Estudos sobre a descoberta da Província - Parte VIII (FINAL)
Chegamos enfim ao ponto de provar em que nos fundamos para designar a época do descobrimento da província.
Como se viu pelas datas que apresentamos, antes de Cristóvão Jaques só vieram ao Brasil: Pedro Álvares Cabral, segundo o testemunho de João de Barros, pois sabe-se o quanto el-rei D. Manoel se encheu de prazer e orgulho com a chegada a Lisboa do navio em que ia Lemos, segundo a própria Relação da viagem de Cabral escrita por Ramuzio Viaggio; Descobrimentos antigos e modernos, por Antônio Galvão; História geral das viagens, Liv. IV, Cap. IX do Tom. XIV; Narrativa desta viagem, por Américo Vespúcio; o jesuíta Possino da mesma sorte o afirma, assim como Juan de la Cosa na Descrição de seu mapa concernente ao que se deu nesta viagem; Francisco da Cunha na sua Descrição geográfica da América, e ainda Jerônimo Osório, Simão de Vasconcelos, Aires do Casal, Damião de Góes, José de Vasconcelos, M. Moraes, Pizarro e muitos outros, são conformes em atestar que Pedro Álvares Cabral não ultrapassou os limites demarcados na nossa descrição sobre o descobrimento do Brasil por este ilustrado navegante; isto se vê dos maços de manuscritos que se acham na Torre do Tombo, um escrito em forma de Roteiro por Diogo de Castro e mencionado por A. da Justificação. No maço 2, nº 8 da gaveta 8ª, a do mesmo arquivo citado, se verifica o que dissemos a respeito desta viagem.
Vicente Yáñez Pinzón, Aires Pinzón, Diogo Lepé, João da Nova, Gonçalo Coelho e Américo Vespúcio não tocaram, como demonstramos, em parte alguma desta costa, segundo testemunho de alguns companheiros de viagem, e dos autores citados.
Embora Vicente Pinzón, primeiro que aventurou-se a cruzar a linha equinocial, chegasse às plagas brasileiras, contudo, não passou da costa do Pará, único lugar em que desembarcou perto da foz do Amazonas, em sua primeira viagem.
Diogo Lepé também navegou até o rio Amazonas, reconhecendo o cabo de Santo Agostinho, não ultrapassando destes limites.
João da Nova só tocou na ilha da Assunção, hoje da Trindade, como fizemos ver na ocasião em que dele tratamos.
Gonçalo Coelho aportou ao cabo de Santo Agostinho, ao cabo de São Roque, entrou na baía do Rio de Janeiro e em São Vicente, e daí seguiu para a Europa tocando em Serra Leoa.
Segue-se aos navegantes apontados o intrépido navegante Cristóvão Jaques, que foi o primeiro a fazer reconhecimentos e sondagens, e é pois ele o descobridor de toda a costa brasileira, principalmente a desta província, pois que dela unicamente nos ocupamos. Tocou este insigne navegante em muitos pontos da terra américo-brasílica, pois que, chegando à ilha de Fernando de Noronha, veio descendo para o sul, fazendo reconhecimentos em todas as paragens que percorria, como fossem cabos, rios, ancoradouros, baías, ilhas e recifes; sondando, demarcando e fincando padrões com as armas portuguesas nos lugares mais convenientes, para demonstrar as possessões de Portugal.
Embora alguns autores discordem, entre eles o ilustre historiador visconde de Porto Seguro, sobre a época da vinda de Gonçalo Coelho e Cristóvão Jaques, isto é, qual dos dois foi o primeiro a chegar ao Brasil e ambos a mandado de el-rei D. Manoel, contudo, não há discordância sobre ser ele o que fez estes reconhecimentos e colocou os ditos padrões. Gandavo, que foi o primeiro escritor que tratou das coisas do Brasil, nada nos diz a respeito de qual deles foi o primeiro, quando, no entanto, se ocupou de mui-tas minudências. Góes relata a vinda de Gonçalo Coelho, assim como J. Osório, Diogo Castro e Francisco Cunha, e sendo eles antigos escritores são até hoje consultados e com muito crédito; mas é este último o que afirma ter sido Cristóvão Jaques o comandante desta segunda expedição, sendo Gonçalo Coelho o comandante da primeira.
Alguns erros que se encontram a este respeito, ou por outra, dúvidas, são devidos ao falso Sumário que Américo Vespúcio escreveu, assim como também à Carta de Bartolosi; mas que, presentemente, caíram em descrédito, por verificarem-se as grandes falsidades e erros que continham, e que mais ou menos foram confirmados ainda pelo jesuíta Possino; acreditaram em tais inexatidões, cronistas e historiadores como Simão de Vasconcelos, Pizarro, Murery, Southey e o visconde de Cairu, sem outro fundamento mais que os ditos de homens suspeitos.
