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Diocese do Espírito Santo: 90 anos – Por Elmo Elton

Capa do livro: Velhos templos de Vitória & Outros temas capixabas - Autor: Elmo Elton

A criação do Bispado do Espírito Santo se deu a 15 de novembro de 1895, mediante decreto da Sagrada Congregação Consistorial, com força de Bula assinada por Sua Santidade Leão XIII, tudo em decorrência do que se lê abaixo:

A 23 de agosto de 1894, vindo do Rio de Janeiro, no paquete Brasil, aportava em Vitória, Dom Francisco do Rego Mala, bispo de Niterói, em visita pastoral ao Espírito Santo, com o propósito de fazer ressurgir no clero local e no povo o espírito cristão, visto o estado duplamente lamentável em que os mesmos se encontravam. Os padres, em sua quase total maioria, escandalizavam a população pela negligência ou até desprezo com que tratavam os assuntos pertinentes a seu ofício, enquanto o povo, em decorrência disso, deixava de freqüentar as igrejas e os sacramentos, comparecendo apenas às festas de cunho mais folclórico que religioso, como o eram as de São Benedito, celebradas tanto aqui como em outras localidades do interior do Estado. Diga-se, de passagem, que alguns sacerdotes, em Vitória, mantinham, às vezes, mais de uma concubina, com as quais pernoitavam diariamente, tendo filhos com elas, não escondendo aos fiéis tal situação. O padre Francisco Antunes de Sequeira (1832-1897), que gozava fama de homem culto, teve, por exemplo, mais de uma companheira, viveu, anos seguidos, com uma filha do poeta Virgílio Vidigal (1866-1891), com quem teve duas ou três filhas, disso não fazendo o menor segredo, conforme se constata na dedicatória, impressa, que apôs num de seus livros. Sabe-se que, quando da chegada da notícia do fim da Guerra do Paraguai, em Vitória, o povo, eufórico, o procurou, a fim de que ele se manifestasse sobre tão auspicioso acontecimento. Foi encontrado, às primeiras horas do dia, na casa da companheira, tendo, da sacada, ainda de camisolão de dormir, pronunciado um soneto alusivo à vitória dos brasileiros contra os paraguaios, soneto naturalmente adrede preparado, mas que o povo aplaudiu como coisa dita de improviso. Antunes de Sequeira gostava de se passar por poeta repentista, embora não o fosse, já que suas produções poéticas, de fragilíssima inspiração, eram sempre forçadas, de métrica e ritmo imperfeitos, portanto, de pouco ou nenhum valor como peças de arte.

Estava o Espírito Santo, em termos religiosos, sob a jurisdição da Diocese de Niterói, daí que os bispos mandavam, vez por outra, seus emissários até aqui, estes pouco ou nada podendo realizar em benefício de um rebanho cujo pastor residia longe, o abandono espiritual se acentuando, pois, de ano para ano.

Três meses após a visita de Dom Francisco do Rego Maia, assumiu a paróquia de Vitória, a 27 de janeiro de 1895, como arcipreste, o padre Eurípides Calmon Nogueira da Gama Pedrinha, até então encarregado dos ofícios religiosos da igreja de São João de Carapina, no município da Serra.

Pedrinha encontrou a matriz de Nossa Senhora da Vitória desprovida de tudo, suja, o telhado na iminência de desabar, sendo que documento da época divulgava que, na cidade, não havia disciplina eclesiástica, os atos paroquiais, principalmente os casamentos, eram celebrados à noite e sempre na maior algazarra, sendo que as missas, sistematicamente, começavam depois do meio dia, já que não havia hora determinada para o início delas. As igrejas não tinham pregadores, uma vez que os mesmos jamais ouvidos com respeito. "Um costume singular notava-se com os batizados. Após dois ou três dias de nascidas, eram as crianças levadas, à noite, à casa do pároco, porque deviam receber os santos óleos, na igreja, quando estivessem durinhas". Monsenhor Eurípides Pedrinha (os arciprestes recebem o título de monsenhor) passou a agir com prudência, mas com obstinação, e, assim, através do púlpito e da imprensa, conclama os paroquianos a voltarem à prática da religião, aos bons costumes, viajando pelo interior, sempre que possível, a fim de conseguir donativos para as obras de recuperação da matriz.

