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Entrevista com Molga Olga Setubal (2006)

Molga - Artista Plástica

Nesse 8 de março, Dia Internacional da Mulher, o site Morro do Moreno homenageia uma das maiores personalidades femininas de Vila Velha, a artista plástica Molga, como é conhecida Maria Olga Setúbal Bussolotti.

Nascida em Vila Velha aos 01/03/1933, Molga formou-se em Artes Plásticas e Artes Aplicadas pela UFES. Participou de várias exposições no Estado, em todo Brasil e no exterior. Suas telas puderam ser apreciadas em Tokyo, Japão; em Bonn, Sinzing e Dusseldorf, Alemanha; em Waterloo e Bruxelas, Bélgica; em Lisboa e Porto, Portugal; em Milão, Itália; e Paris, França.

Sua pintura, cujo tema central são marinhas, é executada em acrílica sobre tela, acrílica sobre celulose, bico de pena, pintura sobre cal e pinturas sobre seda para luminárias.

Atualmente Molga é Diretora do Museu e Ateliê Homero Massena, localizado na Prainha, em Vila Velha. Você poderá ver mais trabalhos de Molga no site , entrar em contato pelo e-mail molgabussolotti@yahoo.com.br ou pelos telefones (27) 3388-4311 e 9991-9453.

Site: Sempre trabalhou com artes?
Molga: Trabalhei no Colégio São José durante 30 anos, lecionava a disciplina de literatura durante 8 anos. Lecionava só para o ginásio (naquele tempo, segundo grau), eu já havia terminado a faculdade e a Irmã queria que eu ficasse no primário e ginásio, mas eu tive um estresse emocional e não quis.

Eu não tinha tempo nem para almoçar. Chegava da faculdade, tomava um copo de leite e ia trabalhar no primário. Eu via que aquilo não era coisa saudável. Então eu fiquei só com a turma do ginásio, da 7ª série até segundo científico.

Depois entrou a área profissionalizante. Eu dava aula de material de construção, com normas técnicas e croquis arquitetônicos. Eu já lecionava Educação Artística e Desenho Geométrico. Segurei essa barra muito tempo. Continuei trabalhando até quase 30 anos de colégio. Saí em 1985 e em julho desse mesmo ano fui chamada pelo Secretário de Educação de Vitória para trabalhar na Cultura, como Técnica Cultural. Eu fui e em 6 meses eu passei a Chefe de Divisão.

Aí é que o trabalho dobrou, eu não tinha tempo para mais nada. Já levava na minha bolsa toalha, tudo, ficava por lá, não sabia a que hora voltaria. Trouxe artista do exterior para expor na Galeria Homero Massena, localizada na Cidade Alta, em Vitória. Foi um período em que a Galeria cresceu em qualidade, ajudei a aumentar o acervo de obras. Foi o auge da Galeria. Tínhamos até dois mil visitantes.

Site: Hoje a Galeria tem quantos visitantes?
Molga: Não saberia dizer direito, mas hoje tem muitas exposições em que o público não pode adquirir uma obra. São obras mais para o artista, instalações, coisas assim. Não tem mais aquele público que ia visitar para comprar um quadro. Na Galeria eu fazia muita programação, tinha um artista durante a tarde, que trabalhava em frente ao público. A TV Educativa fazia matérias sobre a Galeria.

Site: Infelizmente a maior parte da população do ES ainda não visita assiduamente galerias de artes...
Molga: Mas no auge da Galeria houve isso. Em 1986 foi o auge, dito até por Maria Helena Lindemberg, numa reunião. Eu saí em 1991, quando me aposentei. A galeria ficou fechada para reforma e eu consegui todo o dinheiro para restaurar a galeria, mas estava na época de inaugurar o Centro Cultural Carmélia, em Vitória e Max Mauro (Governador do ES na época), para inaugurar o teatro, usou o dinheiro da reforma e eu nadei e morri na praia.... Eles usaram para comprar os móveis do teatro. Mas me chamaram e contaram tudo. Eu me recolhi então. O que eu podia fazer? Lá fomos nós para o Carmélia, ocupamos um espaço lá, aguardando a reforma da Galeria. Em 1991 eu resolvi me aposentar. Depois é que eles fizeram a reforma na Galeria.

Site: Vem muita gente visitar o Museu Homero Massena?
Molga: Vem muita gente. As escolas vêm, vêm 40, 50 alunos de cada vez. Vem muito turista também, do Brasil e do exterior.

