Domingos Martins e a Revolução de 1817 - Por Gabriel Bittencourt
Os textos em homenagem a Domingos Martins privilegiam em cores vibrantes os quadros biográficos e fatuais do herói capixaba, desprezando, porém, os tons pastéis infraestruturais que compõem a conjuntura de 1817.
A complexidade do processo histórico pertinente aos movimentos precursores da Independência, no entanto, só pode ser devidamente retratada no quadro em que todos estes tons se combinem. É este, portanto, o objetivo destas linhas: evidenciar também os tons intermediários que tornam vibrantes aquelas cores.
No espaço de tempo que corresponde às balizas entre as últimas décadas do século XVIII e as primeiras do século XIX, a economia brasileira atravessava uma fase diferente, já que apresentava uma pauta de exportações diversificada. É que diversas regiões, produzindo cada uma um ou dois produtos de exportação, ganharam importância ao mesmo tempo. A análise das causas da prosperidade inicial e da recessão posterior mostra claramente o funcionamento dos mecanismos que mantêm sujeita uma economia colonial e as fraquezas básicas que sempre apresenta.
O Brasil, como colônia de Portugal, estava subordinado às condições impostas pela política econômica mercantilista, expressa no "pacto colonial". E é, no processo da luta para a ruptura do "pacto", que se insere o Movimento de 1817, e, com ele, o capixaba Domingos José Martins cuja atividade à época, exercida em Pernambuco, Inocular-se-á do ambiente efervescente local.
A "ventura flamenga", denominação que lhe deu Capistrano de Abreu ao se referir ao episódio dos holandeses, despertou na capitania de Pernambuco, desde o século XVII, manifestações de sentimento nativista e autonomista que a elite atuante, "a nobreza rural" — soube expressar principalmente na Guerra dos Mascates, em 1710. A guerra contra o invasor holandês, iniciada em 1624, e levada ao fim durante 30 anos, convergiu as forças divergentes e centrifugas no organismo social para um movimento centrípeto, apesar das diferenças flagrantes e irredutíveis dos estamentos coloniais.
Esse potencial revolucionário, apesar do freio que sofreu, paradoxalmente, em uma época tão fértil em agitações, sobretudo para o centro-sul, aflora novamente nos fins do século XVIII, agora, alicerçados por um conteúdo ideológico que a Filosofia da Ilustração espraiara e tivera sua cristalização na Revolução Francesa, com a primazia da Independência dos Estados Unidos. Esta é também uma fase de grandes modificações na superestrutura política do Brasil, que inicia o período como colônia e chega a seu fim como monarquia independente e constitucional.
É nesse contexto que passou a governar a capitania de Pernambuco, desde 1804, Caetano Pinto de Miranda Montenegro. Dele se dirá posteriormente: "Caetano no nome, Pinto na falta de coragem, Monte na altura e Negro nas ações."
A administração de Caetano Pinto se não primou pela eficiência, não foi, entretanto, despótica e arbitrária, como passou à História. O fato, porém, é que ele representava o sistema colonial português — todo o mecanismo de um processo sistemático de sucção e exploração. Além do mais, a vinda da Família Real trouxe gravames de ordem econômica que se refletiam na vida pernambucana.
A base da economia local, o algodão e o açúcar, sofreu abalos sensíveis com a transmigração. O primeiro, que chegou a sobrepujar o segundo, devido à guerra anglo-americana, nas proximidades da revolução, baixou a índices críticos. Igual comportamento de decréscimo ofereceram o açúcar e o álcool, sofrendo os efeitos da concorrência estrangeira.
Assim sendo, os direitos da alfândega pesavam fortemente sobre a saída dos produtos imediatos da agricultura, acentuando o abismo entre os interesses de Portugal e Brasil: um não poderia viver sem o monopólio; o progresso do outro exigia sua supressão.
