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Entrevista do ex Interventor General João Punaro Bley (1930-1943) – Parte III

João Punaro Bley

REVISTA: Que dificuldades o senhor teve que enfrentar em seu governo?

BLEY: Encontrei o estado em difícil situação financeira. A dívida do Estado chegava a um total de 64.133 mil cruzeiros. O pagamento do funcionalismo, particularmente dos professores do interior, estava atrasado. Solicitei então um empréstimo de 4 milhões de cruzeiros ao governo federal.

REVISTA: como surgiram as dívidas?

BLEY: Foram empréstimos feitos por Jerônimo Monteiro entre 1908  e 1912 para a construção do Porto de Vitória e da Ponte Florentino Avidos. Jerônimo Monteiro pegou empréstimos em dólar e franco para fazer o chamado Parque Industrial do Espírito Santo. Criou a usina de açúcar — Paineiras — uma fábrica de tintas, fábrica de tecidos — Monte Líbano... Sonhou industrializar o Espírito Santo, mas fracassou inteiramente. Naquela época era uma aventura transformar o Espírito Santo em estado industrial. Não era como hoje.

REVISTA: Com a saída de Jerônimo Monteiro, o Espírito Santo foi governado pelo Coronel Marcondes Alves de Souza, que paralisou todas as obras...

BLEY: Paralisou porque não tinha dinheiro. A única coisa que o Estado fazia era arrecadar para pagar as dívidas. Depois tivemos o governo de Bernardino Monteiro que também não fez outra coisa a não ser pagar as dívidas.

REVISTA: Falando em Bernardino Monteiro, ele tinha uma desavença muito grande com Jerônimo Monteiro, não?

BLEY: Esses dois, que eram irmãos, brigaram por motivo político. Jerônimo Monteiro queria voltar ao Espírito Santo como governador. Bernardino Monteiro recusou a apoiar a sua candidatura e apoiou a candidatura de Nestor Gomes. A posse de Nestor Gomes foi debaixo de tiros. E foi no seu governo que o Espírito Santo levantou a cabeça, por causa da valorização do café. Mas o Espírito Santo, em vez de ganhar com isso, saiu perdendo, porque o Nestor Gomes, não tinha programa de governo. Ele vivia de juros a juros. Nesta época, 1921, o país era governado por Epitácio Pessoa.

REVISTA: É verdade que Nestor Gomes morreu pobre?

BLEY: Ele movimentou milhões de cruzeiros. Atendeu milhares de amigos e morreu na maior miséria possível. Às vezes ele não tinha 400 réis para tomar a média da manhã. Fui informado de sua situação quando ele estava internado na Santa Casa em Belo Horizonte. Então eu o removi para o sanatório. E lá permaneceu até a morte, sob a minha assistência.

 

REVISTA: Voltando à questão das dívidas do Estado, o senhor conseguiu saná-las totalmente. Como conseguiu?

BLEY: Quando assumi o governo, o Espírito Santo devia, em empréstimos de 1908 a 1912, 13.222 mil francos ao Banco Francês Italiano, 1.109,06 mil dólares ao Banco Italo-Belga, 50 mil libras esterlinas ao Banco Alemão Transatlântico... Então eu chamei cada um desses banqueiros e fiz a seguinte proposta: "Eu pago x se você fizer o contrato e me der a quitação". Todos aceitaram. Assim fiz uma economia de mais de 30 milhões de cruzeiros.

REVISTA: Como o senhor disse, grande parte dessas dívidas foi contraída para a construção do Porto de Vitória...

BLEY: A construção do Porto de Vitória foi uma das mais importantes realidades no meu governo. Elas foram iniciadas em Janeiro de 1911 pelo governo Jerônimo Monteiro. Em Agosto de 1914 foram paralisadas em virtude da situação econômica criada pela guerra européia. Em 1920, o governo federal suspendeu a garantia de juros a que se obrigava, após haver indenizado a companhia concessionária a qual ele devia. Em Setembro de 1925 foi assinado o termo de entrega das obras ao Governo do Estado que assumiu o encargo de construí-lo. Em março de 1926, foram reiniciados os serviços da primeira seção. Em Outubro de 1930, foram os serviços novamente suspensos em virtude da dificuldade financeira. Em 1935 foram reiniciadas. Terminadas em 1939, as obras foram inauguradas em Janeiro de 1940, depois de 28 anos de trabalho e interrupções, num dispêndio de 26.436 mil cruzeiros, incluindo a Ponte Florentino Avidos. Quanto à segunda seção, em 23 de Julho de 1937, o Governo do Estado contratava uma empresa brasileira para a construção de 300 metros linear de cais, com a profundidade mínima de 8,50 metros.

As obras foram contratadas pelo preço fixo de 10.124,355 cruzeiros. Interrompidas em 1938, prosseguiram novamente até sua conclusão. Sua inauguração teve lugar em 19 de Abril de 1942. Pelo relatório da comissão de tomada de conta e trabalho executado pela empresa, verificou-se que os serviços executados até 28 de Fevereiro chegavam a 17.088.382 cruzeiros. Os pagamentos efetuados pelo estado até marco de 1942 somavam em 12.343.192 cruzeiros.

REVISTA: E a linha férrea?

BLEY: No dia 11 de Julho de 1941, realizou-se a solenidade de inauguração da linha férrea ligando as estações da Leopoldina e da Vitória-Minas ao cais do porto, custando ao Estado 506.112 cruzeiros. Com as desapropriações, o Estado despendeu a quantia de 5.961.654 cruzeiros.

REVISTA: E a Vale do Rio Doce, como surgiu?

BLEY: O Espírito Santo hospedou, em Setembro de 1941, ilustres membros de uma comissão técnica econômica norte-americana, chefiada pelo Dr. Wagner Ler Pirsun, presidente do "Export And Import Bank" dos EUA. Vinham ao Brasil estudar e resolver, com as nossas autoridades, vários assuntos de comum acordo e de interesse entre as duas maiores repúblicas do continente. Entre eles, o problema da exploração do minério de ferro do Brasil. Foi graças à vinda dessa comissão e ao idealismo do Presidente Getúlio Vargas que nasceu a Companhia Vale do Rio Doce, que tanta influência econômica, financeira e social tem na vida do Espírito Santo e cujo desenvolvimento ainda não parou. 

 

Fonte: Espírito Santo: História, realização: Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo (IHGES), ano 2016
Coleção Renato Pacheco nº 4
Autor: João Eurípedes Franklin Leal
Compilação: Walter de Aguiar Filho, fevereiro/2017

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