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Consuelo Salgueiro (Parte I)

Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo, Nº 45 - Ano 1995

O Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo a partir de sua fundação, em 12 de junho de 1916, estabeleceu em seu artigo primeiro objetivos científico-literários com a promoção de estudos, investigações ou pesquisas, concernentes à história e geografia, especialmente ao que se refere ao Estado do Espírito Santo. Com isso, uma intensa programação de eventos culturais vem sendo realizada nesses longos setenta e quatro anos de atividades onde se destacam assuntos de natureza científica ou literária, reuniões e conferências, sempre promovendo o progresso e o do engrandecimento deste Instituto e Espírito Santo.

Convidada por esta Cada de Domingos José Martins para proferir uma conferência sobre a personalidade e arte de Consuelo Salgueiro sinto-me honrada pela deferência. Como membro efetivo deste centro de cultura, vale registrar o empenho da atual Presidência, incluindo em seu programa a divulgação da gente capixaba que considero da maior importância e significação. O evento que hoje se realiza me dará oportunidade de analisar e homenagear uma grande mulher e uma das mais fortes personalidades, sua arte, sua vida, lutas, decepções e alegrias e, o mais emocionante, poder retratar Consuelo Salgueiro de dentro de uma convivência de longos anos.

Como definir a mulher Consuelo Salgueiro? No conceito de vários depoimentos assim disseram os que privaram de sua intimidade: “personalidade forte, evoluída e avançada anos luz para a sua época, corajosa, destemida, sensível, romântica, compreensiva, mas enérgica quando necessário. Extremamente inteligente, conhecia pelo olhar as pessoas. Excelente amiga e fiel à modernidade. Não se chocava nem se surpreendia com fatos ou comportamentos”. Em Consuelo Salgueiro duas qualidades mais vivas que espelhavam a sua alma: a integridade que chegava a ser comovente, hoje, de certa forma, desajustada para nossa época, e a preservação rígida de seu lado emocional que não lhe permitia expor a intimidade de seus sentimentos.

Consuelo Salgueiro enfrentou e venceu com muita coragem todas as barreiras que pudessem atropelar o seu longo caminho em busca de sua própria verdade. Acredito que tudo isso, a sua condição de ser, teve muito com o seu orgulho e o lado espanhol, descendente que era de pais espanhóis, Vicente Dominguez Salgueiro e Dona Antônia Brabo y Brabo. A história de Dona Antônia, mãe de Consuelo, tem muito a ver com a história da Espanha, no século XIX. Dona Antônia não veio para o Brasil como imigrante, mas a sua viagem teve lances trágicos e emocionantes. Casada em primeiras núpcias com um oficial do exército espanhol, residia em Gibraltar, onde servia seu marido, uma região de muitas lutas, brigas e conflitos de rua para os espanhóis que jamais aceitaram nem se conformaram com a ocupação de Gibraltar pela Inglaterra colonizadora. Numa dessas brigas, o primeiro tenente Henrique, marido de Dona Antônia, bateu-se em duelo e matou um inglês.  E o governo espanhol, para solucionar o problema, porque não interessava ao rei criar um caso diplomático entre a Espanha e Inglaterra, ajudou e facilitou a sua fuga para a América do Sul. No exílio ele se fez acompanhar da família que reunia a mulher e duas filhas, Manuela e Annita. Naquele tempo em que navegar era preciso, as viagens eram muito longas de um continente para outro, num percurso de mais ou menos quarenta dias, da Europa para a América do Sul, com destino ao Brasil. Durante a viagem, o marido de Dona Antônia adoeceu e vaio a falecer a bordo e, por ordem irrevogável do comandante do navio ela foi obrigada, com seu defunto marido, a desembarcar no primeiro porto, nesse caso em Vitória, no Espírito Santo. Dizia Dona Antônia, ao referir-se a essa acidentada viagem de emoções e sofrimentos, que recebeu em Vitória a compreensão e ajuda da Colônia espanhola, que cuidou do enterramento de seu esposo, assim como durante algum tempo, lhe deu assistência material e conforto espiritual, pois a reserva de que dispunha para sua manutenção e das filhas não daria para cobrir as despesas por muito tempo. Devido a esse contato permanente com os espanhóis ela depois veio a conhecer um outro espanhol, Vicente Dominguez Salgueiro, com quem se casaria, Vicente Salgueiro já residia há algum tempo no Espírito Santo, mais precisamente em Cachoeiro de Itapemirim, onde tinha negócios com firma de construção, ma será em Vitória, como grande boêmio, que costumava frequentar as rodas alegres da cidade. Apresentado à jovem viúva que era muito bonita, apaixonou-se à primeira vista, casaram-se em seguida e levou-a, com as filhas, para residirem em Cachoeiro de Itapemirim. E lá nasceram as duas filhas do casal – Consuelo e Helena. Posteriormente Manuela e Annita, que foram criadas por Vicente Salgueiro, casaram-se. Annita com o industrial Antônio Sobreiro, não teve filhos. Manuela teve os filhos Ormi, Lélia, Roberto e Amy Brabo Saleto, no primeiro casamento, Ciula e Cilma Brabo Alves, no segundo casamento.

