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Entrevista - Diovani Favoreto (Caçadora das Relíquias Capixabas)

Diovani Favoreto - A caçadora das relíquias capixabas

O Espírito Santo é possuidor de um rico acervo de patrimônios material e imaterial, mas nem tudo é do conhecimento público porque falta acesso e divulgação, afirma Diovani Favoreto, socióloga de formação e historiadora de profissão. Há 10 anos ela se dedica a atividades de preservação do patrimônio histórico e cultural do ES.

Uma mostra de seu trabalho veio a público recentemente com o lançamento do “Catálogo de Livros Eclesiásticos da Arquidiocese de Vitória – 1821-2002”; empreitada em que foram resgatados, limpos e microfilmados cercam 900 livros da igreja Católica no Estado. Nessa entrevista, a capixaba de Muniz Freire, Diovani, conta um pouco desse trabalho desenvolvido através da sua empresa Empório Capixaba.

Detalha também sobre a importância de se preservar a memória capixaba e mostra caminhos para quem deseja desenvolver projetos culturais com recursos públicos através de editais de incentivo.

SIM: Como você despertou o gosto por patrimônio cultural e histórico?

Diovani – Os dois grandes produtores de História são o governo e a Igreja. O Arquivo Público Estadual é um prédio de papel, possui documentos acredito que desde 1790, além de 40 mil negativos, mais ou menos 30 mil fotografias e mais os registros de todos os imigrantes proprietários de terras. Depois vem o acervo da Arquidiocese. Eu trabalhei cinco anos no Arquivo Público. Foram dois anos de estágio no Projeto Imigrantes, que transcreveu todas as entradas e cruzou dados com informações que os imigrantes deixaram quando foram para as terras, e três anos como chefe de departamento. Aí aprendi e disse: posso fazer sozinha. Primeiro fui trabalhar como liberal e há três anos abri uma empresa que é a Empório Capixaba, voltada exclusivamente para patrimônio, para a memória capixaba.

SIM: Como é esse trabalho?

Trabalho pela preservação da memória, ela é uma extensão da minha pessoa. O meu papel é pegar quem precisa, quem sabe fazer e quem tem os recursos. A Empório faz exatamente isso. Se tem lá um arquivo se perdendo ou um prédio histórico chovendo dentro e não sabem os caminhos, o dia que esse detentor chegar pra mim e dizer que quer que as pessoas conheçam o acervo, aí entra o meu serviço: pegar essa pessoa que precisa dar o acesso, buscar quem sabe fazer, como um arquivista, bibliotecário ou restaurador, e ir aos meios de financiamento que sejam a Prefeitura ou o Estado ou a uma empresa particular. Então, esse tripé é o que move a minha empresa. O mercado precisa, mas não sabe onde buscar, quer dizer, não sabe como fazer uma planilha, como fazer uma boa justificativa para convencer o avaliador que tem o recurso para ser investido. Hoje o meu trabalho é muito mais de gestora que de historiadora.

SIM: Quais os principais patrimônios que o Espírito Santo possui?

A grosso modo, temos três tipos: o patrimônio edificado, que são os prédios, os casarões, as pontes; “pedra e cal”, que a gente chama. O patrimônio edificado do Espírito Santo tem vários prédios tombados em nível nacional pelo Iphan, como o Convento da Penha, igrejas de São Gonçalo, dos Reis Magos, Anchieta. Temos também patrimônio tombado em nível estadual pelo Conselho Estadual de Cultura, que são os sítios históricos, de São Mateus, Itapina, Muqui, São Pedro de Itabapoana e Santa Leopoldina. E, dentro de Vitória, temos alguns prédios isolados como o Convento de São Francisco, Catedral e Palácio Anchieta. Existe também o patrimônio natural como a Pedra do Elefante e o Frade e a Freira, na parte paisagística. Tem ainda o patrimônio da parte de acervos: bibliografias, bibliotecas, arquivos e museus. Por exemplo, temos desde o acervo do Augusto Ruschi, que compõe o Museu Melo Leitão, aos 40 mil negativos produzidos a partir das décadas de 1930/40 que compõem o acervo do Arquivo Público; tem os livros eclesiásticos da igreja Católica, ou ainda o acervo de algum grande fotógrafo, como o Francisco Seibel. Nesse caso, aquele seu acervo estava dentro de um paiol e o restaurador o resgatou, fez um trabalho, e o produto final é o que a gente viu lá na exposição no Palácio Anchieta, mas o produto principal foi preservar o que estava se perdendo.

SIM: Tem ainda o patrimônio imaterial...

Em patrimônio imaterial temos as paneleiras, que são detentoras de um conhecimento que só elas têm. Existem várias pessoas que fazem panelas de barro, mas do jeito que elas fazem só dentro de Goiabeiras e alguma coisa em Viana, mas é só aquele grupo de pessoas que faz. Então, a preocupação com esses e outros grupos como o Boi Pintadinho, em Muqui, ou o Ticumbi em Conceição da Barra, é estudar, pegar a essência e divulgar.

SIM: O que te preocupa e o que você gostaria de ver preservado em nosso patrimônio?

