A Luta pelo Poder: A Disputa pelo Palácio - A Independência no ES
Instalada a Junta de Governo Provisório, tratou-se, logo, de participar a D. Pedro a adesão à sua causa. Segundo Cezar Marques, porém, não teve a Junta prestígio e energia para acalmar os “partidos", acabar com as desordens e restabelecer o equilíbrio administrativo. "Caracterizou-se pela indiferença". (19) Naquela ocasião, o comando das armas coube ao Tenente-Coronel Ignácio Pereira Duarte Carneiro", "por ser o oficial de linha de maior patente que há na Província". (20)
A nomeação em cada província do Brasil de um Governador das Armas independente das juntas governativas foi uma das muitas medidas da Corte portuguesa adotada contra a autonomia administrativa trazida pelo sistema constitucional, o que, inevitavelmente, redundaria cm novas agitações. A nível local, essas agitações seriam consequências, também, de tramas políticas encetadas, possivelmente, por D. Manuel de Portugal e Castro, governador de Minas Gerais (1814-1821). (21) Foi talvez por gestões deste último que o brasileiro Duarte Carneiro ficou apenas um mês no posto de comandante-das-armas, sendo logo substituído pelo Coronel Julião Fernandes Leão.
Desde quando D. Pedro se recusara a regressar a Portugal que Fernandes Leão, ainda no cargo de Inspetor do Corpo de Pedestres, já começara a demonstrar claramente sua posição antibrasileira. (22) A localização da Província do Espírito Santo, porém, não era das mais favoráveis para um confronto com os inimigos da independência do Brasil. Ao Norte pairava a ameaça do Brigadeiro Madeira de Melo, e a Oeste, em Minas Gerais, fora o comando-das-armas assumido por partidário de D. Manuel de Portugal e Castro.
Julião Fernandes sabia tirar partido da situação. Exigia constantes promoções para seus comandados, no intuito de conseguir adeptos à sua facção para, finalmente, tramar a queda da Junta de Governo Provisório. (23)
Ex-alferes agregado ao Regimento de Cavalaria de Minas Gerais, Julião Fernandes Leão, em 18 de abril de 1821, foi nomeado Inspetor do Corpo de Pedestres, com patente de Coronel. Sua carreira havia sido meteórica. Havia trabalhado sob as ordens do mesmo Ignácio Pereira Duarte Carneiro, como Sargento-Mestre-Escola, na construção da Estrada Espírito Santo-Minas Gerais, no Governo Rubim. Daí seguiu para Minas Gerais, onde entrou para o Corpo de Pedestres mineiro. Ali, aproximando-se de D. Manuel de Portugal e Castro, obteve o posto de Capitão e, logo após, graças ao Conde de Louzã, sua promoção a Tenente-coronel, em seguida a Coronel. Repelido por Duarte Carneiro em seus propósitos, vai ao Rio de Janeiro, onde, com o argumento da sua patente de Coronel, obtém do Secretário da Guerra a nomeação de Comandante-das-Armas da Província do Espírito Santo. Era primo do Cirurgião-mor de Vitória, João Antônio Pientznauer, também juiz ordinário da mesma Vila, com quem, em comum acordo, tumultuaria a vida da Capital com suas medidas arbitrárias. (24)
A Junta de Governo recebeu estupefata o aviso para retorno de Duarte Carneiro à Comissão de Estradas e sua substituição pelo Coronel Inspetor de Pedestres. Logo em seguida, iniciou-se em Vitória um movimento de solidariedade ao primeiro. Duarte Carneiro, porém, tentou acalmar os ânimos, ponderando sobre o perigo que representava a relativa proximidade da Bahia, sob comando adverso. (25)
Em nada adiantaram os cuidados de Duarte Carneiro, sendo Vitória palco de novas agitações. Disto se aproveitaram o Comandante-das-Armas e o Juiz Ordinário que ordenam o recolhimento de Carneiro à prisão nos subterrâneos da Fortaleza, da Barra, depois de indiciado nas "devassas" instauradas por ordem do Príncipe, a propósito de "conventículos e sedições". (26) Disto discordou a Junta de Governo, oficiando ao Rio de Janeiro: "Para vingarem, ambos, as paixões antigas, este requereu e aquele procedeu a aleivosa devassa, (quando) estava esta Província na maior tranquilidade". (27) A Junta solicitava também, na ocasião, "um Ouvidor prudente e imparcial para examinar a verdadeira existência dos culpados, acabar com a anarquia e estabelecer o sossego público". (28)
Ante a ausência de ouvidor na "cabeça da Comarca", ficava a mesma entregue a juízes leigos que, muitas das vezes, davam lugar a inúmeras arbitrariedades, aqui, vários réus eram, na realidade, vítimas de suas vinganças. Despachos de outros juízes eram constantemente obstados. A dupla impediu ainda que a Câmara de Vitória se congratulasse com D. Pedro pelo "Fico". Censurava publicamente a deputação que fora homenageá-lo por ocasião da outorga do título de "Defensor Perpétuo do Brasil" e, pelo Secretário do Comando, Antônio Cláudio Soído, anunciava a toda hora que iria depor a Junta de Governo Provisório. (29)
Naqueles tempos difíceis, os principais cargos públicos da Província, sem dúvida, muito representavam. Os rumos tomados pela Nação significavam a ascensão, manutenção ou perda de tais cargos. A dupla evidentemente aspirava o Governo Provincial. Tantas arbitrariedades cometeram Fernandes Leão e Pientznauer que foi enviado à Província o Juiz-de-Fora de Campos, ouvidor e corregedor interino José Libânio de Souza, para apurar os fatos e "pacificar" a Província.