Vicente Salgueiro, seu irmão Urbano e um amigo, José Landeiro, naturais de Tuy, na Galícia, norte da Espanha, vieram para o Brasil em 1877. Chegando ao Rio de janeiro, tomaram o rumo de Cachoeiro de Itapemirim e lá fixaram residência. Vicente Dominguez Salgueiro era um jovem de vinte anos de idade.

O cineasta Sanin Cherques, amigo da família, conheceu Dona Antônia na casa de Consuelo Salgueiro, no Cosme Velho. Era uma senhora extremamente austera, que sempre se vestia de preto. Também um outro amigo da família, o pintor Fernando Barreto, não só a conheceu como pintou o seu retrato, em traço crayon, talvez um de seus mais lindos trabalhos. Era surpreendente observar Dona Antônia, com toda aquela seriedade, vinda de um religiosidade que só a severidade do matriarcado espanhol explica, ao contrário da filha, sempre muito atenciosa com ela, mas inteiramente liberal chegando de Vitória, da província, que não era o Rio da década de 30. Como explica Maurício Salgueiro “a austeridade e severidade da minha avó vem do nome. Não se esqueçam que ela se chamava Antônia Brabo y Brabo Salgueiro”. A velhinha era calada, muito silenciosa, mas tirânica, completou Sanin.

Consuelo Salgueiro saiu de Cachoeiro de Itapemirim para morar em Vitória aos oito anos de idade, quando seus pais transferiram a residência para a capital. Em Vitória, deu continuidade aos seus estudos, formou-se pela Escola Normal Pedro II, foi professora do Grupo Escolar Gomes Cardin e fez curso de pintura, desenvolvendo o seu interesse pelas artes, inclusive no desenho artístico. Também em Vitória, iniciou o jornalismo, escrevendo artigos e desenhando ilustrações para a revista “Vida Capixaba”, integrando-se à intelectualidade da terra, ainda muito incompreendida e marginalizada naquele tempo. Foi nessa ocasião que se fez amiga da poetisa Haidé Nicolussi, amizade que se fortaleceu no Rio de janeiro, quando foram residir na Cidade Maravilhosa.