Havia, portanto, campo favorável à atuação dos líderes, herdeiros dos movimentos intelectuais revolucionários locais, educados nos princípios liberais emanados da Revolução Francesa e condensados no espírito dos pensadores do século XVIII.
A rudeza e avidez do sistema colonial respaldavam favoravelmente, a expansão das ideias revolucionárias que não se adstringia aos intelectuais, aos "clérigos", mas já repercutia, também, nos meios militares, impressionando oficiais como capitão Domingos Teotônio Jorge.
É verdade que a massa não possuía educação política — se é que possuía outra modalidade de educação — em face do descaso português. Era, por consequência, o movimento revolucionário de 1817 de uma elite pensante. Uma elite onde atuavam o pe. João Ribeiro, Antônio Carlos Ribeiro de Andrade, ouvidor-mor de Olinda; o erudito pe. Miguel Joaquim D'Almeida Castro e Domingos José Martins, espírito-santense educado na Europa e ex-comerciante em Londres, onde conheceu Francisco Miranda, de cujo clube revolucionário sofreu a influência doutrinária.
A chegada de Domingos Martins a Pernambuco foi de grande significação para o movimento em articulação. Enérgica, homem de ação, estava mais capacitado para dirigir os acontecimentos do que os seus companheiros, homens de gabinete.
Quase às escâncaras propagavam-se as ideias libertárias, tanto que, em reuniões constantes em sua casa ou em atuações nas academias e sociedades secretas existentes, onde, na realização de banquetes, as iguarias e bebidas do Reino eram proscritas, usando-se somente os produtos da terra sob os brindes patrióticos de "Morra Portugal".
Consumado o golpe, constitui-se o Governo Provisório à maneira do Diretório da França, com Domingos José Martins representando o Comércio, e criou-se uma Lei Orgânica estabelecida nos moldes da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, "a primeira Constituição feita no Brasil por brasileiros", no julgamento de José Honório Rodrigues.
Mas, ao otimismo inicial dos revolucionários, sucedeu a realidade da repressão. A Corte do Rio, alarmada com a notícia do levante, levada em seus detalhes por Caetano Pinto, desencadeia a contra-revolução, assim como, simultaneamente, na Bahia, onde governava o Conde dos Arcos.
Sobrevindo o inevitável desmantelamento do Movimento, Domingos José Martins foi julgado e condenado à morte, tendo sido fuzilado em Salvador, Bahia, para onde foram também enviados o pe. Miguelino e José Luiz de Mendonça, que tiveram igual fim, no Campo da Pólvora, hoje Campo dos Mártires.
Quis o destino, no entanto, que a mesma monarquia, que reprimiu a Revolta de 1817, assistisse ao intensificar do processo da Independência, que culminou com a adesão decisiva de D. Pedro, para quem o Império do Brasil significaria uma perspectiva de solução monárquica.
O Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo, de quem é patrono Domingos José Martins, fez publicar, em 1981, um pequeno texto e cunhou uma medalha em homenagem ao bicentenário deste precursor da Independência do Brasil, nascido aos 9 de maio de 1781 (data presumida), no sítio do Caxanga, próximo à atual cidade de Itapemirim (ES), e falecido aos 12 de junho de 1817.
Além do trabalho de Norbertino Bahiense (1974), podemos encontrar inúmeros subsídios sobre o herói capixaba na Revista do IHGES, que vinha sendo publicada anualmente, desde 1917, por acordo tácito, sob os auspícios do Governo Estadual (34 edições). Atualmente, porém, o nº 35 vem encontrando barreiras à sua realização, que esperamos sejam transpostas em prol da cultura histórica espírito-santense, já tão vilipendiada.
A Gazeta — Vitória 30 de agosto de 1984.
Fonte: Notícias do Espírito Santo, Livraria Editora Catedra, Rio de Janeiro - 1989
Autor: Gabriel Bittencourt
Compilação: Walter de Aguiar Filho, fevereiro/2021
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