Morro do Moreno: Desde 1535
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Extrato do Livro do Tombo do Convento da Penha - 1786

Ladeira do Convento da Penha, Vila Velha, ES

Transcrito da Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil – Tomo XIX, 2º trimestre de 1856, nº 22, pgs. 262 a 269. Machado d’Oliveira

 

Fr. Pedro Palácios foi o primeiro que no anno de 1558 construiu uma pequena choupana na raiz do morro da Penha, e depois d’isso fez um pequeno pavilhão de abobada aberto dos quatro lados de pedra e cal e sobre uma grande pedra áborda do mar, debaixo do qual collocou a imagem de N. S. da Penha, que comsigo trouxe da Europa. Este pavilhão da altura de 10 pés, e de 4 em cada face, ainda hoje (1841) existe, por ter sido construído com solidez. Junto à pedra do pavilhão há outra sobre uma escavação a modo de gruta, tapada por uma parede de pedra e cal que tem uma pequena gelosia e uma abertura para a entrada da escavação do lado do N. Conta-se por tradição que n’esta espécie de gruta morava Pedro Palácios emquanto não se construiu o hospício no cume do morro, tendo por únicos companheiros um preto que o servia, um cachorrinho e um gato; e d’ali vigiava o pavilhão e o santo deposito.

Fr. Pedro Palacios falleceu em 2 de Maio de 1575. Foi encontrado morto de joelhos e encostado ao altar da ermida, que primeiramente fizera no alto do morro, e dedicara a S. Francisco. Diz a lenda que temos à vista, que n’esse acto os sinos dobravam por si, e que encontrou-se já a sua sepultura aberta no alpendre da ermida. Na sua sepultura lia-se este epitaphio – Sepultura do S. Fr. Pedro Palacios, natural de Rio Secco em Castella, fundador d’esta ermida, que assim na vida como na morte floresceu em milagres. Falleceu na era de 1575.

Viveu n’este logar 17 annos; e por sua morte tomou conta da ermida o religioso Nicoláu Affonso, o qual coadjuvado por Amador Gomes e Braz Pires preparou e ornou melhor a mesma ermida.

A pedido de Vasco Fernandes Coutinho mandou o padre Custodio de Pernambuco, Fr. Belchior de Santa Catharina, os dous religiosos Fr. Antonio dos Martyres e Fr. Antonio das Chagas para fundarem um convento de Franciscanos n’esta capital, aonde chegaram em Novembro de 1589 a tempo que já Coutinho era falecido. Principiaram elles a edificar o convento antes de 1591, por que concedendo-lhes a camara gratuitamente o terreno em que o construíram por carta de doação de 5 de Dezembro d’esse ano, é tradição que antes d’esta concessão tivera principio a obra. Fez parte d’este convento a pequena capella de N. S. da Penha por convenção das camaras de Victoria  e Espírito Santo, e aprovação de dona Luiza Grinalda que governava a província por morte de seu marido Fernandes Coutinho. Esta convenção foi feita em 6 de Dezembro de 1591.

Tomando ou dous franciscanos conta da ermida da Penha iam ali celebrar missa e, como não havia casa para se recolherem, mandaram fazer uma escavação debaixo de uma grande pedra que fica  abeira mar, tapando-a pela frente com uma parede de pedra onde deixaram uma fresta.

O processo a que se deu começo em 27 de julho de 1616 para emprehender-se a canonisação do padre palácios era baseado sobre os tópicos seguintes:

Que era tido por varão santo e de muito exemplar vida, andando pelas aldêas a baptisar e doutrinar os índios.

Que residiu constantemente na ermida da Penha edificada por elle com muita devoção e perseverança.

Que fora encontrado morto, de joelhos de mãos postas encostado ao altar da ermida e com caracter de homem vivo.

Que na trasladação dos seus restos para o convento da Victoria em 18 de Fevereiro de 1609 sararam todos quantos enfermos puderam tocal-os, como Fr. João dos Anjos, e Duarte de Albuquerque e uma menina de Loureiro Affonso.

Que andava pelas ruas a ensinar a doutrina christã aos meninos e índios, vestido de sobrepeliz e cruz na mão.

Que levava pedra às costas para edificar a ermida.

Que se confessava em todos os domingos e comungava, jejuando muitas vezes.