Site: O Museu possui guias?
Molga: Sim. Todos que trabalham aqui são orientadores culturais. Tem dois em cada horário. Agora estamos precisando de restauração, mas eu quero fazer de cômodo em cômodo para não estragar, porque a casa está toda reformada, toda nova. O telhado estava cheio de cupim. Quero pintar por dentro, um por um e depois pintar por fora.

Site: O Museu Homero Massena segue a estética original, da época que o artista morou aqui?
Molga: Segue. Ela sempre foi clarinha, às vezes com uma janelinha mais azul, hoje é mais acinzentado porque tem muito pó de minério, está acabando com tudo. Mas está segundo o original, tanto é que nós não temos ventilador, não temos nada. Nós mudamos o forro, mas colocamos uma madeira boa para o cupim não comer. Quando fomos pegar o antigo, saiu igual a uma renda, de tanto cupim. Agora esse problema acabou. Estou com o projeto de restauração das obras de arte do Museu que está sendo revisado esse ano, pois ano passado a Vale do Rio Doce não pôde fazer, mas ela reviu o projeto e está contemplado para esse ano. Vem um grupo de restauração do Rio de Janeiro, vai fazer um trabalho aqui no local.

Site: A Srª ainda tem tempo de pintar?
Molga: Eu não pinto no Museu não, não faço nem retoques dos meus quadros. Passo o fim de semana na minha casa, pintando.

Site: Quanto tempo a Srª leva para fazer um quadro?
Molga: Eu faço tudo em acrílico, que é uma tinta transparente. Eu começo trabalhando a transparência. Até chegar a um tom mais forte, dou muitas demãos de tinta. Primeiro eu mancho tudo, depois vou enxergando a forma e vou trabalhando. Eu enxergo coisas que as pessoas não vêem. Depois ainda tem o rebuscamento dos medalhões, que é a fase que estou. Então, depende do quadro. Alguns demoram bastante. Quando eu trabalho sábado e domingo, eu nem converso com ninguém, estou em alfa, trabalhando... Eu faço o ateliê no cômodo que dá a luz melhor. Trabalho com cavalete ou sem. Não preciso mais do cavalete, eu apóio na minha perna, no meu joelho e a outra mão vai trabalhando.

Site: Então atualmente a senhora trabalha em casa e no Museu Homero Massena.
Molga: Eu fui muito amiga da Edy Massena (esposa de Homero Massena). Então, o sonho dela era deixar aos capixabas esse legado. Eu venho para cá pois são muitos projetos, muitos telefonemas... Preciso estar aqui para o bom andamento da casa, que agora está equilibrada. Eu consegui um bebedouro elétrico, com o Sr. Pontual, da Telelistas. Era uma das coisas que eu mais precisava. As crianças são iguaizinhas a passarinhos: “Tia eu quero água! Quero água!” Agora tem. E consegui também que colocassem na capa da Telelistas desse ano, uma obra de Homero Massena, uma homenagem.

Site: O que o Museu está precisando hoje?
Molga: Precisamos de restauração, de uma pessoa que seja esclarecida com relação a livros. Eu quero condicionar esses livros, que Massena deixou todos, eu gostaria de fazer redomas para colocar esculturas, ele deixou discos, mas como vou mostrar os discos antigos?

Site: Como a senhora se imagina daqui a alguns anos?
Molga: O Brasil é um país de burocracias. Então tudo que é documento, coisas que eu preciso para me aposentar de vez, demoram a sair. Então, enquanto tudo não se resolvia, eu tinha que continuar trabalhando, mas eu não fugi demais, fiquei no meio de arte, fiquei na Galeria Homero Massena, agora estou no Museu e Ateliê Homero Massena.

Mas eu não penso em ficar toda vida porque vai chegar uma época, em que podem até precisar de você, mas você não tem mais vontade. Meu sonho mesmo, de verdade, é ter um marchand para que eu possa só produzir. Eu não quero mais ficar com a coisa árida de fazer mídia, ver espaço, correr atrás de outras coisas, ver preço. Isso machuca o artista.

Minha vontade é ter um local para trabalhar, mesmo que seja no meu apartamento, mas que seja tranqüilo. Eu quero uma vida mais regulada, quero poder trabalhar, as pessoas poderem me visitar no trabalho, saber que me encontram sempre, que é ali. E ter uma pessoa que vá divulgando meu trabalho, e o marchand faz isso. Aí poderei criar mais, avançar mais no meu trabalho.

