Ano de 1624 - Por Basílio Daemon
1624. Parte desta então capitania um contingente de índios flecheiros para a Bahia, onde chegando marcham logo a combate contra os holandeses com surpresas e assaltos que muito os incomodou, matando a muitos e até na refrega perdendo a vida o coronel holandês Alberto Schotts.(147) Contudo, força é confessar, não encontramos quem fosse o condutor destes índios.
Idem. Neste ano, no mês de março, fundeia na barra desta capitania uma esquadrilha composta de oito velas, que percorria as costas do Brasil já de volta de Luanda, pois que da Bahia para lá seguira no mês de agosto do ano antecedente.(148) Era esta esquadrilha comandada pelo almirante Patrid(149) que, tendo tido muitos prejuízos em Angola, voltava ao Brasil para ressarci-los. A 12 do mesmo mês de março subiu Patrid com alguns lanchões e trezentos e tantos combatentes e veio postar-se em frente à então vila da Vitória; dá desembarque à tropa e ataca os moradores da mesma vila, que não estavam preparados senão com uma frágil trincheira, mas dando-se logo renhido combate, ao desembarcar tiveram os holandeses de recuar, sendo os da capitania comandados pelo donatário Francisco de Aguiar Coutinho, embora poucos, por não estar reunido todo o povo que, amedrontado, tinha parte se retirado com as mulheres e crianças para o centro a resguardá-las, sendo, apesar disso, a defesa valorosa; os holandeses que haviam subido a baía disparando tiros e fortificando-se em diversos pontos tanto da ilha como da costa, mesmo com todas essas vantagens, viram a vitória ser dos povoadores nesse dia. No dia 14 experimentaram ainda os holandeses um novo combate e, enquanto este se dava, um contingente de tropa, comandado por um oficial, subia pela então ladeira do Pelourinho, hoje ladeira Municipal, onde se achavam alguns combatentes da vila com uma pequena peça, mas vendo que o número de holandeses era numeroso, abandonaram o posto: é então que uma mulher heroína, de nome Maria Ortiz, e que morava em uma casa na quina da mesma ladeira com a rua da Matriz, casa essa hoje pertencente ao Sr. capitão João Martins de Azambuja Meireles, estando à janela, esperando a passagem dos holandeses, e chegados que foram embaixo da janela onde ela se achava, derrama sobre eles um tacho de água a ferver, queimando-os horrivelmente, o que os fez retroceder e desanimar; feito isto, Maria Ortiz, animando os soldados, fá-los disparar a peça que se achava acima de sua casa, e que já lemos ter sido ela própria, Maria Ortiz, que lhe pusera fogo com um tição, então caindo os combatentes novamente reunidos sobre os holandeses, que eram em maior número, fá-los debandar com perda de 30 homens e mais de 44 feridos, recolhendo-se aos lanchões, mas deixando ainda alguns que foram tomados, declarando-se assim a vitória a favor dos moradores da capitania, que muito foram auxiliados pelos padres jesuítas, que os animavam e socorriam.(150) Reconhecendo o almirante Patrid ser impossível novo desembarque, por já a esse tempo estar reforçada a gente da vila, mandou que subissem os lanchões baía acima a atacar as fazendas situadas à beira-mar, o que realizaram causando não poucos prejuízos. É por esta ocasião que entra barra a dentro Salvador Correia de Sá, filho do governador do Rio de Janeiro Martim de Sá, o qual seguia a seu mandado para a Bahia a ajudar ali a expulsão dos holandeses, trazendo consigo duas caravelas e quatro grandes canoas, com ordem de aqui tocar a tomar reforço. Salvador Correia de Sá, aprestando-se, caiu com a sua gente sobre os lanchões holandeses, cercando-os de tal modo que matou e feriu a grande número deles, só escapando uma lancha que, à força de remos, pôde safar-se, pelo que Patrid mandou levantar ferro à esquadrilha e seguiu para a Bahia completamente desanimado.(151)
Idem. Chega à Bahia no dia 15 de abril deste ano Salvador Correia de Sá com duas caravelas e quatro canoas, transportando desta então capitania do Espírito Santo, onde tocara por ordem de seu pai, o governador Martim de Sá, não menos de 130 índios flecheiros e 70 portugueses a ajudar a restauração da Bahia do domínio holandês, o que de fato se realizou nessa ocasião. Como vimos, Salvador Correia de Sá viera do Rio de Janeiro, a mandado de seu pai, com ordem de aqui tocar e tomar reforço, e em ocasião tão azada que prestou relevantes serviços à capitania, batendo os holandeses e fazendo-os retirar, pelo que o donatário Francisco de Aguiar Coutinho não só concedeu o dito contingente, como ainda munições e mantimentos. É aqui ocasião de fazer-se na história pátria uma retificação a respeito da divergência que se nota em Brito Freire, padre Antônio Vieira, Bartolomeu Guerreiro e Manoel Severim, sobre a chegada e estada do almirante Patrid nesta capitania, e no que muitos se têm enganado, mas que atendendo à chegada na Bahia de Salvador Correia de Sá, a 15 de abril deste mesmo ano, a confusão existente quanto à vinda de ambos a esta então capitania fica sanada, pois provado fica que foi a 12 de março e não a 12 de maio como, por engano, têm muitos escrito; assim também que aqui não veio o vice-almirante Pieter Piet Heyn(152) por esse tempo, pois se achava na conquista da Bahia, e já de há muito.