Que quando sahia às esmolas, o que sempre fazia a pé, deixava no chão tantos montinhos de farinha quantos eram os dias que devia passar fora, os quaes eram destinados para um cão e gato que deixava em casa, devendo cada um d’estes animaes comer um montinho cada dia; e se acontecia retirar-se o frade antes do dia aprazado, encontrava intactas as rações que eram orçadas para os dias que deviam preencher o tempo da ausencia calculada. D’isto se inferia que o frade tinha um poder sobrenatural sobre os próprios irracionaes!

D’esta ainda se vê que foi a 10 de Março de 1623 que os Hollandezes entraram na Bahia, e em 1630 em Pernambuco. Considerando-se pequena, em attenção ao grande numero de romeiros que concorriam a ermida da Penha, os franciscanos da Victoria annexaram-lhe em 1637 um edifício, que se tornou em corpo de igreja servindo a ermida de capella-mór.

Em 28 de Outubro de 1640 approximaram-se à barra onze navios que transportavam uma expedição hollandeza commandada por João Delchi: um dos navios chegando-se mais para terra mandou o seu escaler com gente que desembarcou a muito custo no dia 29 na ponta de Pirahen (ponta do Norte), e que toda foi apprehendida e conduzida ao governador, o qual fortificou-se e tomou medidas contra semelhante tentativa de invasão.

A entrada dos invasores effectuou-se no mesmo dia 29, e fundeando a esquadra dentro da barra, dirigiram-se em lanchões 600 a 800 homens à Victoria, a ahi desembarcaram no porto de Roças-Velhas (hoje Porto dos Padres). N’este logar havia uma forte emboscada com duas peças d’artilharia, que accommetteram os invasores impetuosamente e os fizera retroceder com grande perda de gente. Outro desembarque se effectuou defronte das casas do condestável Torquato Martins de Araujo, que encontrou a mesma resistência e foi desbaratado.

“Parece (diz a legenda) que desembarcaram em outras partes; porque é constante, que chegaram a penetrar o interior da villa, onde em diversas partes tiveram grandes choques; porém com fortuna sempre adversa, porque, além da grande mortandade que a nossa gente fez n’eles, uma mulher pellou o seu almirante, lançando-lhe na cabeça d oalto da sua casa um tacho d’agua fervendo; com cujo sucesso desanimaram os que pelejavam à sombra do seu valor, procuraram valer-se das suas embarcações para escaparem do furor com que os naturaes por defenderem a terra, a honra e vida de suas mulheres e filho, cortavam n’elles.”

O resto dos invasores que foram rechaçados em Victoria retirou-se para a esquadra.

Simultaneamente a esta empreza alguma tropa da esquadra desembarcou na Villa do Espírito Santo, que estava evacuada, e por não acharem resistência subiram alguns o morro da Penha, d’onde se retiraram precipitadamente pelo fogo que lhes faziam do matto as emboscadas que ahi se puzeram. Não passa porém de uma noticia incerta ou ficção a tradição popular de que os que subiram o morro arrebataram o Menino à Senhora da Penha, deixando inscripta na porta da capella esta lectra:

 

Pax intrantibus, salus exeuntibus:

Propter haec, et alia contingunt nobis tália.

 

Esta invasão foi a segunda que os Hollandezes tentaram sobre esta província, suppondo-se que a primeira foi em 1625, constando de parte da expedição de 24 navios que vinha reforçar a que já tinha tomado a Bahia, mas que como achassem esta praça retomada dividiu-se e foi invadir diversos portos do litoral do Brazil. O certo é que sobre força armada d’esta nação obtiveram os habitantes da capital uma grande Victoria em 6 de Agosto de 1625, dia da transfiguração, e que este dia foi até certo tempo de grande festa n’esta província em commemoração d’aquelle triumpho.

É também tradição popular que em uma das invasões dos Hollandezes as mulheres da capital congregaram-se na igreja da Misericórdia e d’ahi soccorriam e animavam os defensores; e que por isso Filippe III, que então governava Portugal, concedêra à casa da Misericordia da Victoria os privilégios que tinha a de Lisboa.