A apuração dos fatos na realidade só fez acirrar os ânimos do Comandante de Armas, que se desentendeu com o próprio Ouvidor, a quem ordenou a 23 de julho que "suspendesse a correição que fazia e tratasse de despejar a Vila". (30) Ante a recusa do Ouvidor em aceitar mais esta arbitrariedade, ordenou o Comandante de Armas o cerco de sua residência, privando-o de qualquer comunicação. Fora longe demais Fernandes Leão. Despertou os brios da Junta que decide agir imediatamente, a começar pela libertação incontinente do tenente-coronel Duarte Carneiro e sua proteção no Palácio do Governo.
Sem dúvida, no Palácio e em seu derredor concentraram-se as manifestações da Independência. Foi para lá que se dirigiu Fernandes Leão, acompanhado de seu ajudante, Antônio Cláudio Soído, disposto a derrubar a Junta, inconformado com os rumos dos acontecimentos. Aos gritos de "Abaixo a Junta! Morra a Junta!", seu ímpeto, entretanto, seria contido com a leitura, da Proclamação do Príncipe Regente, determinando a obediência ao Governo Provisório. Unidos, Tropa, Guarda do Palácio e populares, o Comandante Julião não conseguiu realizar, portanto, o seu intento, tendo de refugiar-se em sua própria residência. (31)
Apenas alguns feridos resultaram do incidente. O juiz Pientznauer, um dos mentores da agitação, que já havia sido processado e com ordem de prisão decretada, fugiu para Campos, onde permaneceria por muito tempo. Finalmente, a 15 de agosto, toma posse o novo Comandante-das-Armas, Tenente-Coronel Fernandes Teles da Silva, em substituição a Julião Fernandes Leão (32)
Eliminado o obstáculo Fernandes Leão, passou a trabalhar ostensivamente o "partido" da Independência, fazendo prosélitos, recompensando neófitos. No preenchimento dos cargos públicos, por exemplo, havia preferência daqueles simpatizantes pela causa, que deveriam ser "escrupulosamente" conhecidos. (33)
O adiantado do processo de emancipação política, como se observa, previa para breve o epílogo. José Bonifácio, um dos principais membros do movimento nos grandes centros, primava pela precipitação dos fatos para separação das duas nações que permitiria a formação do Império. Para tal envia emissários secretos em todas as direções para espalhar as ideias de independência. Para o Espírito Santo foi enviado o desembargador Manoel Ribeiro Pinto de Sampaio, eleito posteriormente deputado à Assembleia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil. Na Província, excetuando-se São Mateus e Guarapari, todos os demais distritos concordavam com a independência. (34) Periódicos de propaganda da independência bem como a correspondência, muitas das vezes, com mês de atraso, chegavam à Vila de Vitória. Não faltavam avisos sobre os "abusos da liberdade da imprensa", naquele momento em que nascia o jornalismo político. (35) Nesse contexto, deve ter chegado depois do 7 de setembro o aviso da portaria ministerial datado de 30 de agosto de 1822 que ordenava "não fosse aceito nem empossado funcionário algum, civil, militar ou religioso enviado diretamente de Portugal." (36)
Por outro lado, foi feliz à causa do Príncipe a adesão imediata do Espírito Santo, sobretudo para solapar a resistência lusa entrincheiradas na Bahia, apesar da distância entre as duas capitais (mais de mil quilômetros). O Espírito Santo como província tampão entre Salvador, sob o domínio das forças de Madeira de Melo, e o Rio de Janeiro, onde se concentrava a resistência nacional, pode desempenhar um papel importante para informação e orientação dos estrategistas do Príncipe, que terminaram por minar toda a resistência portuguesa encravada na capital soteropolitana. Aqui, desenvolveu-se mesmo uma atividade de espionagem, cujas informações eram passadas ao Príncipe D. Pedro por seu Ministro José Bonifácio de Andrada e Silva, sempre atento às informações. A 23 de agosto, por exemplo, por informações de uma escuna que chegara da Bahia, transmitia-se as notícias das convulsões baianas, das fortificações inimigas naquela capital e acerca dos reforços que eram aguardados de Portugal. (37)
Assim sendo, a elite capixaba terminou por engajar na causa da Independência, evitando qualquer apoio de mantimentos ou munições às forças reacionárias acantonadas na Bahia, contribuindo dessa maneira no processo que culminou no 7 de setembro de 1822.
