Carlos Tourinho - Jornalismo Regional: Mudanças à vista, 1996
O barulho de uma sirene é, provavelmente, o som que mais desperta a atenção de um jornalista. É só ouvi-la soar que – imediatamente – estendemos nosso olhar, apuramos nossos ouvidos, dedilhamos nosso telefone. Não é morbidez, como apressadamente podem concluir. E há até jornalistas que concluem isso! A sirene é a notícia. É o nosso objetivo, nossa meta. O bombeiro, a polícia ou a ambulância são a materialização. Ali tem algo acontecendo, tem gente.
A vida do jornalista é cercada por “sirenes”. Em vários sentidos, em diferentes configurações. As “sirenes” que tocam mais alto são as que passam mais perto. É a notícia da sua cidade, do seu bairro, do seu vizinho. É correr atrás do antigo e gostoso hábito de contar as novidades, de saber o que está acontecendo ao seu redor. É a diária construção da história.
Foi contando o que viam que os apóstolos escreveram a Bíblia, que os povos eternizaram suas existências, que as civilizações antigas deixaram seus testemunhos.
A história das cidades modernas é escrita diariamente por seus jornalistas. Pessoas que, até por exigência profissional, têm de extrair de seu dia-a-dia novas e novas histórias a serem contadas. Hoje estamos registrando a história de Vitória, do Espírito Santo, de um pedaço do Brasil. É falando daqui, deste povo e destes lugares, que fazemos melhor o nosso trabalho. É aqui que ouvimos a sirene tocar mais alto. Temos a responsabilidade de registrar com correção, ética, sensibilidade e muito trabalho o que está acontecendo. Os manuais mais antigos já diziam que o fato da esquina fala “mais perto” ao telespectador do que a mais bem apurada notícia internacional. Isso não é novidade (não é notícia), é simples constatação. Mas é uma constatação que delineia um novo caminho da comunicação. O velho abrindo o caminho do novo. Uma nova dimensão para o jornalismo.
Depois do surgimento das grandes redes de televisão nas décadas de 70 e 80, de seu expansionismo na década atual, da ascensão das redes nacionais de rádio, do incremento da velocidade de produção e distribuição dos grandes jornais do país, que chegam cada dia mais cedo aos Estados vizinhos, vemos agora novos fatos no “negócio da comunicação”.
A internet e suas infinitas home-pages habitadas por jornais de todo o mundo, as tevês por assinatura (cabo e satélite), entre outras tecnologias, revelaram alguns fatos que merecem ser analisados. A concorrência pelo consumidor da comunicação é muito maior, ele está cada vez mais exigente e com menos tempo para gastar com o que não lhe diz respeito. Além disso tudo, não existe produção de televisão no mundo suficiente para atender a tanta demanda de programação. As tevês de sinal aberto e as por assinatura precisam preencher seus espaços. Isso explica, ao menos em parte, a ascensão dos velhos enlatados, a interminável repetição de atrações – especialmente nas tevês por assinatura – e os indefectíveis talk-shows de produção barata.
Outro caminho, e esse parece-me o mais sensato, tem sido a incrementação da produção regional. Além do mais, essa alternativa prima pelo respeito à Constituição Federal de 1988, que prevê em seu artigo 221 “a regionalização da produção cultural, artística e JORNALÍSTICA em percentuais definidos por lei”. A regionalização da notícia é hoje aspiração não apenas constitucional, ideológica ou de grupos isolados, mas também do empresariado que tem visão de futuro do próprio negócio. Afinal, o que vai diferenciar produtos lançados nas tevês de todo o país, nos subprodutos da indústria da informática, nos noticiários radiofônicos, na difícil concorrência com os jornais que vêm de fora, e ainda nos livrar do lixo reciclado que voltou a habitar as telinhas? O que vai diferenciar é o que está em nossa esquina. Porque esta esquina só existe aqui. A de fora é diferente.
Pois bem, o mercado regional da comunicação se abre e nisso estão juntos profissionais e empresários. Vai sobressair-se quem fizer melhor, e isso vale para uns como para outros.
