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Carvoarias estão destruindo a reserva de Comboios

A Gazeta, Vitória - ES, 17/08/1986

Está em vigor desde o último dia sete de julho lei sancionada pelo presidente José Sarney que proíbe o desmatamento. Ela admite apenas o 'manejo sustentado’, técnica que combina a exploração da madeira com a reposição das florestas em que há interferência do homem. Uma maneira de preservar as espécies nativas e tornar permanentes os rendimentos que a natureza pode oferecer.

No Espírito Santo, porém, a destruição das matas remanescentes persiste, embora elas representem hoje somente 3% da cobertura florestal primitiva do Estado. Um dos locais preferidos dos depredadores é a ilha de Comboios, a mais antiga reserva capixaba e tida pelos especialistas como a mais importante área de preservação de restinga do litoral brasileiro.

A ilha vem sofrendo, sobretudo a partir do inicio da década de 1970, um processo de devastação de consequências desastrosas. De acordo com pesquisas realizadas para o Museu Nacional pelo cientista Augusto Ruschi, mais da metade da fauna da região foi dizimada entre os anos de 1972 e 1978. O número de árvores derrubadas é incalculável.

Os reflexos da barbárie ecológica estão nos rios assoreados, na menor ocorrência de peixes e na diminuição da área mantida sob preservação.

Ao ser criado em 1951 pelo Governo do Estado, o Parque Biológico de Comboios contava com 9.960 hectares constituídos de terras devolutas. Anualmente, a reserva biológica possui 833,23 hectares: 8% da sua área original. O pior é que o pouco que resta está ameaçado pelas carvoarias ilegais e pelo uso irracional do solo por posseiros lá instalados.

Sobreviver as motosserras, aos caçadores e à agricultura predatória é o grande drama de Comboio. Uma ilha localizada nos municípios de Linhares e Aracruz, cercada pelo mar, por lagoas, (Encantada, São João e Redonda) e pelos rios Doce, Preto, Comboios e Riacho. Um lugar cujo patrimônio zoobotânico desde 1557 atrai a curiosidade e o interesse de estudiosos de todo o mundo. Uma área ainda bela, onde se abrigam diversos animais em extinção e espécies vegetais desconhecidas e que pode se transformar num deserto se não for imediatamente interrompida a absurda escalada dos desmates.

A ilha

A ação dos depredadores é notada principalmente em Regência. Trata-se de uma antiga vila, cuja história fala de dois fatos importantes: a visita do imperador D. Pedro II (um apaixonado pela natureza e pela cultura indígena) e o episódio em que um modesto morador — o herói capixaba Caboclo Bernardo — se imortalizou ao salvar toda a tripulação de um navio estrangeiro que por ali naufragou.

A 120 quilômetros ao Norte de Vitória, Regência tem uma população de aproximadamente 600 pessoas. É um povo pobre que não dispõe de um médico sequer e vive quase todo ele da pesca. Entre as casinhas construídas uma perto da outra, três ou quatro casas comerciais, uma única escola, o altíssimo farol erguido pela Marinha, galinhas e cachorros passeando pelas ruas e a alegria das crianças que brincam na foz do rio Doce.

A maioria dos carvoeiros em atividade na ilha de Comboios fica nas proximidades da vila e do lugar em que a Petrobrás mantém um terminal portuário e vários poços de prospecção de petróleo e gás natural. Ao Sul, em Aracruz, o perigo maior não é a produção de carvão, mas principalmente as plantações de mandioca feitas por índios Tupiniquins e posseiros em terras pertencentes à Funai. Cultura essencialmente predatória, a mandioca é plantada depois de queimadas e lesa em pouco tempo o solo exaustão.

Administrados desde setembro de 1984 pelo IBDF, os 833 hectares de reserva biológicos estão cercados e — pelo menos agora — estão sendo realmente protegidos. Só não escapam de eventuais investidas de caçadores. O corte indiscriminado de madeira em sua volta se constitui, no entanto, em uma ameaça concreta para a reserva.

