Morro do Moreno: Desde 1535
Site: Divulgando desde 2000 a Cultura e História Capixaba

A Pedra da Onça – Por Adelpho Monjardim

Pedra da Onça em Itarana

Cidadão morigerado, pacato e bom cristão, o boticário de Itarana cultivava um “hobby”, a caça. Aos domingos, após a missa, ao cumprimento dos deveres de católico praticante, paramentava-se com os petrechos cinegéticos — espingarda de dois canos, cartuchos e chumbo grosso, capaz de abater leões, lá ia para as matas levar o pânico à fauna alada e rasteira. Para tanto sentia-se absolvido, como os “empreiteiros de Cristo”.

Como o Tartarin de Tarascon, sonhava com safaris no Kenia ou no Borunda, a fim de acrescentar ao seu cartel alguns leões e talvez um rinoceronte branco. Sonhos que lhe faziam bem como as pílulas de Rossi, do seu receituário.

Naquela manhã estival o sol parecia mais límpido e mais quente. Itarana modorrava sob a canícula. No límpido azul o astro rei dardejava raios de fogo sobre campos, montanhas e matas. — Belo dia para uma caçada! Exclamou o boticário, antevendo farto butim. Com o calor a caça grossa abandonaria os refúgios e os alados estariam acessíveis no refrigério das verdes ramadas.

Espingarda a tiracolo, trauteando uma área de caça, alegre partiu para a razia venatória. Sabia de gordo tatu lá para as bandas da Pedra da Onça, tenebroso rochedo de alucinante altura e pouco convidativo para uma aventura solitária. A lembrança do tatu, que diziam bem sevado, fê-lo esquecer a prudência, já aspirando o cálido perfume do saboroso prato sobre a alva toalha da mesa caseira. Como todos os pecados, a gula é má conselheira. Mergulhado em pantagruélicos pensamentos, quando deu fé estava no sopé do rochedo, cujo cimo perdia-se nas nuvens. Árvores, arbustos, gramíneas e gravatás cobriam o dorso do colosso, embarafustando-se por todas as suas anfractuosidades. Face a face com o prodígio, o boticário raciocinou como o garoto que desejava possuir um passarinho: se não tenho gaiola para que eu quero passarinho? Tudo porque a imponência selvagem do solitário rochedo o impressionou. Durante a indecisão, ditada pelo medo, debaixo das árvores próximas, como desafio à temeridade, lá estava o gigantesco tatu. O caçador despertou no tímido boticário. O perigo alertou o instinto de conservação do tatu, que buscou o alto da pedra. Sem pestanejar o boticário foi-lhe no encalço. Escorregando aqui, levantando-se acolá, grimpou a pedra até amplo socavão que se abria em seu seio, ali onde medrava o mato rasteiro. Para o fundo da lapa correu o tatu, buscando o buraco. Um tanto estreito para o seu corpo volumoso, obrigou-o a alargá-lo com incrível perícia e desespero. Quase sumida a presa na toca, para espanto do caçador as poderosas patas do bicho começaram a expelir pedrinhas que faiscavam ao sol. Curioso, já esquecido da caça, o moderno Nemrod largou a espingarda e catou as pedras. Pequenas, miúdas, algumas grandes, com elas lotou o alforje que deveria abrigar o abençoado tatu, que resgatara a vida com um tesouro.

Marcando a mina, retirou-se o feliz caçador. Voltaria para detida exploração, certo de ter descoberto valiosa mina. Estava rico. O tatu se transformara em iguaria de ouro.

Eufórico, o boticário não soube guardar segredo do precioso achado, mesmo porque necessitava saber se as pedras eram realmente valiosas. Um amigo, entendido no assunto, constatou serem legítimas águas-marinhas e da melhor qualidade. Foi o bastante para a notícia correr mundo. De imediato copiosa multidão acorreu ao local e garimpeiros surgiram de todas as partes. Da noite para o dia a Pedra da Onça se transformou numa Babel com milhares de faiscadores. Crimes, roubos, violência se sucediam. O proprietário das terras pediu garantias à polícia e o caso foi parar na Justiça Federal. Um bloco de puríssima água-marinha, pesando cinqüenta quilos, foi apreendido pela Justiça e até pouco tempo se encontrava em custódia, nos cofres da Alfândega, em Vitória.

A caça ao tatu gerou tremenda confusão, que até hoje perdura.

 

Fonte: O Espírito Santo na História, na Lenda e no Folclore, 1983
Autor: Adelpho Poli Monjardim
Compilação: Walter de Aguiar Filho, fevereiro/2016

Folclore e Lendas Capixabas

Conversa Barrense - Por Bernadette Lyra

Conversa Barrense - Por Bernadette Lyra

Quando esta crônica estiver publicada, já passou do tempo em que, numa camurcenta tarde cor de milho dourada, Hermógenes Fonseca voltou de uma vez para Conceição da Barra

Pesquisa

Facebook

Matérias Relacionadas

Rainha Elizabeth II usa pedras de Itarana

Da coleção da rainha, uma tiara, uma pulseira, um broche, um colar, um par de brincos e um anel são de águas-marinhas extraídas do alto da Pedra da Onça, em Itarana

Ver Artigo