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Instituto de Instrução Política – Eurico lembra Calmon

Capa do Livro: Memórias - Por Eurico Rezende, 1988

CREDIBILIDADE

É importante ficar patenteado que as memórias de minha participação naquele magno episódio da vida do país estão apoiadas por absoluta credibilidade, pois, como o leitor verá, em cada passo do caminho por mim percorrido, está o sinal de amplo documentário oficial. Nada foi romanceado, diminuído ou aumentado.

Nem haveria necessidade de sê-lo, eis que a verdade, em si mesma, demonstra que fui fiel ao juramento constitucional e — acredito — à honrosa expectativa dos meus coestaduanos.

UMA FORMAÇÃO LIBERAL NO REDEMOINHO

Mas, de permeio com revelar o esforço vitorioso de um mandatário popular, o livro dissipa muitas dúvidas sobre minha formação liberal e democrática, na esteira de uma coerência indesmentível, e a minha verdadeira posição durante os governos revolucionários, a partir do Movimento de março de 1964.

A velocidade dos acontecimentos e o emocionalismo reinantes nestas duas últimas décadas, sem se falar nas frequentes distorções, criaram obstáculo a uma ótica mais penetrante, capaz de reverter conceitos e preconceitos, quanto a fatos e seus personagens.

Por isso, as revelações, que a prudência aconselhava fossem mantidas nos escaninhos do tempo, somente agora são postas diante da análise, sobretudo daqueles que, pela desinformação ou por colocações genéricas, não mediam ou avaliavam, convenientemente, a minha personalidade e conduta política, naqueles tempos de excepcionalidade.

PRESTAÇAO DE CONTAS

Outro motivo do lançamento destas "Memórias” guarda pertinência com o cumprimento de um dever, que deveria ser objeto de mandamento constitucional, ou, quando não assim, por um estado de consciência: a prestação de contas à opinião pública, por parte dos parlamentares.

É sabido que a Constituição Federal, as Cartas estaduais e as leis orgânicas obrigam os titulares eleitos do Poder Executivo, em seus três graus, àquela prática, impondo aos inadimplentes a pena capital de perda do cargo.

Em consequência, o Presidente da República, os Governadores de Estados e os Prefeitos prestam contas, periodicamente, aos respectivos corpos legislativos.

Aliás, todos os ocupantes de cargos do chamado "segundo escalão" estão sujeitos a essa obrigação, e a cumprem. E até mesmo os chefes do Poder Judiciário estão inseridos em tal dever.

Por que não prestá-las, também, os Senadores, Deputados e Vereadores?

Dir-se-á, objetando, que os parlamentares não administram bens e valores públicos. É exato. Mas são pagos para fiscalizar os atos do Executivo, discutir problemas, apontar soluções, legislar, etc. Impõe-se, portanto, a necessidade de saber se a fruição do direito à remuneração conduziu ou não à contrapartida de um serviço, principalmente numa época em que tanto se fala em "mudanças" e "transparências".

É óbvio que a prestação de contas dos membros do Poder Legislativo não se pode dar pelo mesmo processo e com as mesmas consequências no que se relaciona com a dos outros poderes. Mas poderia ter um ordenamento jurídico de natureza moral.

Para se atingir esse estágio, devem existir meios.

A título de colaboração, vai, a seguir, uma fórmula.

Dentro de um prazo razoável, mas sempre anterior à eleição, o parlamentar inscreve, nos Anais de sua Casa, o relatório das atividades que desenvolveu, sob o título de prestação de contas.

Será uma peça consolidada, porque o eleitor, via de regra, não lê os diários do Poder Legislativo.

Esse documento ficará à disposição de qualquer interessado, inclusive adversários políticos.

Ter-se-á, com isso, um meio, embora só relativamente eficaz, de se colherem subsídios a respeito dos antecedentes parlamentares do candidato. Será, quanto a este, uma forma de saber se a sua presença no corpo legislativo foi caracterizada somente pela "Palha das palavras" ou se foi, realmente, pelo "grão dos fatos”. A interpretação ficará por conta do eleitor, dentro do amplo contraditório da campanha política.

Tal prática seria extremamente saudável, porque:

a) imporia ao detentor do mandato a obrigação de, ordenada e racionalmente, expor o seu verdadeiro perfil de homem público;

b) daria à sociedade o ensejo de aferir e analisar, para efeitos futuros, o comportamento e a ação do parlamentar.

Ressalve-se, para não se cuidar somente de elitismo, que merece todo o respeito o mandatário popular que, embora destituído de brilho intelectual, tem o senso de bem interpretar e de bem votar, além de se interessar pela conquista de benefícios para as suas comunidades.

Creio que tal medida concorreria para a necessária seleção, através da qual se obteria uma gradação, isto é, índices de mérito ou demérito de quem, pelo juramento constitucional que fez, tem contas a prestar ao eleitorado. As consequências desse método mostrar-se-iam superlativamente benéficas, pois desnudariam situações e procedimentos e, com isso, operariam em favor da credibilidade política, tão negativada nos tempos atuais e apresentada de modo genérico, o que é injusto, de vez que, na verdade, existem contingentes consideráveis de representantes do povo a merecer a homenagem e o aplauso da exceção.

Tudo isso — volto a dizer — em nome das "mudanças" e das "transparências".

COMPLEMENTANDO

Mas a carência de quadros na vida pública do país é uma constante.

