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A melhor das escolas – Por Tinoco dos Anjos

Américo Rosa

Virei jornalista quase por acidente e minha primeira experiência foi nO DIÁRIO, quando tinha mais ou menos 16 anos e meu irmão Edgard era um diretores. Eu tinha saído de Barra de São Francisco para estudar em Vitória estava fazendo o curso Clássico no Colégio Americano e Edgard me convidou para trabalhar na revisão do jornal. Naquela época, trabalhavam como revisores o Oscar Rocha Júnior (Boquinha) e o Eraldo Carneiro (Eraldinho).

Quando o curso de comunicação começou a ser ministrado na Ufes, fiz o vestibular, passei e entrei no segundo semestre da primeira turma.

NO DIÁRIO, de revisor logo passei para outras funções. Fui repórter redator, editor e até diagramador. Fiz crítica de rádio e televisão. Naquela época em jornal se fazia de tudo um pouco, havendo oportunidade para exercer funções variadas e, assim, dar vazão à criatividade. Não havia limites rígidos. Se alguém sabia fazer bem determinado trabalho e quisesse, poderia fazê-lo. Era um grupo relativamente pequeno que teve chance de experimentar. Eu sempre tive facilidade de escrever, e um bom português.

Nesta época, final dos anos 60 e início dos 70. O DIÁRIO tinha na redação Amylton de Almeida, Paulo Torre, Rubinho Gomes, Erildo (meu irmão), Paulo Bonates, Renato Dias Ribeiro. Também tinha um pessoal mais antigo como Rogério Medeiros, Vinícius Seixas, Mariângela Pellerano, Maura Fraga, Beth Feliz.

Aquele foi o período de maior repressão política no País, o que afetava o nosso trabalho. A Polícia Federal tinha sempre uma lista de assuntos que não podiam ser divulgados. Além disso, O DIÁRIO - como outros veículos de comunicação era "visitado" pelos censores. Apesar disso, aquele grupo viveu uma época de grande criatividade e efervescência intelectual. O DIÁRIO representava um espaço de renovação para o jornalismo capixaba.

A Tribuna estava temporariamente fechada e A Gazeta era um jornal conservador, caretão. Isso fazia O DIÁRIO parecer um tipo de "república livre". Américo Rosa, uma figura folclórica que estava sempre na redação e dormia nas oficinas do jornal, costumava repetir uma frase que reflete bem o espírito da época: "Aqui a gente ganha pouco, mas se diverte". Éramos jovens sem muita preocupação com dinheiro, emprego, situação profissional. Queríamos um espaço para criar, nos divertir e trabalhar ao mesmo tempo.

E foi assim que O DIARIO inovou muitas coisas na imprensa capixaba.

Por exemplo: foi o primeiro jornal a montar um departamento fotográfico próprio. Até então, A Gazeta que já era o jornal mais importante se virava comprando foto de Pedro Fonseca, um conhecido fotógrafo que tinha um sortido arquivo de fotos de personalidades capixabas. Ele é que vendia foto prA Gazeta. E nO DIARIO montou-se um departamento próprio com Paulo Makoto, um grande profissional que incentivou a formação de vários fotógrafos.

Um deles era o Joecir Gonçalves, o Secreta, que ganhou este apelido porque as pessoas se referiam a ele como secretário de Paulo Makoto, quando ele entrou no DIARIO como aprendiz. O irmão mais novo dele, Josemar, seguiu os passos de Secreta e virou Secretinha. Hoje trabalha na sucursal dO Globo, em Brasília. Os irmãos Nestor Muller e Romero Mendonça também se tornaram fotógrafos pelas mãos de Makoto.

O DIARIO foi igualmente o primeiro jornal capixaba a instalar um sistema de radiofoto, que depois passou a se chamar de telefoto. Eu me lembro da primeira radiofoto que chegou na Rua Sete foi quando Lours Armstrong morreu e a UPI mandou uma foto do rosto dele.