O último levantamento que o Instituto de Terras e Cartografias (ITC) tem sobre Comboios data de 1982. Na época existiam 160 posseiros na ilha dos quais apenas 12 possuíam escrituras. Hoje, permanece o mesmo o numero de propriedades tituladas. Mas o número de posseiros diminuiu em função da concentração fundiária. Em fazendas de até mil hectares o desmate é diário e tem ritmo industrial.

O IBDF já multou vários Carvoeiros, mas não o bastante para deter a indústria da destruição. Dezenas e dezenas de trabalhadores dedicam-se, em mais de 10 carvoarias, à dura tarefa de derrubar as árvores, transformá-las em carvão e de providenciar o embarque nos caminhões-gaiolas. Derrubar a mata é a parte mais fácil do serviço, do qual dão conta velozes motosserras. Difícil mesmo é produzir o carvão, cujo cozimento nunca demora menos de 24 horas. Embora, nos altos-fornos, seja consumido em questão de minutos..

A lei

O engenheiro florestal Gilberto Freire de Matos, responsável pela reserva de Comboios, explica o significado da lei recentemente sancionada pelo presidente Sarney (Lei 7.511, que alterou o artigo 19 do Código Florestal): "O chamado corte raso está proibido no Brasil. Ninguém pode desmatar. A não ser através de um plano de manejo, autorizado pelo IBDF, que permita a exploração da floreira sem destruí-la. Seria não acabar com uma mata de uma vez. Mas tirar a madeira hoje fazendo a reposição e adotando providências que permitam sustentar a produção para que daqui a 15 anos, por exemplo, você ainda possa tirar madeira sem ter destruído a flora e a fauna".

Antes mesmo dessa lei, entretanto, a área florestada de Comboios estava resguardada legalmente. A legislação anterior proibia o desmate sem prévia autorização do IBDF. Além disso, de 1951 a 1984, Comboios foi objeto de quatro leis específicas. A primeira criou o parque biológico. Depois, em 1982, um decreto do governador Eurico Rezende reduziu a sua dimensão de 9.960 para 414,39 hectares. Em 1983, decreto de Gérson Cantata aumentaria a área para 833,23 hectares. Finalmente, no dia 25 de setembro de 1984, era criada a reserva sob a responsabilidade da União (cuja transferência para o Governo Federal era reivindicada desde 1971).

A legislação, contudo, não parece interessar aos carvoeiros. "Quando tá bom, a gente enche umas oito gaiolas por mês", conta o empregado de uma pequena carvoaria da região. A remuneração é de Cr$ 15 por metro de carvão e, em geral, a atividade é vista como uma forma de devastar de modo rentável as terras que depois servirão à criação de gado.

Às vezes, o posseiro arrenda a propriedade para a produção de carvão. É o caso de Márcio Luiz Silva, que tem como arrendatários os carvoeiros José Bomzon e Badé Correia. Localizada próxima a ponte sobre o rio Comboios, essa é uma das maiores carvoarias da região. E é também uma das maiores propriedades (em torno de 200 alqueires, ou mil hectares).

Márcio Silva foi multado dia 29 de julho pelo IBDF.

Na última quarta-feira, apesar disso, lá estava funcionando a pleno vapor a carvoaria tocada pelos arrendatários. Isso é o que tem acontecido. Geralmente, o desmate só cessa e as carvoarias são abandonadas quando não existe mais madeira nenhuma na propriedade. Que passa então a ser do gado bovino. Assim tem sido nas terras de Luiz Carlos Gaburro, Alicio Galavotti, José dos Santos, Almir da Silva Reis, Joaquim Demécio da Silva e vários outros posseiros que estão desmatando a área ilegalmente.

Os perigos

Não são poucos os que buscam ironizar ou desdenhar toda iniciativa em defesa da fauna e da flora. No caso de Comboios, porém há uma infinidade de argumentos que podem ser esgrimidos em favor da preservação. Não bastasse o fato de se tratar de uma área em que a depredação é vedada por diversos documentos legais, lá existiam, até 1978, 20 espécies oficialmente consideradas "em vias de extinção".