Se até a década de 1960 preponderou o coronelismo, este, após longos anos de marcante influência, foi substituído pelo populismo, ambos prejudiciais ao aperfeiçoamento de nossas instituições democráticas. E o ideologismo, que é recente, não alcançou ainda a dimensão aconselhada pela sociologia política, com a agravante de vir carregado de intenso passionalismo, em busca, apenas, de dividendos eleitorais, de ofensa à autoridade, de desmoralização do Poder ou de posicionamentos subversivos, naturalmente feitas as necessárias ressalvas.

Não se diga que foram os hiatos em nossa vida partidária, com a implantação de regimes autoritários, a causa impeditiva da formação de novas lideranças, de vez que, mesmo quando em pleno funcionamento, as agremiações nunca se preocuparam — o que acontece até hoje — com essa relevante matéria.

Melhor e resumidamente dizendo: nossos partidos desenvolvem tão somente uma atividade eleitoral, deixando de lado a atividade política em sua ampla e correta acepção. Imperioso é que ambas tenham um caráter cumulativo.

Com essa omissão tradicional, os partidos vão ao extremo de descumprir a própria lei.

De fato, em momento de feliz inspiração, o Deputado João Calmon — que mais tarde, por uma conquista histórica, seria consagrado "o Senador da Educação" — já nos idos de 1965 apresentou emenda ao primeiro projeto do estatuto jurídico dos partidos, a qual, aproveitada em seus desígnios fundamentais, foi convertida em dispositivo de lei, impondo a toda agremiação, como uma das peças fundamentais de sua função permanente, a "manutenção de um instituto de instrução política, para formação e renovação de quadros de líderes políticos" (Lei n° 4.740, art. 75, IV).

Tal preceito vem resistindo às sucessivas alterações sofridas pelo mencionado diploma legal e está em pleno vigor. Mas não é cumprido, pois os partidos no Brasil jamais tiveram atuação permanente. Se viesse sendo obedecido, os recursos humanos integrantes de nossas agremiações, além de mais numerosos e renovados, teriam maior capacidade para o serviço da vida política nacional.

Naquela oportunidade, o hoje Senador João Calmon chegou a ir além, para dar arcabouço às suas ideias. Inspirado na experiência da Alemanha Ocidental, apresentou emenda, obrigando cada partido "a manter, no Distrito Federal, uma Academia de Política, destinada à formação e renovação dos quadros de líderes e cujo curriculum será definido na regulamentação da presente lei". ("Diário do Congresso Nacional" — "DCN" — Seção 1 --15.5.65 — pág. 3181.)

Dia virá, porém, em que as sugestões pioneiras do eminente representante capixaba serão absorvidas pela prática, o que significará a melhoria dos padrões de nossa ainda subdesenvolvida vida pública.

É sempre oportuno lembrar e ressaltar, a propósito da relevante matéria, a convocação feita pelo Senador Tarso Dutra, em 1971:

"Talvez a importância desta hora esteja na grande missão a cumprir pelo Instituto de Formação Política, já incorporado à legislação dos partidos pela inspirada iniciativa de João Calmon e que necessita libertar, sem mais demora, as poderosas forças de renovação e proselitismo que nele se contém, para desvendar novas lideranças e atrair outras dedicações ao serviço da vida pública brasileira." (Partidos Políticos — Tomo I — pág. 350.)

SEM ARREPENDIMENTO

A muitos pode parecer estranho terem as vozes de meu liberalismo convivido com a marcha orquestral da Revolução. A eles devo dizer que o sistema de exceção não foi administrado pelo Congresso Nacional. A responsabilidade, exclusiva e dinâmica, era de quem tinha o comando executivo da Nação, de modo concentrador.

Tanto quanto em mim coube, como se constatará, esforcei-me por fazer o máximo na elaboração da Carta de 1967, em termos de restauração da ordem democrática. E antes e depois desse período, jamais deixei de sentir, profundamente, as cassações de mandatos.

A cada ato dessa natureza, a consternação tomava conta do Parlamento. Duas razões me conduziam a esse traumatismo: (1) minha formação jurídica e (2) o sentimento de companheirismo.

Com precário acesso à informação, sempre, porém, que me chegavam rumores de que coestaduanos meus estavam a caminho do sacrifício, tais comentários me inquietavam e, através das lideranças governamentais, eu intercedia visando a apurar se a notícia tinha validade, e, nesta hipótese, a evitar a consumação do ato. A esse respeito, vários políticos capixabas da época — e todos eles, felizmente, estão vivos — podem dar seu depoimento.

Mas estas ressalvas não me colocam, de modo algum, na situação de arrependido. Ao contrário de ter colhido remorso, ratifico minha opinião integralmente favorável à Revolução, pois, diante do estado de coisas então reinante, sua eclosão correspondeu ao interesse nacional. Oporem-se-lhe restrições setoriais é razoável e até mesmo correto. Mas negar a sua necessidade absoluta, ou simplesmente renegá-la no seu todo, é obra de fanáticos, e estes jamais encontrarão domicílio na verdade histórica.

Sobre o Movimento de Março, no curso deste livro, figuram algumas páginas.

Por que sempre "minhas" Memórias?

Ao longo do texto desta obra, opero, permanentemente, no possessivo singular.

Faço-o, não por pedantice, mas pelo fato de as memórias serem de "minha" vida, de "meu" destino e de "minha" responsabilidade. Esse tipo de retrospectiva tem caráter intrínseco, como é sabido.

Mas a leitura, a análise e a crítica, se me honrardes com a "vossa" paciência, serão totalmente "vossas". Brasília, janeiro de 1988.

 

Fonte: Memórias – Eurico Rezende– Senado Federal, 1988
Compilação: Walter de Aguiar Filho, setembro/2018

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