi permitir que os contribuintes domiciliados no Espírito Santo pudessem aplicar no Estado os incentivos para pesca, turismo e aquisição de ações. Restava mostrar aos governadores do Nordeste que a solução não prejudicava a receita da Sudene. Foi o que fiz em janeiro de 69. Não fui de pires na mão, como equivocadamente. às vezes, tem sido noticiado. O Espírito Santo queria mostrar que não era justo drenar recursos da sua combalida economia para desenvolver outras regiões".

Virada — "Deixamos o Espírito Santo equipado para a grande virada na história do seu desenvolvimento. Arthur Carlos Gerhardt Santos consolidou, em todas as áreas, os instrumentos de captação de recursos e de monitoramento das ações desenvolvimentistas. E partiu para a viabilização dos chamados Grandes Projetos, consoante a tese, que defendia, de que a industrialização do Estado não se consolida-ria através das pequenas e médias empresas. Os governos seguintes, até 1986, desarticularam, em boa parte, pela reforma ou extinção, nem sempre criteriosamente pensadas, a estrutura concebida e implantada. Mesmo assim, o que restou deu suporte ao Estado para as décadas seguintes. Essa grande virada só se realizou, em verdade, graças às condições favoráveis criadas no governo federal durante o regime militar".

‘Éramos um Nordeste’

Depois de governar o Espírito Santo, entre 1971 e 1974, o engenheiro Arthur Carlos Gerhardt Santos fez carreira na área empresarial, assumindo sucessivamente a presidência da CST, da Aracruz Celulose e do grupo Tristão. Nos últimos dois anos, toca a sua própria empresa de consultoria, onde continua se empenhando pelo desenvolvimento do Espírito Santo, com o entusiasmo e a confiança típicos da mentalidade desenvolvimentista que dominou o país nos anos 70.

No depoimento que fez ao Documento Estado, Arthur Carlos expôs o seu ponto de vista sobre alguns aspectos da economia e da política no Espírito Santo.

Administração estadual —"Eu passei muitos anos sem ter contato com a máquina burocrática. Agora, o que me surpreende é a deterioração da qualidade do pessoal empregado pelo Estado. A máquina perdeu enquanto a economia estadual dava um salto à frente".

 

Café — "A erradicação do café foi um grande benefício para o Espírito Santo. Em 1971, contra a vontade do IBC (Instituto Brasileiro do Café), nós financiamos o plantio de café conilon. Hoje, em menos da metade da área ocupada antigamente, nós produzimos três vezes mais café".

Incentivos fiscais — "O sistema de incentivos fiscais do Espírito Santo é um sucesso espetacular. Sem ele a maioria das empresas não se instalaria no Estado. Foi com o incentivo fiscal que se transferiu de Cachoeiro para o Centro Industrial de Vitória uma velha fábrica de cimento, que pôde ser inteiramente modernizada".

Grandes projetos — "Os grandes projetos, a começar pelo Porto de Tubarão, foram benéficos para a dinamização da economia. Veja por exemplo a escala das coisas quanto à energia elétrica: apenas uma turbina da CST, que funciona com o aproveitamento de gases do alto-forno, gera mais eletricidade do que Rio Bonito e Suissa, as duas maiores hidrelétricas do Estado na década de 60. Em Aracruz, onde a economia local era paupérrima, operam hoje 38 empresas criadas para atender às necessidades da indústria de celulose".

Qualidade de vida — "O padrão de vida melhorou muito no Espírito Santo, nos últimos 20 anos. A expectativa de vida do capixaba, que era igual à do Nordeste, agora equivale à do Rio Grande do Sul — a mais alta do Brasil".

Poluição — "Virou moda reclamar da poluição, por influência da falsa cultura do Augusto Ruschi. Ele disse que a CST provocaria uma nuvem de enxofre de 250 quilômetros! E, na verdade, a CST possui o menos poluente alto-forno do mundo, projeto japonês. O problema mais grave na CST está sendo negociado: é a coqueria, mais a aciaria, projetadas pelos italianos, com dados fornecidos pelos brasileiros. É claro que é preciso despoluir o ar de Vitória, como está sendo feito. Mas eu pergunto onde foi parar, o que fizeram com o projeto de zoneamento ambiental doado ao município da Serra pela empresa italiana Italimpianti na época da construção da CST. Na época ninguém ligou para isso".

Desenvolvimento — "Desenvolvimento é criar emprego. Não se cria o desenvolvimento com bloqueios. Há 20 anos, nossa arrecadação era abaixo de 1 milhão de dólares por mês. Agora, com crise e tudo, está entre 30 e 40 milhões. Nós éramos como o Nordeste. Agora, somente a Bahia e Pernambuco, entre os Estados nordestinos, arrecadam mais do que nós. Ora, nós estamos no caminho do desenvolvimento".

 

Fonte: A Gazeta - Documento Estado, 26/10/1992
Compilação: Walter de Aguiar Filho, março/2015

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