O que, no entanto, não há negar é que Cristóvão Jaques partiu de Lisboa a 10 de junho de 1503, a mandado de el-rei de Portugal, com ordens expressas à exploração e investigação das costas brasílicas, e que restritamente cumpriu essas determinações; vindo depois de longa e perigosa viagem surgir na baía da Traição, e, com mais ou menos demoras nos portos e ancoradouros chegou à baía de Todos os Santos, no 1º de novembro, tocando a 4 de janeiro do ano seguinte em Porto Seguro, onde demorou-se e deixou dois missionários franciscanos e vinte e quatro homens, segundo a Crônica de Santo Antônio do Convento do Brasil, Datas célebres do Sr. José de Vasconcelos, e outros documentos autênticos, principiando assim a colonização daquele lugar, e para o quê ali estivera cinco meses, nesse intuito. Partiu dali a 28 de junho, vindo costeando o litoral e verificando os rios e o mais que havia de notável, de que tomou as respectivas notas, segundo Francisco Cunha e Cunha Matos, que bem provam o engano entre a viagem de Gonçalo Coelho e a de Cristóvão Jaques.
Os padrões foram colocados em diversos lugares por onde passou, não sabendo-se ao certo o seu número, nem quais os pontos em que foram fincados alguns, pois que conhecidos são só cinco, segundo o atestam os melhores escritores que temos consultado. Segundo Laët e Francisco Cunha foram colocados os conhecidos na baía da Traição, na entrada da baía de Todos os Santos, na barra de Cananeia, na ilha de Maldonado e outro entre a ponta da baía de São Matias e a ponta do Padrão, como em outro lugar dissemos, o que para nós achamos impossível serem esses os únicos, pois a distância entre a baía de Todos os Santos e a barra de Cananeia é tal, que parece que nessa imensa extensão não deixaria Cristóvão Jaques de colocar padrões, quanto mais não fosse, nos quatro pontos salientes que vamos apontar; barra do rio Doce, barra da baía da Vitória, barra do rio Paraíba e barra da baía do Rio de Janeiro, que ele reconheceu, e que pela importância local chamaria a atenção do hábil navegante, visto como, segundo afirmam autores de nomeada, entre eles, Francisco Cunha e Jerônimo Osório, no Roteiro da Costa Brasílica, na primeira parte, única que se conhece, são ali conformes em que este navegante sondou, reconheceu e levantou mapas de toda a costa percorrida.
Afastamo-nos aqui de nosso propósito, abrindo um parêntese, para assim dar a conhecer um fato que muito pode servir a futuras descobertas. Em 1871, conversando nós a respeito da província e sua descoberta, disse-nos o finado nosso amigo o Sr. Delgado, morador em Santa Cruz, e homem inteligente e estudioso, que ao lado sul da barra do rio Doce, em uma língua ou península que ali existia, vira uma pedra pontuda fincada naquele imenso areal, mas com pouca saliência, julgando reconhecer caracteres em uma das faces da dita pedra, mas muito apagados e gastos pelo tempo; fez-nos aquilo impressão e tratamos mais tarde de indagar sobre um fato digno de ser estudado; mas pouco ou nada obtivemos, a não ser o dizer-nos um morador dali que era uma pedra que nada valia e sem mérito algum. Tencionamos verificar por nós mesmos, mas não nos foi possível, pelo que pedimos ao nosso ilustrado e distinto amigo o Sr. engenheiro Dr. César de Rainville, que por seus trabalhos de telegrafia para lá seguia por terra, o fazer-nos o obséquio de averiguar o que desejávamos; mas fomos tão infelizes, que toda aquela imensa língua de terra existente ao lado do sul, ainda em 1871, desapareceu há mais de seis anos debaixo d’água, pois que, sendo mudável a barra daquele imenso colosso, o rio Doce, aconteceu que formou-se do lado do norte a mesma aglomeração de areias, submergindo-as do lado sul, em uma extensão imensa, não escapando a casa do prático da barra, devido isto às correntes d’águas e ventos.
Naquela época os navios que ali tinham de entrar, vindo impelidos pelo vento sul, chegando à barra, que fazia uma longa curva de norte a sueste, estacionavam à espera de vento favorável, quase sempre terral, para então a vararem, o que hoje não acontece, pois que, vindo os navios com vento sul, com o mesmo vento rompem a barra, sendo este o motivo por que não podemos saber se aquela pedra ainda ali existe, e se, com efeito, era um marco. O Sr. Dr. Rainville, no entanto, não perdeu tempo, pois, pelas indagações e trabalhos técnicos de que se ocupava na ocasião, pôde descobrir muito acima deste rio o marco divisório desta província com a de Minas Gerais. Perdemos, no entanto, a ocasião de verificar nossas apreensões sobre este assunto. Mas, continuando sobre o nosso principal estudo, julgamos que outros marcos foram colocados, em diferentes paragens, e que hoje perdidos, deles não se pode fazer menção, dando causa a ignorarem-se muitos pontos em que Cristóvão Jaques e sua gente saltou à terra.
