Aterro da Prainha – Por Jair Santos
Um homem hodierno que pretenda avaliar as razões do aterramento da Prainha sob o aspecto histórico-cultural poderá concluir que foi uma obra sentenciada pelo Palácio Anchieta e pelo Ministério da Marinha com o consentimento dos Poderes Executivo e Legislativo de Vila Velha. Foi um rude golpe na exuberante história do Estado, um acontecimento que em qualquer tempo poderá ser considerado lastimável, porque sepultou de vez a histórica angra capixaba e apagou definitivamente o encantador cenário formado pela Praia de Inhoá e Ilha da Forca.
Qual seria o pensamento dos administradores e mandatários no fim dos anos 50 e começo dos 60 diante de uma sociedade que lutava para se organizar melhor e conquistar uma nova qualidade de vida? Era do conhecimento geral o exemplo vindo da cidade do Rio de Janeiro, no qual o governo carioca acabava de brindar a cidade maravilhosa com o imenso aterro que resultou no novo parque do Flamengo dotado de áreas de lazer, quadras esportivas, restaurantes, ancoradouros, estacionamentos, museus, salas de artes e fantástico jardim criado pelo urbanista Roberto Burle Max.
O capixaba do mesmo período deve lembrar-se da urgente necessidade de dragagem de todo o canal de acesso ao porto da capital, que estava na iminência de ser bloqueado por assoreamento acumulado ao longo de muitos anos. Não havia mais porque esperar. A areia removida deveria ser transportada e lançada em locais previamente escolhidos transformando-se, certamente em conquista de novas áreas urbanas. Foi assim que surgiram os aterros de Bento Ferreira e da Esplanada Capixaba, em Vitória e o da Enseada da Prainha, em Vila Velha. Uma obra estadual realizada no governo de Jones dos Santos Neves, que antes da sua execução cuidou de preservar farta documentação constituída de textos e fotos de bom conteúdo histórico, hoje devidamente arquivada e ao alcance de todos.
Segundo Roberto B. Abreu, [relato, 1997] por volta de 1973 o governo estadual empregou Cr$1.234.000,00 na transformação da área conquistada em restaurante; amplo estacionamento; lanchonetes; área coberta com mesas e bancos fixos, onde romeiros fariam suas refeições; quadra de bocha; duas quadras poliesportivas; pista de skate; campo de futebol; churrasqueiras; palco para shows; entreposto frigorífico para a comercialização de pescado; jardim e pavilhão para receber a administração do parque.
Para dissertar sobre esse maldito aterro, preciso começar citando o pequeno artigo que foi publicado no Jornal do Brasil, do Rio de Janeiro, de 24 de setembro de 1975.
"Na semana em que o "Projeto Aquárius" fazia a abertura da grande festa do nosso Exército, em Vila Velha, no Estado do Espírito Santo, divulgando a cultura pela música, um quadro, profundamente, entristecedor sensibilizava a todos que foram assistir a tão belo espetáculo e viram que mais um golpe cruel está sendo dado na verdadeira história do povo capixaba que, ao que parece, está há anos assistindo, passivamente, à destruição de todo o cenário natural e berço da sua civilização. A Enseada da Prainha, em Vila Velha, onde aportou o primeiro donatário da capitania e, mais tarde outros colonizadores e missões religiosas, está se transformando em imenso aterro, sem qualquer objetivo técnico ou interesse estético. Nem mesmo a pequena Praia de Inhoá e a Ilha da Forca, que completavam o cenário histórico do primitivo porto, formando um conjunto de rara beleza natural, falava de muitas lutas e sacrifícios, escaparam do soterramento. Ali está agora, tão grande quanto triste, tão abandonado quanto inútil, tão cruel quanto inculto, o grandioso sepultamento das tradições de um povo que, parece esquecer-se que tem suas raízes, profundamente, ligadas ao belo e ameno da natureza e, à altivez do gentio, nativo da terra. Se o acontecimento de 24 último, foi de culminância musical, serviu também para mostrar que a obra predatória dos iconoclastas prossegue impiedosamente. Agora chegou a vez do Morro do Convento, coberto pela sua mata densa, virgem e original. Ainda é esta colina que modela no cenário histórico, o santuário da fé de um grande povo. Cedo não o será mais porque, uma obra comum, autorizada pela municipalidade, se inicia ao sopé, ao lado portão de pedras, construído por índios e escravos na ladeira de fiéis. Com a mesma facilidade desta, outras obras virão, sem dúvida e, com elas, o comprometimento do pouco que resta de toda história já destruída.
O povo espírito-santense deve orgulhar-se, de saber que nesse local, nada deve lhe pertencer porque ali, a própria natureza agasalhou os mais importantes episódios de todos os brasileiros que cultuam o fortalecimento do povo através das grandes lições do seu passado e das suas tradições. [Jornal do Brasil, RJ, 24/09/1975, desse autor].
Fonte: Vila Velha Onde começou o Estado do Espírito Santo, 1ª edição, 1999 e 2ª edição, 2011
Autor: Jair Santos
Compilação: Walter de Aguiar Filho, dezembro/2015
Trata-se de um imponente maciço de granito que separa a Prainha da pequena Praia de Inhoá
Ver ArtigoNo ano de 1912 residiu sobre uma pequena colina o Comendador Evaristo Pessoa e dizem que pouco mais além, na linha do mar, foi construída a primeira fábrica de sabão do Estado
Ver ArtigoEntre o Cais das Timbebas e o Exército, de frente para a subida do Convento da Penha (ladeira das 7 voltas), havia uma pequena, linda e bucólica praia conhecida como Praia das Timbebas
Ver ArtigoNo local foi enterrado o primeiro donatário da capitania do Espírito Santo, Vasco Fernandes Coutinho. Tudo leva a crer que esse foi o primeiro cemitério de Vila Velha
Ver ArtigoA Enseada da Prainha, onde aportou Vasco Fernandes Coutinho, está se transformando em imenso aterro, sem qualquer objetivo técnico ou interesse estético
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