O que me preocupa muito mais é a idéia de que o Espírito Santo não tem patrimônio, de que aqui não acontece nada, que aqui não temos nada para mostrar. Temos sim. Temos muita coisa guardada e uma grande preocupação é o acesso. O Convento da Penha tem uma visibilidade e está sendo cogitado para Patrimônio da Humanidade, e ele é visitado. Mas, a igreja de Araçatiba, no interior de Viana, por exemplo, você só consegue ter acesso a ela por estrada de chão e ela é tão importante quanto. É de uma outra época, é de um outro grupo religioso. Enquanto o Convento da Penha é franciscano, a igreja de Araçatiba é jesuítica. Ou então, o Casario de São Mateus, é português, mas nenhum deles é mais ou menos importante. Ele só tem mais ou menos acesso. Essa idéia de que capixaba não tem cultura, pra mim, é muito mais preocupante do que um telhado a ser reformado. Então, mudar a idéia do capixaba de que ele é o primo pobre do sudeste é muito mais importante porque, com isso, o governo vai se preocupar mais, a iniciativa privada vai se preocupar mais, o governo federal vai ter muito mais linhas de financiamento e de apoio para os nossos patrimônios.

SIM: Falta o que?

Se eu moro em Jardim da Penha e recebo uma visita, vou levar essa visita ao Shopping. Mas, hoje, o Centro Histórico de Vitória, ele tem monitores e está com tudo aberto esperando o visitante ir lá. O patrimônio está aberto. O que falta é uma conscientização para que seja acessado. Por exemplo, o Convento de São Francisco: ele é a sede da Arquidiocese de Vitória e de 8 às 17:30 ele está aberto para que qualquer pessoa vá lá por algum motivo, seja para pedir uma certidão ou para um atendimento social qualquer, mas também tem um monitor só para o turista de 9 às 17 horas. O turista, seja ele capixaba ou sueco, tem o mesmo acesso, mas isso não é divulgado. Repito, essa divulgação é que falta. Nesse sentido, o Projeto Visitar do Instituto Goia abre uma parcela significativa dos prédios históricos do Centro, mas falta divulgação.

SIM: Como foi esse trabalho de produção do Catálogo de Livros Eclesiásticos?

Ele foi produzido entre 2012 e início de 2013 a partir de 900 livros que estão sob a guarda do Centro de Documentação da Arquidiocese, no Convento de São Francisco, na cidade alta, em Vitória. Quando Dom Luiz Mancilia Vilela assumiu, criou esse centro. Até então não se tinha acesso a isso. Todos os livros históricos foram transferidos para lá, contando a história de Anchieta, de Santa Leopoldina, da Catedral de Vitória, ou de Serra. Os padres, as administrações das igrejas, foram produzindo esse material e ele foi guardado lá. São vários livros tombo, como o Livro Caixa da construção da Catedral, e mais de 600 livros de Casamento, Batismo e Óbito. É a história de cada indivíduo que nasceu no Espírito Santo. Isso estava guardado e eu me propus a trabalhar com eles; organizar, higienizar e identificar dentro das regras de arquivo, o que até então isso é inédito no Brasil... Se perguntar pra que isso serve? É para que o capixaba saiba onde pode se encontrar é o batismo de várias personalidades e até do meu trisavô, o primeiro imigrante que veio para Alfredo Chaves. Ali tenho referência da História oficial do Estado e da minha própria história.

SIM: As pessoas já têm acesso a essas informações?

Sim. Todos os livros foram digitalizados. Fotografamos folha por folha. Se você sabe que seu avô nasceu em Afonso Claudio em tal ano, pelo catálogo, saberá se existe esse livro, porque ele pode ter se perdido; infelizmente, cupim, enchente e incêndio se têm em todo lugar. Os primeiros livros de Vitória são de 1823, mas na capa tem o número 18. Onde é que estão os livros do 1 ao 17? Esses se perderam, infelizmente. Então, a partir do momento que você sabe que o livro que corresponde ao seu antepassado está lá no arquivo, você pode ir lá e pedir para eles separarem o CD e lá mesmo, em um dos computadores, você tem acesso. Eventualmente também fazem pesquisas. Casamentos e documentos para comprovar nascimento são o carro-chefe das buscas, vindo depois as procuras para dupla cidadania e de genealogistas que querem pesquisar antepassados.

SIM: Há algum outro trabalho novo?

Há um mês terminei um trabalho de mapeamento do inventário de referências culturais de Muqui para o IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Foi um trabalho de quase um ano onde pegamos principalmente folia de reis e boi pintadinho, descrevendo aqueles bens e a importância que eles têm para a região. Foi um trabalho bom em que identificamos mais ou menos 30 manifestações e dentro dessas manifestações identificamos mais boi e folia. Foi um trabalho bacana e agora espero que ele gere reconhecimento. Porque não se tomba o boi pintadinho, mas se faz o reconhecimento como patrimônio nacional, como as paneleiras e a capoeira.

SIM: É a nossa cultura...

Uma cultura muito rica. Em São Mateus e região temos o beiju, a farinha de mandioca, o ticumbi, e o congo, do mesmo jeito, com a mesma alegria que temos Muqui. Só precisa ser divulgada. Preservada está. Agora os órgãos públicos e mesmo os meios de comunicação precisam divulgar isso melhor porque nós temos um patrimônio sim, temos uma história muito rica e que só não é divulgada. É para isso que eu trabalho.

SIM: Esse trabalho de compreensão da cultura popular ou do folclore, pra que serve isso para a vida da pessoa?

É a identidade do povo. Se eu tenho uma identidade pessoal, filha de italianos e portugueses, eu também sou capixaba e sou capixaba a partir do momento em que eu me identifico enquanto capixaba. Quer dizer, o Palácio Anchieta é meu. O boi pintadinho, mesmo que eu não tenha brincado enquanto criança, é meu, faz parte da minha cultura, isso que é fundamental. Preservar significa preservar a identidade daquela comunidade. A identidade de ser capixaba. Então, a gente se respeita a partir do momento que a gente tem uma identidade e a gente está seguro dela.

 

Fonte: Revista SIM Nº 74, julho/2014
Entrevistada: Diovani Favoreto
Compilação: Walter de Aguiar Filho, agosto/2014



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