O padre custodio fr. Sebastião do Espírito Santo foi o primeiro que concebeu a idéa de edificar um convento annexo à igreja da Penha e n’este sentido foi ter com o governador do Rio de Janeiro, Salvador Corrêa de Sa e Benavides, que approvando o plano prometteu de concorrer para a obra com 100$rs annuaes por meio de uma escriptura datada de 17 de junho de 1652.

Ignora-se o tempo em que começou esta obra, mas sabe-se por noticia que o que primeiro se edificou foi uma casa de pedra e barro no logar onde hoje existe a em que se dá o jantar aos quaes vão assistir à festa da Senhora; sendo aquella para morarem os que tomaram a si a direção da obra do convento.

No anno de 1664 foi visitado o convento por Martim Corrêa Vasque Annes, filho de Salvador Corrêa, e consignou para o mesmo a esmola annual de duas rezes.

 

Descripção do convento na sua primitiva (sic – forma?)

 

A capella redonda com porta pequena; da sua circumferencia partiam quatro arcos para o exterior que formavam o corpo da igreja e no meio d’elles estava o púlpito. Em um dos dous arcos do lado da epistola havia a capella de S. Mauricio, que segundo a tradição foi erecta pelos moradores de Villa-Velha em reconhecimento da Victoria que no dia d’este santo ganharam sobre os Hollandezes. Fronteiro a este arco estava outro que servia de passagem para o terraço que circumda a parte exterior do corpo da igreja que vae de N. a S.

Acima da capella de S. Mauricio havia outro arco sobre o qual estava o côro; e descendo d’este 4 ou 5 degráus se dava em uma varanda comprida com janellas para o mar e porta para o terraço. Na sua extremidade do lado de L. estava a cella do sachristão, o relógio e a casa do sino, e pela extremidade opposta passava-se para uma sala espaçosa e dous quatros com janellas para O. e S., onde se agasalhavam alguns religiosos e hospedes de distinção. Por este lado communicava-se com as cellas debaixo por meio de uma escada.

A capella faz frente a S. Do lado do Evangelho tinha uma porta que ia dar à sacristia,. Quase defronte à porta da sacristia estava uma escada de 25 de graus, pela qual se descia para as cellas debaixo em numero de 8: no fim d’estas havia uma varanda com 3 janellas, duas para N. e uma para S. O.

Antes de entrar-se na varanda eram as latrinas. Do lado opposto à varanda era a portaria a modo de uma pequena sala com uma janella ao S. Vindo-se da varanda para a porteira e depois de passar duas cellas, havia uma escada de 12 de graus que descia para o refeitório, e mais officinas de baixo, estando defronte a cada da adega, cujo maior espaço é occupado por um flanco do penedo sobre o qual se elevou o edifício, e que conserva permanente humidade na casa. A cozinha era assobradada e com um revestimento de tijolo sobre o pavimento de madeira. Da porta chamada do de profundis que fecha a clausura, desce uma escada de pedra de 15 degráus, que vai dar a uma casa inferior à cozinha, e à mão esquerda de quem desce é o logar de depósito de lenha. D’esta casa desce outra escada de pedra e estreita, de 12 degráus, que pendendo-se para a mão direita vae-se por ahi para a cisterna que fica pouco distante e debaixo da janella da portaria, e também para as senzalas dos escravos, que ficam fronteiras à porteira. Da cysterna inclinando-se para baixo vae-se para a horta e fonte, que fica bem distante, e cujo trânsito é bem diffícil de fazer por ser bastante íngreme.

Descendo-se a ultima escada descripta, e que vem da casa da lenha, enxerga-se em frente a penha que serve de base ao convento; e olhando-se para a direita, caminho da horta, ainda ella se divisa em maior prospecto. Em todo o terreno, que fica a um e outro lado do caminho que vae para a horta, há plantação de bananeiras.

Do fim da escada pendendo-se para a esquerda, desce-se por outra de 48 degráus para uma planície chamada vulgarmente o – jogo – onde se fizeram 6 casas pequenas para os romeiros, rematando estas pelo O. a pequena capellinha do Senhor Bom Jesus, e pelo L. a de São Francisco, obra de fr. Palacios.