Eram elas, segundo Ruschi: ariranha, tatu-canastra, preguiça-de-coleira, macuco, zabelê, gavião-de-penacho, gavião-real, gavião-de-topete, gavião-pega-macaco, jacutinga, tiriba fura-mato, papagaio-do-peito-roxo, papa-fomigas, jacu-verde, bicudo, tartaruga gigante, tartaruga-de-pente, tartaruga-de-gancho, tartaruga comum e jacaré-de-papo-amarelo.

Algumas delas, com certeza, não serão mais encontradas nos dias de hoje. De qualquer maneira, o valor científico da região é atestado por incontáveis pesquisadores. Desde 1557, quando visitada pelo francês Jean de Lery, a ilha de Comboios foi estudada por naturalistas como Saint-Hilaire, Maximilian Alexander Philipp, Prinz von Wied-Neuwied, Albérico Freire do Prado, Frederico Sellow, Lauro Travasso e, claro, Augusto Ruschi.

Este, em 1972, observou no local 448 diferentes espécies de mamíferos, aves e répteis. Apenas seis anos depois, encontraria somente 220. Há muito, aliás, os técnicos advertem para os perigos da devastação de Comboios. Em 1950, ao fazer um estudo para o Governo do Estado, Albérico do Prado dizia que a sua destruição poderia levar formação de um deserto.

Constituída por sedimentação, inclusive por solos de dunas, a ilha tinha e tem na vegetação a sua "proteção natural". O desmate das margens do rio Comboios, por exemplo, produziu tal assoreamento que o transformou em pouco mais do que uma vala. A devastação total, segundo previu em 1945 Lauro Travasso, faria da região "um novo Nordeste, com as calamidades das secas e das enchentes".

Os seus efeitos não terminam ai. O assoreamento dos rios e lagoas, obviamente, provoca prejuízo à reprodução das espécies subaquáticas afetando a procriação numa região que é, por ficar entre a barra de dois rios e numa praia semideserta, um dos trechos de maior abundancia do pescado de todo o litoral capixaba. Impediria, finalmente, a eventual identificação de espécies animais e vegetais desconhecidas.

A vegetação de restinga — toda aquela que se desenvolve em terreno arenoso ao redor do mar ou de cursos d'água — normalmente não cresce muito. Mesmo quando milenar, apresenta pouca altura. Uma das marcas de Comboios é o fato de ali terem sido encontrados gigantescos exemplares espécies típicas da mata atlântica e que de modo geral não existem nas restingas: jacarandás, cedros, jequitibás, caixetas, peroba, sucupira, etc.

Essas árvores, já tombadas e vendidas a bom preço pelos depredadores de plantão, não existem mais, para salvar o que restou, o IBDF, o ITC, a UFES, a Emater e outros órgãos formaram uma comissão. "Não adianta nada cuidar das tartarugas se está havendo desmatamento", aplicou o coordenador do projeto Tartarugas Marinhas. João Carlos Alciati Thomé.

"Com essa comissão, poderemos levantar toda a situação da área de Comboios e inclusive da comunidade que vive aqui. A ideia é dar assistência técnica aos proprietários, regularizar sua situação, fornecer assistência social aos moradores da vila, enfim, examinar toda a realidade local para fazer um plano amplo".

Essas discussões possibilitariam até mesmo o entendimento entre os posseiros de predadores e os órgãos encarregados da preservação da ilha. A situação atual, reconheçamos, é confusa. As terras são devolutas, mas estão ocupadas. O desmate, proibido, continua em escala acelerada. E até o gado, que não deveria ter nada a ver com a história, é prejudicado. Jogado num solo totalmente impróprio à agropecuária — porque arenoso e sem fertilidade para quase todas as culturas agrícolas — o gado magro visto entre Barra do Riacho e a foz do rio Doce é em si um retrato desse panorama.

Da mesma forma que há décadas a região aguarda medidas de proteção, o gado criado sem nenhum critério em Comboios prossegue vagando em inadequados pastos em busca de uma solução que só autoridades e posseiros poderão encontrar.

 

Fonte: A Gazeta, Vitória - ES, 17/08/1986
Texto: Sylvio Costa
Arquivo: Instituto Jones dos Santos Neves
Compilação: Walter de Aguiar Filho, julho/2018

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