Site: Como a arte pode transformar o ser humano?
Molga: O mundo do artista é diferente. Eu viajo muito com pessoas da “melhor idade” para arejar a cabeça e encontro pessoas de todo tipo. Ando muito no calçadão da Praia da Costa, converso com uma pessoa, converso com outra. Eu lido com pessoas de todo tipo. E me vejo muito diferente.

O artista tem uma sensibilidade aflorada, ele enfrenta essas coisas de repartição pública, mas isso para ele não é sadio. É sadio na hora que mexe com arte, fazendo coisas boas, vendo trabalhos de Homero Massena, tendo cuidado com tudo que foi dele. Edy era muito carinhosa, muito minha amiga, cuido em memória mais a ela até do que a ele, pois ele tem a memória bem cuidada e ela foi uma artista anônima, que ficou ao lado dele inspirando. O mundo do artista é de sentimento, emoção, você vê uma folha como ninguém vê, paisagens diferentes.

Site: Como você vê a posição da mulher na sociedade hoje em dia?
Molga: Atualmente é muito diferente do tempo de minha mãe, quando só podíamos ser professoras, quem trabalhava em escritório já era olhada diferente...

Eu acho as mulheres hoje em dia muito guerreiras, é difícil uma que não seja. A que não é procura imitar a outra. As mulheres se agarram com unhas e dentes às suas causas. Mesmo que não sejam valorizadas, pois às vezes ganham metade do que um homem, mas ela se esclarece, segura uma barra e depois, não só trabalham fora, mas em casa também dão conta de tudo! Então são muito responsáveis, guerreiras "pra chuchu".

A mulher desse século é tão guerreira que está vivendo mais do que antigamente. Só que também está se estressando mais, o câncer de mama tem atingido até mulheres jovens, não sei se por estresse ou por hormônios, a ciência ainda vai descobrir.

Site: Cite o nome de uma grande mulher.
Molga: Minha mãe, que já se foi. Para mim, foi a primeira mulher guerreira. Ela deixou de ser diretora do Colégio Vasco Coutinho com disposição para abrir outras escolas, desbravar os bairros Divino Espírito Santo, Itapoã, Itaparica. Ela desbravou aquilo tudo com escolas isoladas.

Site: Como era o nome dela?
Molga: Francelina Carneiro de Setúbal. Deu vida àquela gente que não tinha comida, comia uma marmitinha com peixinho e farinha, vivia com os pés cheios de bicho. E a gente dava as coisas para eles, dava cidadania. Na hora do recreio eu ajudei muito. Então a primeira mulher para mim é ela.

E a segunda é a dona Anna Bernardes, ela foi Secretária de Educação, e continua trabalhando. Já se aposentou, mas ela vai para a Bahia, Paraná, vai para Brasília, inclusive tem uma cadeira em Brasília na área de educação, ela está sempre colocando o Espírito Santo à frente.

Quando teve a inauguração do Vasco Coutinho, ela foi chamada a falar, deu uma aula de história para todas as autoridades que estavam ali. É uma pessoa simples, mas uma sumidade com relação à nossa cultura. Ela teve um acidente numa vista, mas estudou com uma vista só. Então para mim, ela é uma guerreira. E ela não pára.

Site: Você já precisou brigar para impor seus pontos de vista?
Molga: O negócio é que eu sempre fui líder (risos)... Lá em casa o meu marido deixava que tudo eu resolvesse. Por isso é que ele se foi e eu fiquei em cima, não caí hora nenhuma. Apesar de ainda estar doendo muito, eu continuo segurando.

Site: A senhora teve quantos filhos?
Molga: Dois homens e sete netos.

Site: O que o homem deve fazer para participar da evolução feminina?
Molga: Eu aconselho a ele nunca entrar em choque com a mulher porque aí dá para integrar, somar, igualar. Hoje em dia a mulher não fica mais de cabeça baixa, ela pede a palavra, fala, defende seu ponto de vista e quase sempre com muita razão. Se não é com toda é com alguma.

Eu acho que é melhor se juntar a ela e aproveitar o que de bom ela oferece. A mulher vê muito mais à frente do que o homem. Me parece que o homem é mais de impulso. A mulher raciocina muito e vê muito à frente. E ainda tem a intuição feminina.

 

Nota do Site: A Cultura Capixaba dá o seu adeus a artista plástica Molga, como é conhecida Maria Olga Setúbal Bussolotti (15.08.2012)

Entrevistada por Mônica Boiteux, março, 2006

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