O penedo de granito em toda a sua nudez em que está fundado o convento, tem 120 braças de circumferencia. O terreno que vae da raiz do penedo até as casas dos romeiros tem 20 braças de largura; todo elle é cultivável:  a pouca distancia dos fundos das casas torna-se a surgir o penedo, que de fórma em plano horizontal até à distancia de 18 braças e terminado por uma cruz alta; d’ahi para diante cahe o tereno em rapido declive até ás abas do morro que estão em contacto com a bella campina de Pyratininga bordada pelo mar, e que tem ao lado esquerdo a fortaleza da barra, e ao direito o rio da costa que depois de ciurcumdar o morro da penha banha a base occidental do famoso Moreno. A galeria das 6 casas dos romeiros tem 16 braças de comprimento.

Em baixo, na praia, há um cáes com frente para o Noroeste, e com 18 braças de comprimento, 9 cobertas e 9 descobertas, e 6 de largura divididas em 2 repartimentos. É obra muito antiga.

No principio da ladeira há um pórtico com frontespicio sobre arco com ornatos e um nicho onde estava um a imagem de S. Francisco. A ladeira é toda calcada (sic) e flanqueada de muros até acima. O 1º ramal da ladeira, ou o mais baixo, e que pega com o frontespicio tem 51 braças de comprido, e é de N. a S.; o 2º, que se dirige para N. E., tem 102; o 3º, que faz frente a L., tem 24; o 4º, que segue a N.E., tem 72. – N’este ponto sobe-se por uma escada de 5 degráus em cima da qual está a pequena capella do Senhor Bom Jesus, com fundo para o mesmo N.E. D’ahi para cima a ladeira toma o rumo do S.O., e tem 18 braças de comprimento. No fim d’ellas está um portão ao lado esquerdo por onde se entra para o sitio das hospedarias dos romeiros. Prosseguindo-se pela ladeira a rumo de S., depois de andar-se 9 braças, depara-se à mão esquerda com o principio do penedo sobre  que está fundado o convento; e andando-se mais 36 braças pelas abas do penedo se termina a ladeira e se encontra uma escada onde residiram, segundo é noticia, os primeiros religiosos na edificação do convento. Estas casas tem de comprido 7 ½ braças, e estão repartidas em 3 lanços. Da sua porta ao penedo há braça e meia. Tem a ladeira ao todo314 braças de comprido, medindo-se pela linha do meio; e de largura quase duas braças.

Deixando as casas ao lado direito, e com frente a S., sobe-se uma escada de 14 degráus chegando-se a uma pequena área ou patamar com 2 braças de comprido, por onde se desce por uma escada de 36 degráus, para as senzalas dos escravos, que ficam a S. Tambem por este patamar, sobe-se para o convento com frente a N. E., por uma escada de 11 degráus, no fim dos quaes hs um plano, ou outro patamar, com uma braça de largo, ao qual segue-se outra escada de 10 degraus. Si se quer ir para a igreja volta-se para N., e sobe-se uma escada de 21 degráus, e depois de passar uma pequena área ou plaino, ainda encontram-se 3 degráus, que se sobrem, com cara a Sudoeste, e se dá com o alpendre da igreja, e voltando a N., entra-se à igreja, depois de subir na porta ainda 2 degráus.

Depois de subir-se a ultima escada de 10 degráus, inclinado-se para a direita, vae-se por uma área de 9 braças de comprido e 3 de largo, cercada de um muro alto e largo, para a portaria do convento, já acima descripta, e que tem janella que olha para o Nascente.

O campo ou várzea de Pyratininga foi vendida ao convento da Penha por Catharina da Vide pelo preço de 5$000 réis!

A 1ª pedra para a nova capella do morro da Penha foi lançada em 3 de Maio de 1744 (está 1474); e em Abril de 1745 já estava esta concluída, de maneira que em 25 d’este mez foi n’ella collocada a Senhora.

Em 12 de Março de 1625, dia de S. Gregrorio, doutor da Igreja, foi a Victoria que se alcançou contra os Hollandezes, que em 8 náus vieram attacar esta província. Em 14 do dito mez houve outra Victoria alcançada por Salvador de Sa e Benavides, que foram mortos 40 e tantos Hollandezes, e prisioneiros dous, e tomou-se uma lancha e 4 roqueiras. Era então capitão e governador d’esta província Francisco de Aguiar Coutinho.

 

Fonte: Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Estado do Espírito Santo. Nº 19, Ano 1958
Compilação: Walter de Aguiar Filho, outubro/2012 

 

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