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Gato por galinha – Por Eleisson de Almeida

Sob as ordens de Chiquinho

Sou, fui e serei toda vida radialista. Em função do meu sucesso em rádio, fui convidado para atuar no semanário Sete Dias, um jornal que apareceu em 1957, como o primeiro jornal colorido do Espírito Santo. E do Sete Dias, em 1958, fui chamado para a redação dO DIÁRIO, que marcou a vida de muitos jornalistas que ainda estão nas trincheiras de trabalho. Outros estão afastados mas, de certa forma, contribuíram para mudar alguns conceitos que a cidade tinha sobre o jornalismo, como o de que jornalista era mais boêmio do que outra coisa.

Tenho certeza de que todos os grandes jornalistas do Espírito Santo passaram pela redação dO DIÁRIO, que, na época, ironicamente, a gente chamava de o maior jornal da Rua Sete de Setembro, por ser o único.

Não havia o avanço tecnológico que se oferece aos parques gráficos hoje. Primeiro porque o jornal era feito a quente. Para quem não sabe, todo material que a gente escrevia era reescrito a chumbo. Chumbo derretido.

Havia máquinas chamadas linotipos, onde se ia datilografando aquele material todo no chumbo derretido e ele ia se transformando em placas rígidas. O diagramador juntava aquilo, paginava aquele chumbo todo, e depois é que o jornal ia ser colocado na rotoplana, que era a máquina de imprimir, e ali se faziam os primeiros exemplares para se fazer mais uma revisão. As coisas erradas eram substituídas por novos chumbinhos daqueles e, aí sim, era impresso o jornal. Nós saíamos da redação por volta de uma ou duas horas da manhã.

Há histórias magníficas daquela época. Uma delas envolve o governador Francisco Lacerda de Aguiar, dono do jornal, que vez ou outra comparecia à redação. Naquela época, Vitória não dispunha de restaurantes abertos a noite toda. Depois das 22 horas era uma dificuldade encontrar algum lugar para fazer um lanche.

Numa dessas noites, o governador Francisco Lacerda de Aguiar chegou. O Dequinha era um dos nossos paginadores. Ele era o que sabia tudo. Se Dequinha não fosse trabalhar, O DIÁRIO entrava em pânico. O governador ficou conversando com Setembrino Pelissari e Plínio Marchini, e nós estávamos com o Dequinha tentando preparar algumas coisa para matar a fome. Nós já sabíamos de antemão o que ele estava preparando, pois Dequinha era um dos grandes fornecedores de couro de gato para os tamborins da Escola de Samba Unidos da Piedade, cuja sede ficava perto. O tempero da comida era tão bem feito que o governador se deixou inebriar por aquele cheiro gostoso que vinha lá da oficina e perguntou o que estava sendo feito ali. Ninguém teve coragem de dizer... e o prato foi servido como galinha.

O governador comeu com uma voracidade impressionante. Acho que ele nunca comeu uma "galinha" com tanto gosto. Depois o Setembrino acabou contando.

E o Dr. Chiquinho nunca mais voltou à redação dO DIÁRIO.

Ganhava-se terrivelmente mal naquela época. A gente nunca recebia o salário inteiro, só vales. O "seu" Lisboa era o nosso gerente comercial. No sábado, todo mundo tinha uma festinha pra ir, uma namorada pra levar ao cinema, um baile no Álvares Cabral ou no Saldanha da Gama. Nós ficávamos ali mendigando um vale ao "seu" Lisboa. Nem todo sábado saía... Mesmo assim, o pessoal continuava porque nós fizemos daquilo uma vanguarda da nossa época. Sobrevivemos porque tínhamos uma gana muito grande de botar aquele jornal na rua, inclusive para forçar uma concorrência com A Gazeta. Nós estávamos querendo ocupar esse espaço.

Fiquei nO DIÁRIO uns quatro anos fazendo noticiário político, credenciado na Assembléia Legislativa. Até 1961, acompanhava os trabalhos parlamentares, produzindo material para rádio e jornal. Depois, fui para a A Gazeta fazer a coluna social. Mais tarde, ainda voltei a0 DIÁRIO quando ele se transformou na grande escola de jornalismo, época em que ainda não havia a Universidade Federal do Espírito Santo. Todos os talentos formados nO DIÁRIO depois eram contratados pela A Gazeta e pela A Tribuna, o que evidencia sua importância como formador de uma brilhante geração de jornalistas.

 

Fonte: O Diário da Rua Sete – 40 versões de uma paixão, 1ª edição, Vitória – 1998.

Projeto, coordenação e edição: Antonio de Padua Gurgel

Autora: Fernando Jakes Teubner

Compilação: Walter de Aguiar Filho, fevereiro/2018

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