Ano de 1556 – Por Basílio Daemon
1556. Embora continuassem a ser incomodados os povoadores da capitania pelos índios goitacases e outros, por intermédio dos padres Luís da Grã e Brás Lourenço é tratado com o donatário Vasco Fernandes Coutinho para que oferecesse ao cacique dos índios temiminós, por nome Maracaiá-guaçu, que quer dizer Grande Gato, e aos da sua tribo, que vagavam pela província do Rio de Janeiro, agasalho contra os franceses, que infestavam aquela então capitania e os guerreavam assim como os índios tamoios; e sendo dirigida ao mesmo cacique a proposta, aceitando ele e os seus o oferecimento, que constava de terras, amparo e outros misteres, foram pelo donatário enviadas embarcações que os conduziram aqui, sendo em seguida aldeados a doze léguas de distância da então vila da Vitória, por assim convir talvez a ambas as partes. Estes índios fundaram uma grande aldeia e prestaram relevantes serviços não só aqui na defesa da capitania, como mais tarde na tomada da fortaleza Villegaignon, no Rio de Janeiro, quando daqui acompanharam Mem de Sá para aquela expedição. No local em que estes índios foram aldeados há da parte dos historiadores grande confusão, dando-os como aldeados em Guarapari, à margem do rio do Peixe Verde, nome do cacique Pirá-Obig, que com os seus foram ali estabelecidos.(60) Deu assim princípio o padre Brás Lourenço à aldeia de índios na vila hoje de Santa Cruz, a qual mais tarde foi chamada Aldeia Velha quando os jesuítas formaram a aldeia dos Reis Magos, invocação que também deram à igreja e colégio que construíram na hoje vila de Nova Almeida; hoje mesmo, apesar dos tempos, muitos chamam Aldeia Velha à vila de Santa Cruz.(61) Para coadjuvar ao padre Brás Lourenço mandara o padre Grã que de Porto Seguro para aqui viessem os padres Diogo [Jácome](62) que era coadjutor da Ordem, assim como também o padre Pedro Gonçalves, já célebres na catequese, para doutrinar e civilizar os índios aldeados. O cacique Maracaiá-guaçu foi sempre um fiel e valente aliado dos portugueses, era homem prudente, mas enérgico e valoroso, cumpridor de seus tratos, bom cristão e respeitado tanto dos seus como dos portugueses.
Idem. Sabendo algumas hordas de índios, principalmente as dos tupiniquins, o quanto bem tratados e garantidos eram os temiminós, vem neste ano dos sertões da capitania o afamado e valente cacique Pirá-Obig, nome que equivale em nossa língua a Peixe Verde, acompanhado de grande porção dos seus, os quais foram aldeados em terras da hoje vila de Guarapari, às margens do rio do Peixe Verde, nome derivado do de Pirá-Obig, o chefe da grande tribo. Estes índios também prestaram bons serviços aos povoadores nas guerras havidas. Como se vê, os nossos historiadores confundem Maracaiá-guaçu com Pirá-Obig, trocando até o lugar de suas aldeias, quando pelos nomes se vê o contrário, pois que o primeiro nunca foi aldeado em Guarapari, e sim na antiga Aldeia Velha, e quando o segundo até deu seu nome ao próprio rio em cujas margens se estabeleceram ele e os seus.
Idem. Dá ainda princípio, neste ano, o padre Brás Lourenço à fundação de uma aldeia de índios na hoje cidade da Conceição da Serra(63) e, segundo encontramos, era a mesma composta de índios tupiniquins, embora digam alguns ser a mesma de índios goitacases, o que parece duvidoso, visto que estes estavam ao sul da capitania, e sempre em guerra; o mesmo padre Brás Lourenço ia por diversas vezes visitá-los, quando os padres Diogo Jácome e Pedro Gonçalves não o podiam fazer.
1557. Fundam os jesuítas a pequena aldeia do Campo, a três léguas de Santa Cruz e ao norte da vila de Nova Almeida, conhecida depois por aldeia do Campo Velho, que não deve ser confundida com a aldeia do Campo no rio do Peixe Verde, em Guarapari, como muitos o têm feito.(64) Os índios que habitavam além do Mucuri até Porto Seguro, sabendo o quanto eram bem tratados os aldeados com Maracaiá-guaçu e Pirá-Obig, principiaram a sair das matas unindo-se às aldeias que estavam sob a direção dos jesuítas.
Idem. Aparece ao norte, a 26 de fevereiro deste mesmo ano, e próximo à barra desta hoje cidade da Vitória, a expedição francesa comandada por Bois le Comte, dando fundo todos os navios a distância conveniente, disparando alguns tiros para a terra a atraírem assim os indígenas à praia. Mandaram então para terra um escaler a obter víveres, trocando-os por facas, espelhos, pentes, anzóis e outros objetos.(65) Feito isto, no dia 27 levantaram ferros os navios e seguiram derrota para o sul, mas, ao passarem os mesmos em frente ao forte do Espírito Santo, depois Piratininga e hoje denominado de São Francisco Xavier, receberam alguns tiros obrigando a expedição a fazer-se de largo.
Notas
60 “...o índio soube do regresso de Vasco Coutinho e tornou a Vitória para implorar seu auxílio. Juntaram-se no apelo os jesuítas e muitas outras pessoas, de que resultou a citada expedição. Constatada a ‘extrema necessidade’ em que se achavam Gato Grande e os seus, fizeram-nos embarcar, trazendo-os a esta terra. De início, foram localizados em um sítio nas proximidades da vila da Vitória.” [Grã, Cartas, II, 223-8, apud Oliveira, HEES, p. 87-8]
61 “No caminho para Aldeia Velha, ulteriormente Santa Cruz...” [Freire, Capitania, p. 254]
62 Diogo Jácome era um dos discípulos da escola do padre José de Anchieta. “Foi aquele que, mandado à capitania do Espírito Santo, teve ali cuidado da aldeia do afamado principal, por nome o Grão-Gato…”, entendendo-se por Grão-Gato Maracaiá-guaçu. [Vasconcelos, S., Vida e obra, I, p. 52] No original, a partir daqui, Daemon escreveu Jaques e nós corrigimos considerando documentos consultados.
63 Diz Mário Freire que “Conseguira o padre Fabiano reunir cerca de mil índios em uma aldeia, onde ergueu um templo a Nossa Senhora da Conceição.” O autor é bastante vago no que se refere à data: “A esse tempo...”, sendo que o texto se situa nos anos de 1560. [Freire, Capitania, p. 82]
64 Nery, Carta pastoral, p. 80. (b) “O mesmo padre funda as aldeias do Campo e Velha.” [Rubim, B. C., Notícia, p. 337]
65 (a) “Ao passar pelo Espírito Santo, em 26 de fevereiro de 1557, Bois le Comte fez disparar alguns tiros, visando atrair à praia os indígenas, a fim de obter víveres, em troca de bugigangas, registra Teixeira de Melo.” [Freire, Capitania, p. 75]
Nota: 1ª edição do livro foi publicada em 1879
Fonte: Província do Espírito Santo - 2ª edição, SECULT/2010
Autor: Basílio Carvalho Daemon
Compilação: Walter de Aguiar Filho, maio/2019
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