Francisco Cunha afirma que foram fincados muitos marcos, e que os ia colocando por onde passava, pois que os trazia em grande quantidade; o mesmo diz o Sr. José de Vasconcelos.
O certo é que ele reconheceu esta província, e que o faria dos dias 4 a 8 de julho de 1504, pois tendo partido a 28 de junho de Porto Seguro, necessariamente teria chegado ao rio Cricaré (São Mateus) ou ao rio Doce em sete dias, inclusive, tendo tempo de aportar à baía da Vitória a 8, dando nós a partida deste último ponto no dia 4 ou 5 do mesmo mês de julho, visto este prazo ser suficiente para percorrer a costa da província, contando sete dias até chegar à barra de São Mateus, e três a quatro dessa paragem até a barra desta capital, fazendo os devidos reconhecimentos e sondagens de que estava incumbido.
Cristóvão Jaques foi o único que fez reconhecimentos e assentou padrões; só se mencionam sobre todas as viagens e explorações os principais pontos que apontaram em seus roteiros os navegantes, e no que estão de acordo todos os cronistas e historiadores, estando por isso provado ser ele o primeiro que reconheceu a costa da província e nela aportou em muitas paragens, colocando alguns marcos, sendo pois impossível que à vista do rio São Mateus, rio Doce, rio Santa Cruz, baía desta capital, rio Guarapari, rio Benevente, rio Itapemirim e rio Itabapoana, não lhe chamassem a sua atenção pontos tão salientes para o fim a que se achava obrigado.
Posteriormente outros navegadores talvez aqui tocassem, não duvidamos, e então também descrevessem esta costa para a planejada capitania do Espírito Santo, dada a Vasco Fernandes Coutinho; o certo é que muito tarde foi ela explorada, e bem poucos de seus donatários disso se ocuparam; o primeiro explorador foi Sebastião Fernandes Tourinho e outros companheiros vindos de Porto Seguro, que navegaram o rio Doce acima e exploraram suas lagoas, rios e confluentes, indo até às Escadinhas e daí voltaram. Após estes vieram Antônio Dias Adorno, Diogo Martins Cão e Marcos de Azeredo Coutinho, já em tempo em que os frades da Companhia de Jesus faziam suas explorações pelos imensos sertões que demoram ao oeste do litoral da província, e pode-se dizer que foram estes os primeiros que conheceram dela alguma coisa.
Eis o que há de verdade, o que há de positivo.
Concluímos aqui o nosso trabalho sobre a descoberta da província e ficamos convictos que, investigando-se os diversos arquivos e bibliotecas da Europa, principalmente da Holanda, Espanha e Portugal, muito se há de encontrar sobre os primeiros tempos do descobrimento do Brasil; achados certos manuscritos e obras perdidas, a história a este respeito se desanuviará, pois muitos esclarecimentos, sabe-se, existiam na América Portuguesa, de Manoel de Faria, Terras de Santa Cruz, de João de Barros, e nos Diários de alguns navegantes; vindo-se também no pleno conhecimento do que escreveu Diogo de Castro.
Ao que disse Ramuzio, [a] Américo Vespúcio, Bongeville, Herrera, Jerônimo Osório e Bartolosi não se pode dar inteiro crédito, na parte em que trataram do mesmo Américo Vespúcio, visto que estão em contradição com Manoel de Faria, Damião de Góes, Castanheda, Barbuda, Rocha Pita e Francisco Cunha, autores circunspectos, e nos quais se basearam Aires do Casal, José de Vasconcelos, Pompeu e outros.
Tempos virão em que a luz se fará, e as dúvidas existentes sobre alguns pontos de nossa história pátria ficarão esclarecidas.
Fizemos, no entanto, o que pudemos, contribuindo com nosso material para o edifício da história; se mal nos saímos em nosso trabalho, perdoadas devem nos ser as faltas pela vontade com que nos dedicamos ao estudo de um fato, que até hoje existia como que na obscuridade; se chegamos a tocar a verdade, do que estamos convencidíssimos, é porque não nos poupamos a investigações minuciosas sobre a matéria, a fim de que ficasse esclarecido este ponto, de magna importância para a história desta província.
Nota: 1ª edição do livro foi publicada em 1879
Fonte: Província do Espírito Santo - 2ª edição, SECULT/2010
Autor: Basílio Carvalho Daemon
Compilação: Walter de Aguiar Filho, junho/2019
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