Finalmente, em outubro desse mesmo ano, proclamou-se publicamente D. Pedro I Imperador do Brasil, na Província do Espírito Santo. Entretanto, na mesma proporção em que inexistia unidade nacional, faltava também unidade provincial. Destoava São Mateus, no Norte da Província, das tendências separatistas capitaneadas por Vitória.
"A Independência, na sua evolução provincial, repete aquele sentido profundo da nossa história nacional. A unidade é o tema central, é a motivação permanente; unidade de língua, pela religião, pela mestiçagem, sempre unidade, ainda quando provisoriamente possam os dissidentes vencer".
José Honório Rodrigues
Independência: Revolução e Contra Revolução.
19. MARQUES, C.A. Dicionário histórico, geográfico e estatístico da Província do Espírito Santo. Rio de Janeiro, Tipografia Nacional. 1878. pág. 121.
20. AN. RJ. Oficio de Botelho de Vasconcelos a José Bonifácio de Andrada e Silva. Vitória, 2 de março de 1822. SPE IJJ9 357 fl. 124.
21. Portugal e Castro era declaradamente contra a facção pró D. Pedro, e Independência, conforme RODRIGUES, op. cit. p. 173-185 e OLIVEIRA, P.S. — "0 processo de independência em Minas Gerais”. In: MOTA, op. cit. p. 290.
22. NOVAES, M.S. - História do Espírito Santo. Vitória, Fundo Editorial do Espírito Santo, (s/d). p. 131.
23. Id. p. 133-134.
24. Id. p. 131.
25. Id. ibid.
26. DAEMON, op. cit. p. 253.
27. APE.ES. Oficio de Suzano e outros a Joaquim de Oliveira. Vitória, 3 de junho de 1822. Lv de Reg. de Correspondência: 1822-1825. fl. n° (ilegível).
28. APE.ES. Oficio de Pires e outros a José Bonifácio. Vitória, 3 de junho de 1822.
29. Ide: ibid.
30. DAE1VION, op. Cit. p. 258.
31. Ind. ibid.
32. Id. p. 257-259.
OBS: A descontinuidade constante da correspondência oficial obriga-nos a consultas paralelas às fontes secundárias.
33. APE. ES. Oficio de José Bonifácio à Junta Provisória de Governo da Província do Espírito Santo. Rio de Janeiro, 21 de junho de 1822. Lv. reg. corresp. op. cit. fl. 17.
34. AN. RJ. Ofício de Manoel dos Santos Braga à Junta Provisória do Espírito Santo. Vitória, 2 de outubro de 1822. SPE. IJJ9 fl. (s/n).
35. AN. RJ. Oficio de Pires e outros a José Bonifácio. Vitória, 12 de setembro de 1822. SPE IJJ9 fl. 161.
36. APE. ES: Aviso de José Bonifácio a Junta Provisória de Governo da Província do Espirito Santo. Rio de Janeiro, 30 de agosto de 1822. Registro op. cit.
37. AN. RJ. Ofício de Manoel dos Santos Braga. op. cit.
Fonte: Espírito Santo - Alguns Aspectos da Independência 1820/1824 - 2ª Edição - Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo,1985
Autor: Gabriel Bittencourt
Compilação: Walter de Aguiar Filho, abril/2022
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