Já o povo, a esta altura, como que despertado da letargia religiosa em que se encontrava, conscientiza-se da necessidade da criação de uma diocese no Estado, tanto sobre essa urgente necessidade se referia o novo pároco. O Arciprestado do Espírito Santo fora criado por Provisão de 15 de dezembro de 1819, sendo o primeiro arcipreste o padre Torquato Martins de Araújo.

O Cachoeirano, editado em Cachoeiro de Itapemirim, em sua edição de 24 de junho de 1894, noticiava:

"Consta-nos que o revdm. monsenhor João Pires de Amorim, em sua viagem a Vitória, pretende entender-se com Dr. Moniz Freire sobre o estabelecimento de um bispado neste Estado".

Um esclarecimento: José de Mello Carvalho Moniz Freire era então presidente do Estado, sendo que monsenhor João Pires de Amorim, que residia no Rio de Janeiro, tinha irmãos e muitos parentes radicados em Cachoeiro de Itapemirim, cidade onde morou por alguns anos, antes de seguir para o seminário.

Dois anos depois, o Comércio do Espírito Santo publicava a seguinte nota assinada pelo arcipreste de Vitória:

"O meu ilustre e prestimoso amigo, o exmo monsenhor João Pires de Amorim, que com o mais entranhado afeto tem sempre se esforçado pelo progresso religioso e moral da terra espírito-santense, fez-me a comunicação que abaixo transcrevo de verbo ad verbum acerca do novo Bispado do Espírito Santo:

"Rio, 30 de janeiro de 1896.

Prezado monsenhor Eurípides Pedrinha:

Desejo-lhe gozo de boa saúde. Graças a Deus, está criado o Bispado do Espírito Santo.

O Sr. Arcebispo D. João Esberard recebeu já a Bula, em a qual marca o prazo de seis meses para tornar-se efetiva a instalação dessa nova diocese, cujos limites são os mesmos do Estado.

Fica, portanto, incluída a Freguezia de São Miguel do Veado, que atualmente pertence ao Bispado de Mariana.

Queira pois V. Revdm., como filho do Estado e como digno arcipreste e pároco desta capital, receber as jubilosas congratulações que agora dirijo a todos os espírito-santenses, por este faustoso acontecimento que, não só as honras, mas muitas prosperidades, mesmo materiais, vai levar a esse futuroso Estado.

Não sei, nem procuro saber, quem será o novo bispo, mas desde já declaro a V. Revdm. (autorizando-o a fazer uso desta minha declaração) que nunca aceitarei bispado algum, e muito menos esse do Espírito Santo. Faço esta declaração, porque não quero que, à vista do interesse que tenho demonstrado na criação desse Bispado, pareça a alguém que trabalho pro domo mea, e não faltam pessoas que assim pensam.

Devem organizar aí uma comissão central e esta nomear comissões parciais para todas as freguesias e comarcas.

Há poucos dias conversando com o Sr. Arcebispo, este autorizou-me a escrever-lhe em nome dele sobre este negócio, mostrou-me a Bula, na qual o Santo Padre manda que os fiéis concorram para a côngrua, sustentação do novo Bispo.

Estou certo que V. Revma, tudo fará para honra e glória de seu Estado natal, prestando assim relevante serviço à igreja de Deus.

Disponha de seu colega e amigo Monsenhor Amorim".

Recebida esta carta, o arcipreste prossegue no propósito de conseguir meios para a instalação condigna do bispado, tanto que, a 19 de maio de 1896, em entrevista concedida ao Comércio do Espírito Santo, declarava, após chegado de uma de suas viagens ao Rio de Janeiro:

"Não fui ao Rio tratar somente de minha saúde, mas também dos interesses deste bispado, que tantos benefícios virá prestar ao Estado, máxime à instrução pública. Conferenciei longamente com o Sr. encarregado dos negócios da Santa Sé, com o Sr. Arcebispo do Rio de Janeiro, com o Sr. Bispo de Niterói e com o monsenhor Amorim, acerca da organização e instituição do novo bispado.

