As Aulas e as Pesquisas do Professor Cleber Maciel na UFES - Por Andrea Bayerl Mongim
Aqueles que foram estudantes do curso de História da Ufes nos anos 80 vão certamente se lembrar da marcante presença do professor Cleber Maciel nas salas de aulas e corredores do prédio do IC-3. Sempre dedicado, comprometido e competente, o professor, pesquisador e militante ensinava para muito além da sala de aula, incorporando o intelectual orgânico gramsciano.
Para Cleber, teoria e prática andavam juntas. Além de se dedicar brilhantemente às pesquisas e aos ensinamentos sobre o negro na sociedade brasileira, também participava de movimentos sociais, sendo protagonista das lutas visando ao combate ao racismo e à discriminação. Ensinava e fazia história. Não era raro encontrar Cleber com discentes nos espaços públicos, participando de seminários, passeatas, bares, festas. Por essa via, a experiência significada no projeto “Aboli-ação” constitui-se em momento de grande importância. Lembro-me bem do início do semestre, quando nos encontrávamos para o primeiro dia de aula da disciplina História da África. Uma das alunas, Suely Carvalho, propôs que estudássemos de forma diferente, organizando um grande seminário voltado para discussões sobre a história do negro no Brasil. O professor Cleber, de forma inédita e muito responsável, aceitou o desafio, mudando todo o programa que havia preparado para a disciplina. Nossas “aulas” tornaram-se absolutamente dinâmicas. Reuníamo-nos para estudar a cultura afro-brasileira organizando o grande evento, que denominamos “Aboli-ação”. Dentre tais atividades, fizemos visitas às embaixadas africanas, convidando representantes para participarem do seminário. Conseguimos contar com a participação da adida cultural de Cuba. Foi um sucesso, uma experiência fantástica. Durante uma semana, auditórios e outros espaços da Ufes foram tomados pelas vibrantes cores e sons africanos. O universo acadêmico deu lugar à apresentação de diferentes representantes de terreiros de candomblé e umbanda da Grande Vitória. Um dos destaques entre os palestrantes, o sambista Bezerra da Silva, começou sua exposição entusiasmado, agradecendo pela oportunidade e destacando o fato de nunca ter sido convidado para falar para um público de universitários. O auditório estava completamente lotado e colorido. A semana foi encerrada com a Kizomba, grande festa que reuniu pessoas oriundas de universos culturais bastante diversos. Lembro-me bem, nessa festa, das filas de pessoas ávidas para “tomar um passe”.
Significando possibilidade singular e concreta de encontro de saberes, a realização do seminário “Aboli-ação” demonstrou que o diálogo intercultural é possível e necessário ao meio acadêmico.
Certamente, podemos reconhecer em Cleber Maciel agente privilegiado de mediação social, capaz de estabelecer relação entre universos simbólicos distintos. A interação que estabelecia com seus alunos contribuía para construir espaços recíprocos de diálogos, proporcionando-lhes conhecimentos e outras condições para que mudassem da posição de estudantes para de profissionais dedicados ao ensino e à pesquisa. Foram muitos os discentes que interagiram com o professor Cleber Maciel e puderam compartilhar seus ensinamentos. Seria impossível lembrar e falar sobre cada um neste espaço, mas vale citar aqueles contemporâneos que também se tornaram professores, pesquisadores e militantes, como Celia Tavares, hoje mestre em Ciência Política e secretária de educação do município de Cariacica; Gilda Cardoso; Suely Bispo; Marcelo Siano; Lavinia Coutinho; Josemar Lyrio; Marcos Dantas; Dora Alicia Seymour, e Fabio Dorotheu. Alguns, assim como Cleber Maciel, dedicam-se ao ensino e à pesquisa voltados para o negro na sociedade brasileira. Suely Carvalho, além de professora, desenvolveu pesquisa sobre práticas culturais afro-brasileiras no Espírito Santo. Lavínia Coutinho, mestre em História Social pela Ufes, desenvolve pesquisa sobre escravidão e resistência escrava no Espírito Santo no século XIX, tendo escrito sua dissertação de mestrado sobre a Insurreição de Queimado. A professora Adriana Campos, doutora em história pela UFRJ e docente do curso de História da Ufes, elaborou sua tese de doutorado a partir de pesquisa sobre os escravos na Grande Vitória no século XIX. A professora Andrea Bayerl Mongim, doutora em Antropologia pela UFF, depois de estudar a trajetória dos alunos beneficiários do sistema Prouni, tornou-se professora visitante da Ufes, desenvolvendo pesquisa que analisa a trajetória de estudantes que ingressam nessa mesma universidade mediante sistema de reserva de cotas, dando destaque à questão racial. Suely Bispo, depois de concluir o mestrado em Literatura na Ufes, analisando os poemas de Solano Trindade, tornou-se recentemente coordenadora do Museu Capixaba do Negro. Leonor Araújo deu continuidade às pesquisas do referido professor nas comunidades quilombolas de Cacimbinha e Boa Esperança, no município de Presidente Kenedy, tendo, posteriormente, ocupado cargos políticos no Governo Federal e, recentemente, no Governo do Espírito Santo. A professora Edileuza Penha de Souza, doutoranda em Educação pela Universidade Católica de Brasília, tem se dedicado aos estudos sobre a questão racial, elaborando atualmente a tese “Cinema na panela de barro: mulheres negras e suas narrativas de amor, afeto e identidade”.
O legado do professor Cleber Maciel certamente continua muito vivo em produções acadêmicas recentes, na atuação de tantos atuais professores de História, seus ex-alunos, que assumem o desafio de implementar a Lei 10.639/2003, que estabelece como obrigatório o estudo da história da África e da cultura afro-brasileira no ensino básico. Cleber deixou o mundo antes da aprovação dessa lei, mas o conhecimento que construiu em interação com seus alunos constituiu verdadeiro antídoto para combater o veneno de mentes que, conforme destaca o grande antropólogo Kabengele Munanga (2005), são envenenadas diante de processos de socialização marcados por concepções extremamente preconceituosas, que inferiorizam os negros e lhes negam o direito ao reconhecimento enquanto diferentes. Vale destacar que o conteúdo previsto para a área de História na mencionada lei era ensinado pelo competente professor muito antes de isso se tornar obrigatório, o que fez dele um protagonista e agente à frente de seu tempo em termos de combate ao racismo pela via do conhecimento.
Taylor (1998), chamando a atenção para as consequências perversas do não reconhecimento ou reconhecimento incorreto da identidade, destaca o quanto a sociedade branca projetou durante gerações uma imagem de inferioridade da raça negra. Tal imagem acabou sendo adotado por alguns dos seus membros, contribuindo para que “a autodepreciação se tornasse um dos instrumentos mais poderosos de sua própria opressão” (TAYLOR, 1998, p. 46).
Por essa via, para finalizar, vale destacar que o legado do professor Cleber Maciel foi, incontestavelmente, fundamental para o propósito de rompimento com o longo processo de projeção da inferioridade e opressão ao qual vêm sendo submetidos os membros da raça negra em nosso País.
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Fonte: Negros no Espírito Santo / Cleber Maciel; organização por Andrea Bayerl Mongim (Doutora em Antropologia e professora visitante no Depattamento de Ciências Sociais da UFES) – 2ª ed. – Vitória, (ES): Arquivo Público do Estado do Espírito Santo, 2016
Compilação: Walter de Aguiar Filho, fevereiro/2022
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