Em Vitória, conheceu o advogado Ivo Felisberto de Souza, com quem se casou e teve dois filhos, João Vicente e Maurício. O casamento para Consuelo foi um impressionante desencontro de ideias. Esclarece o seu filho Maurício que, à medida que a sua mãe sentia vontade de conhecer o mundo e as pessoas, de extravasar os seus ideais em busca de novos caminhos e da afirmação de sua personalidade, o seu pai, fiel ao conservadorismo e ao machismo do homem brasileiro, defendia o conceito mulher/casa/cozinha/serzir meias, enfim, a cobrança diária que destrói qualquer relação e que oferecia para a mulher casada o mundo do lar, marido, filhos, ou seja, unicamente da família. O casamento resistiu a três anos de incompreensões mas eles nunca chegaram a se desquitar ou divorciar, mantendo, devido aos filhos, um relacionamento muito amistoso. Com isso, ela voltou às suas atividades de trabalho, ao curso de desenho e pintura e começou a dar aulas de português e de artes em geral, julgando que teria alunos suficientes, porque já era conhecida como professora de elevada cultura. Entretanto, isso não aconteceu, tornando-se bem precária a sua residência em Vitória, apesar do desejo de aqui continuar com os dois filhos. Sensível e inteligente, concluiu que jamais as mães da sociedade capixaba, muito conservadoras ainda, iriam matricular as suas filhas num curso cuja professora era separada do marido. Já foi muito difícil em outros tempos para uma mulher separada ou desquitada, permanecer nas cidades do interior, até mesmo nas capitais. A sociedade marginalizava as mães e os filhos. Consciente do problema, Consuelo Salgueiro optou em residir em um centro irradiador como o Rio de Janeiro, a cidade mais avançada na época e par Alá se transferiu com os filhos. No Rio de Janeiro, trabalhou arduamente e lutou por sua sobrevivência, conseguindo remover as dificuldades iniciais, retomando as aulas de pintura e desenho e dando aulas de português e artes em vários colégios do Rio de Janeiro, como o Mallet Soares, Melo e Souza e outros.

Tempos depois, foi nomeada para ao serviço público federal, no cargo de redatora, no Instituto nacional do Livro, órgão do Ministério da Educação, onde militou até aos 70 anos. O Instituto Nacional do Livro, um órgão importante na vida literária do Brasil, reunia em seu quadro de talentos, entre outros: José Renato dos Santos Pereira, diretor do órgão e Dr. Otávio Alvarenga, Coordenador da Enciclopédia. No setor de redação, além de Consuelo Salgueiro, os professores José Galante de Souza (diretor), Antônio Gomes, Ronaldo Menegaz, Vitor Cardoso, Antônio Simões e Salvador Monteiro responsável pelo setor de Artes Gráficas. O professor Carlos Cavalcanti como crítico de artes era assessorado por Conceição Drumond, Gilda Costa Pinto, professor Antônio Geraldo Pinto e a pintora Conceição Pinheiro. O INL ao tempo de Consuelo Salgueiro, teve mais dois diretores, o General Umberto Peregrino e a escritora Maria Alice Barroso. O Rio de janeiro, de fato, abriu as suas fronteiras culturais recebendo Consuelo Salgueiro, abrindo-lhe oportunidades, E isso foi possível e conquistado com a inteligência e a cultura de Consuelo, sempre interessada em novos caminhos para atingir os objetivos e a tudo se propôs realizar. O mais importante nessa mulher corajosa e independente foi a sua energia, sua fonte de querer saber e a sua constância no aprimoramento das artes e de sua criatividade artística. As pessoas que com ela conviveram são unânimes em ressaltar a sua qualidade de ser solidária, não apenas com os amigos, mas contra qualquer injustiça. Em pouco tempo, essa mulher de mente aberta e universalista passou a conviver com a intelectualidade do Rio de Janeiro. Por sua grande capacidade de se identificar com as pessoas, essa intelectualidade passou à frequencia assídua em sua casa no Cosme Velho, incluindo-se literatos e artistas que, por sua condição orgânica, sofriam restrições das pessoas. Nos dias atuais, essa restrição, uma espécie de barreira intransponível, vai sendo derrubada e a própria velha senhora da Inglaterra que antes os penalizava, aboliu arcaicos conceitos sociais, aceitando a sua convivência. Diz Maurício Salgueiro, “eles iam lá pra casa quando se sentiam em depressão, para se lamentar nos ombros de mãe e dela recebiam apoio e respeito. A mãe era o próprio muro de lamentações”.


Fonte: Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo. Nº 45. 1995
Autora: Yvonne Amorim
Compilação: Walter de Aguiar Filho, fevereiro/2013 

 

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