Por essas e outras, foi um jornal inovador. Além dos equipamentos, ele também inovou na linguagem, na diagramação e no conteúdo. No Espírito Santo, as noções modernas de jornalismo foram experimentadas primeiro nO DIARIO onde pela primeira vez se desenvolveu a concepção de segundo caderno. Só muito tempo depois dO DIARIO, A Gazeta passou a ter o Caderno Dois. Antes tinha apenas duas páginas chamadas de Agenda. Essas inovações acabavam chegando a outros jornais, através das pessoas que saíam de lá para A Gazeta e A Tribuna.

Lembro, por exemplo, que na época do Esquadrão da Morte, O DIARIO fez uma cobertura muito boa, deu um show e triplicou sua tiragem. O esquadrão foi um escândalo e, por isso mesmo, um filé mignon para a cobertura jornalística. Nessa história foram figuras marcantes o Gerson Camata que fazia na Rádio Vitória um programa policial, o José Barreto Mendonça, que era policial e jornalista, e Pedro Maia.

Foi um tempo muito rico de idéias. Havia um espírito alegre, de boa convivência, e até uma certa "irresponsabilidade saudável”. Por exemplo: O DIÁRIO tinha uma seção de horóscopo e outra de consultório sentimental (chamada Dona Margô). As duas quase sempre eram escritas pelos próprios jornalistas. Eu mesmo cheguei a escrever horóscopo e dar conselhos sobre assuntos sentimentais. Às vezes um colega contava um problema amoroso e outro redigia a resposta. Enquanto esperávamos que os leitores mandassem as cartas para respondermos, nós mesmos criávamos. O DIÁRIO é rico em histórias que já se incorporaram ao folclore da imprensa capixaba.

Enquanto empresa, era uma complicação financeira terrível, de crise permanente e tradicional atraso no pagamento. Mas isso não chegava a desanimar a maior parte das pessoas. Elas estavam lá porque curtiam o espírito libertário do jornal, a alegria da convivência, e iam trabalhando...

O jornal tinha matérias de grande repercussão. O Amylton de Almeida, por exemplo, tinha uma coluna chamada Beatriz Guido, onde falava mal das pessoas da cidade e debochava de muita gente da área artística, alcançando um expressivo número de leitores e gerando um certo auê. Não posso dizer que O DIÁRIO atingia o povão, o meio da massa. Mas, entre as pessoas que formavam a opinião pública, era uma referência.

Acho que essa postura anti-burocrática faz falta na imprensa de hoje. Não que tenha que ser desorganizada, mas hoje as pessoas têm medo de errar e pensam duas vezes antes de fazer uma coisa nova. Naquela época não se tinha medo, até porque não havia muito a perder. Se a gente queria fazer um título que escapava do padrão tradicional, com ponto e sem verbo, fazia. E estas transformações influenciaram A Gazeta. Nunca mais teremos de volta a redação dO DIÁRIO, mas, de certa forma, cada trabalho nosso tem sempre um pouco do espírito irreverente e criativo daquele período.

Nesse "Projeto Escolinha" há histórias interessantes. O jornal estava querendo incentivar o surgimento de novos jornalistas, e publicava anúncios convidando pessoas interessadas para fazer testes. Nisso, estudantes (muitos do Salesiano) foram e tentaram. Uns se fixaram na profissão e outros não. O José Casado, que hoje trabalha no jornal Estado de São Paulo, um dia foi aO DIÁRIO procurar um amigo que tinha ido fazer teste. O Erildo, meu irmão, que estava distribuindo pautas para esse pessoal, pensou que ele fosse um candidato a repórter e deu uma pauta pra ele. Ele pegou, foi à rua e fez a matéria, que foi aproveitada. Ele gostou, ficou e hoje é um jornalista bem conceituado a nível nacional.

Permaneci nO DIÁRIO até 1972, quando fui para A Tribuna. Mais tarde fui para A Gazeta, onde fiquei por 20 anos.

 

Fonte: O Diário da Rua Sete – 40 versões de uma paixão, 1ª edição, Vitória – 1998.
Projeto, coordenação e edição: Antonio de Padua Gurgel
Autor: Tinoco dos Anjos
Compilação: Walter de Aguiar Filho, março/2018

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