Mas como será esse redescobrimento do jornalismo regional na estrutura que temos hoje, montada para a valorização do fato nacional? No caso de televisão, universo onde transito, já percebo seu esboço. Quando aqui do Espírito Santo mandamos uma matéria para veiculação em rede nacional, não é que a nossa notícia tenha se metamorfoseado em nacional. É o regional que está lá, com todas as imagens e sons. É a informação, a emoção ou o simples registro do dia-a-dia da vida do capixaba que está sendo mostrado ao país. Costuma-se usar o termo “nacionalizar” a notícia local para justificar sua veiculação em rede. Mas isso é puro jogo de palavras. “Nacionalizar”, no jargão do jornalismo, significa dar dimensão nacional ao fato, incluir o regional dentro um contexto maior. Muito bem. Mas é o “local” que tem de estar pintado. Se não, não vai interessar. As notícias “nacionais” do nordeste que o digam. O folclore, a fé religiosa, o drama das secas são do mais puro regionalismo nordestino. Nos Estados são cada vez mais numerosos os programas estritamente regionais, embora ainda tão bem feitos. O mercado toma o sentido do futuro e o “local” passa a alimentar o “nacional”.
A principal diferença entre o que se anuncia e o que já existe chama-se qualidade. O jornalismo regional será cada vez mais exigente. Não aquela exigência de hoje, mas a de mercado. O repórter “local” não será mais o repórter que não tinha condições de “aparecer” na rede e “servia” para o jornalismo regional. Com o regional valorizado, o profissional a executá-lo terá de ser ainda mais lapidado e bem preparado. A notícia local não será mais aquela que não tem “apelo” nacional. A notícia local de qualidade, valorizada no mercado, terá de ter o requinte da sensibilidade e a sutileza da inteligência. Terá de ter a coragem que só o conhecimento é capaz de fornecer. Para analisarmos a economia local, as eleições da capital, o combate à poluição, teremos de saber do que estamos falando. Precisaremos conhecer melhor nossa cultura e nosso esporte. Parece óbvio, mas quem é do ramo sabe que não é bem assim que a banda toca atualmente. Repórteres e editores bem preparados exigem universidades e faculdades locais atualizadas e exigentes e empresários de comunicação que valorizem e estimulem o aperfeiçoamento. Atento às mudanças estará o mercado publicitário. Como “norte” da profissão permanecem a precisão, a denúncia bem apurada e, naturalmente, a ética.
Precisaremos estar atentos às tendências. Mostrar as dimensões do fato. Revelar onde está o alicerce do que está dando certo e por que isso acontece. Explicar por que deu errado. Cobrar de quem promete com a autoridade de quem sabe do que está falando. Antecipar o que está por vir. Enxergar as conexões entre causas e efeitos. Enfim, descobrir as sutilezas da notícia.
O jornalismo que se avizinha é maduro, adulto e orgulhoso de ser regional. Quando a próxima sirene tocar, nós, nossas fontes e nosso público podemos ter certeza: ali vai uma notícia. E pode ser a mais importante do Brasil.
Fonte: ESCRITOS DE VITÓRIA — Volume 17 - Imprensa - Uma publicação da Secretaria de Cultura e Turismo da Prefeitura Municipal de Vitória-ES, 1996.
Prefeito Municipal - Paulo Hartung
Secretário Municipal de Cultura e Turismo - Jorge Alencar
Sub-secretário Municipal de Cultura e Turismo - Sidnei Louback Rohr
Diretor do Departamento de Cultura - Rogério Borges de Oliveira
Diretora do Departamento de Turismo - Rosemay Bebber Grigatto
Coordenadora do Projeto - Silvia Helena Selvátici
Chefe da Biblioteca Adelpho Poli Monjardim - Lígia Maria Mello Nagato
Bibliotecárias - Elizete Terezinha Caser Rocha e Lourdes Badke Ferreira
Conselho Editorial - Álvaro José Silva, José Valporto Tatagiba, Maria Helena Hees Alves, Renato Pacheco
Revisão - Reinaldo Santos Neves e Miguel Marvilla
Capa - Amarildo
Editoração Eletrônica - Edson Maltez Heringer
Impressão - Gráfica e Encadernadora Sodré
Compilação: Walter de Aguiar Filho, janeiro/2018
Plinio Marchini. Escritor e publicista. Dirigiu vários jornais no Estado, estando atualmente à frente do matutino “O Diário”
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