Dentro de um mês espera-se será nomeado o primeiro prelado da igreja espírito-santense; não tomará porém posse enquanto não houver uma residência episcopal própria e os recursos necessários para as primeiras despesas do bispado".

Em meados do mês seguinte, a imprensa estampava este telegrama dirigido ao pároco Pedrinha:

"Bispo do Espírito Santo cônego Néri, vigário de Campinas. Abraços monsenhor Amorim".

A chegada do primeiro bispo do Espírito Santo, Dom João Batista Corrêa Néri, se deu a 18 de maio de 1897, a posse ocorrendo a 23 do mesmo mês.

No dia da chegada foi-lhe oferecido, em Vitória, concorrido banquete, com a presença de altas autoridades e de todo o clero do Estado, declarando o prelado, na ocasião, que "a Santa Sé concedera ao padre Eurípides Pedrinha o título de Camareiro Secreto de Sua Santidade, em recompensa de sua fecunda e brilhante administração", datado de 23 de março de 1897 o documento oficial da Santa Sé.

A posse de Dom Néri ocorreu, conforme dito acima, a 23 de maio, sendo que, no dia seguinte, realizou-se, na velha matriz, já então chamada Catedral, missa pontifical, cabendo ao padre Thomaz Aristóteles Guizan (1864-1905) a honra de pronunciar o sermão congratulatório.

Dom Néri, homem de fé, inteligente, notabilíssimo tribuno, entrou em ação, de imediato, realizando excelente trabalho apostólico, de resultados positivos para a igreja e para o povo, embora se tenha demorado pouco tempo frente aos destinos da Diocese, já que, a 19 de janeiro de 1901, recebe a comunicação de ter sido transferido para Pouso Alegre (MG), sendo que, na carta pastoral de despedida, informa:

"Com o auxílio da graça divina, podemos dizer que não há, neste momento, uma só vila, um só arraial, em que não tivéssemos feito ouvir a palavra evangélica".

Ligeiros dados biográficos dos dois sacerdotes que mais se empenharam no sentido de ser criada a Diocese do Espírito Santo: Monsenhor João Pires de Amorim, nascido a 25 de abril de 1842, em Passa Três (RJ), com apenas nove anos de idade, veio com sua família para o Espírito Santo, sendo os Pires de Amorim pioneiros do povoamento de Cachoeiro de Itapemirim.

Exerceu funções de relevo na Arquidiocese do Rio de Janeiro, foi protonotário apostólico, decano e presidente do Cabido Metropolitano da mesma arquidiocese, tendo, ali, trabalhado ao lado de Dom Joaquim Arcoverde e de outros eminentes prelados.

Professor do Seminário de São José, no Rio Comprido, e no Colégio Pedro II, onde ocupou o cargo de vice-reitor.

Anos antes, isto é, em 1893, ao ser escolhido por Leão XIII para bispo de Curitiba, escreveu ao Núncio Apostólico dizendo-se impossibilitado de aceitar tal encargo.

Faleceu no Rio de Janeiro, a 13 de junho de 1914.

Monsenhor Eurípides Calmon Nogueira da Gama Pedrinha nasceu em vila do Riacho (ES), a 17 de julho de 1864, recebendo ordens de presbítero secular em 1890. Foi escritor, orador, político e parlamentar, conforme informa Afonso Cláudio, em sua História da Literatura Espírito-santense (1912).

Gozou fama de bom pregador, embora Agrippino Grieco, em livro de memórias (1972), faça-lhe muitas restrições como tal, ironizando-o.

Deputado estadual de 1897 a 1916, faleceu a 11 de fevereiro de 1919 (ou 1921?), no Rio de Janeiro. Deixou descendentes.

Patrono da cadeira nº 18 da Academia Espírito-santense de Letras.

 

Fonte: Velhos Templos de Vitória & Outros temas capixabas, Conselho Estadual de Cultura – Vitória, 1987
Autor: Elmo Elton
Compilação: Walter de Aguiar Filho, agosto/2017

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