Idem. Neste ano chegam de volta à aldeia dos Reis Magos os dois padres jesuítas que dali tinham seguido em missões pelo sertão, encontrando-a infestada de bexigas e morrendo diariamente um número extraordinário de índios que estavam já civilizados e batizados; à vista de tal calamidade procederam os mesmos padres aos maiores sacrifícios lançando mão de todos os recursos a fim de salvá-los. Por um descuido nosso escaparam-nos os nomes destes dois jesuítas ao tomar notas para esta obra, e entre a aglomeração de livros e documentos difícil se nos torna encontrá-los, o que mais tarde publicaremos; contudo recorda-nos ser um deles o padre Domingos Rodrigues.
Idem. Neste ano envia a Roma o padre Antônio Vieira a Ânua da Missão desta capitania, concernente a este ano e ao antecedente, e na qual aquele ilustrado jesuíta, que faleceu em 1697, elevou bastantemente a esta capitania dando conta até de seus feitos de armas.(153)
Notas
147 “Johannes van Dorth, governador pela Companhia, foi morto numa emboscada. Albert Schout, seu sucessor, tratou das fortificações, mas em festas e banquetes apanhou uma enfermidade, que em poucos dias o levou.” [Capistrano, Capítulos, p. 44]
148 A data da chegada dos holandeses, de acordo com o padre Antônio Vieira, seria 12 de maio de 1625. [Carta ânua da missão jesuítica no Espírito Santo, em 1625] e, segundo Machado de Oliveira, a primeira invasão dos holandeses teria ocorrido em 6 de agosto de 1625. [Notas, apontamentos, RIHGB, 1856, 19:265].
149 (a) “Pedrid ou Petrid, como era conhecido o almirante Pieter Pieterszoon Heyn, chefe da expedição.” [Freire, Capitania, p. 113] Em todas as suas formas, Pedrid, Petrid ou Patrid, a grafia está obviamente corrompida.
150 Bittencourt, Frei Pedro, p. 26-7. (b) Vasconcelos, Ensaio, p. 22.
151 (a) “...que seguindo viagem para a Bahia a fim de efetuar a expulsão dos holandeses daquela cidade, aconteceu aportar na capitania; e emboscando-se com os seus, e caindo no inimigo, desenvolveu tal intrepidez, que obrigou este a desembarcar-se, sofrendo a perda de uma lancha e duas roqueiras, fora muitos mortos e feridos.” [Vasconcelos, Ensaio, p. 22] (b) Rubim, B. C., Notícia, p. 338-9.
152 Pieter Pieterszoon Heyn, também chamado Piet Heyn.
153 Documento transcrito em Espírito Santo: documentos administrativos coloniais [v. 2, p. 27] e também publicado em RIHGB [1834, 3. ed., 5:362-64,].
Nota: 1ª edição do livro foi publicada em 1879
Fonte: Província do Espírito Santo - 2ª edição, SECULT/2010
Autor: Basílio Carvalho Daemon
Compilação: Walter de Aguiar Filho, novembro/2019
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