Morro do Moreno: Desde 1535
Site: Divulgando desde 2000 a Cultura e História Capixaba

A Igreja do Rosário – Por Adelpho Monjardim

Andor que carrega o mastro com a imagem de São Benedito, Igreja do Rosário/Vitória - ES

Edificada no Século XVIII, a Igreja do Rosário não nos legou qualquer fato importante ligado à História, a não ser a tradicional rivalidade entre Caramurus e Peroás.

A festa de São Benedito, padroeiro das pessoas de cor, havia difundido grande devoção no povo capixaba. São Benedito era venerado no Altar-Mor da Capela da Ordem Terceira de São Francisco, no Convento de São Francisco. Frei Manuel de Santa Úrsula era o seu guardião. Filho do proprietário da Fazenda de Santo Antônio, era ele homem temperamental, prepotente e gostava de ser obedecido. No dia da festa do santo, 28 de dezembro de 1832, amanheceu chovendo, razão pela qual determinara não sair a procissão. A Mesa da Confraria resolvera o contrário, pois para o miraculoso Santo não havia intempérie. Discutiram e se exaltaram. Irredutível o Guardião não cedeu e ordenou aos escravos do Convento que atirassem pela janela os castiçais, opas e tochas da Irmandade, enquanto trancava a santa imagem na sua cela; posto que se retirou para a fazenda paterna.

Passaram-se os tempos e Santa Úrsula foi substituída por Frei Antônio de São Joaquim. Este mandou recolocar a imagem no seu nicho. Acontece que num domingo de setembro de 1833 os indivíduos: Domingos do Rosário, Antônio da Mota, africano forro e o crioulo Elias Coelho, adrede instruídos, pela madrugada, entraram no Convento e roubaram a santa imagem, levando-a para a Igreja do Rosário, onde, em regozijo, repicaram sinos e espocaram foguetes.

Assim nasceu a dualidade das Confrarias de São Benedito. Uma legitimista, com sede no Convento de São Francisco e outra “protestante”, acolhida no Rosário. “Duas facções desavieram-se de modo formal. Do bate-boca acalorado e do recado atrevido passaram às vias de fato inúmeras vezes. O povo dividiu-se e do campo religioso passou ao político, como não poderia deixar de acontecer. Os dissidentes apelidaram os conformados de «Caramurus», nome dado a uma casta de peixes não muito estimada. Em revide receberam os «protestantes» o nome de “Peroás”, peixes também de pior cotação nas bancas dos pescadores. A discussão durou quase um século. Em Vitória não houve neutros. Os conservadores apoiaram os “Caramurus” e os Liberais se filiaram aos “Peroás”, da Igreja do Rosário”.

Da Igreja do Rosário conserva a Cidade, em seu anedotário, jocosa história de um de seus zeladores, o fabuloso Cassiano. Cultor de Baco, recebera da garotada a alcunha de “Garapa”. Era, na época, homem de seus cinqüenta e tantos anos. Meão de altura, branco, reforçado, barba inculta e relaxado no vestir. Sapatos acalcanhados, calças largas, sobrando sobre o calçado, pernas arqueadas, representava a contento o tipo clássico popular. Irascível, ai de quem o chamasse pela alcunha. Pobres mães!

Devoto a seu modo, contrito acompanhava as procissões, postando-se junto ao andor para mais de perto receber os eflúvios da santidade. Ali, respeitoso, refreava a incontinência verbal, os belicosos impulsos. Prevalecendo-se desse estado d'alma, a garotada o seguia de perto, azucrinando-o de modo indireto. Embora provocado ele não podia estrilar. Sabemos que a mistura de mel com água produz a garapa. Assim os pelintras martelavam os ouvidos do devoto Cassiano: Mel com água! Mel com água! Rangendo os dentes, raivoso, olhos coruscantes, ele murmurava: — Mistura! Mistura! Desgraçado!

Religiosamente, aos sábados, o devoto Cassiano vestia a opa. Munindo-se de uma matraca e uma sacola, descia a longa escadaria do Rosário. Ia esmolar para a Santa, quando, piedoso, percorria a cidade. Ao anoitecer retornava à igreja. Cansado, ofegante, galgava uma centena de degraus com estoicismo apostolar. Despido da opa, guardando a matraca, ajoelhava-se diante do altar, dirigindo à Santa o seu olhar mais súplice. Em cada pupila resplandecia uma benção. Persignando-se, como quem espalha algo pelo rosto, balbuciando palavras ininteligíveis, derramava o conteúdo da sacola sobre o altar; moedas de cobre, na maior parte. Começava, então, a dividi-las do seguinte modo: duas pra mim, uma para vós. Feitos aos montes, separados os quinhões, olhando a Santa, com velhaco olhar, exclamava: - Para que Santa quer dinheiro? Raspando os dois quinhões para dentro da sacola, sem pejo e sem remorso, virando-lhe as costas, firme e teso saía em paz com a consciência. No mais era bom devoto e cristão. Entretanto, na sua filosofia  simplista residia grande verdade – para que santo quer dinheiro?

 

Fonte: O Espírito Santo na História, na Lenda e no Folclore, 1983
Autor: Adelpho Poli Monjardim
Compilação: Walter de Aguiar Filho, fevereiro/2016



GALERIA:

📷
📷


Folclore e Lendas Capixabas

Congos e Bandas de Congos no ES - Por José Elias Rosa dos Santos

Congos e Bandas de Congos no ES - Por José Elias Rosa dos Santos

Essas duas informações registradas por Cleber Maciel criaram outro viés para se estudar as origens das bandas de congo no ES

Pesquisa

Facebook

Leia Mais

O Frade e a Freira - A Lenda por Estêvão Zizzi

Essa é a versão mais próxima da realidade...

Ver Artigo
O Caparaó e a lenda – Por Adelpho Monjardim

Como judiciosamente observou Funchal Garcia, a realidade vem sempre acabar “com o que existe de melhor na nossa vida: a fantasia”

Ver Artigo
A Igreja de São Tiago e a lenda do tesouro dos Jesuítas

Um edifício como o Palácio Anchieta devia apresentar-se cheio de lendas, com os fantasmas dos jesuítas passeando à meia-noite pelos corredores

Ver Artigo
Alcunhas e Apelidos - Os 10 mais conhecidos de origem capixaba

Edifício Nicoletti. É um prédio que fica na Avenida Jerônimo Monteiro, em Vitória. Aparenta uma fachada de três andares mas na realidade tem apenas dois. O último é falso e ...

Ver Artigo
A Academia de Seu Antenor - Por Nelson Abel de Almeida

Era a firma Antenor Guimarães a que explorava, em geral, esse comércio de transporte aqui nesta santa terrinha

Ver Artigo