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O azul do céu de Vitória - Por Ester Abreu Vieira de Oliveira

Praça Costa Pereira, 1958

Cresci ouvindo falar de Vitória, a capital de Espírito Santo.

Mãe Cinica nos contava sobre suas viagens a cavalo de Muqui a Vitória. Narrava sua passagem pelas fazendas dos compadres e parentes em Castelo, Cachoeiro e Guarapari até a sua chegada ao Convento da Penha. Eram dias de viagem durante a qual tomava conhecimento das novidades na convivência prazerosa com os acolhedores amigos, antes de atingir o ponto culminante da viagem: a entrega de suas oferendas de fé, no cume da encosta, onde ficava a Virgem da Penha, ricamente vestida, visão alcançada depois de subirem uma ladeira de pedras de difícil acesso. Eram peripécias que mexiam com meu imaginário.

Papai pouco dizia sobre Vitória, mas mamãe nos falava, com o seu entusiasmo mineiro e seus brilhantes olhos verdes, sobre o mar e a travessia perigosa de barco, depois da chegada à estação de ferro, quando ali esteve. Descrevia as ruas, o arborizado Largo Praça Costa Pereira, depois Praça da Independência e atual Praça Costa Pereira, o cinema, as lojas com seus produtos estimulantes para o consumo.

Meu irmão estudava em Vitória e nas férias, quando chegava a casa pouco falava da cidade. Minha irmã conheceu a capital, durante um Congresso Eucarístico e só mostrava o seu entusiasmo pela festividade de que tinha participado.

Foi em 1952 que vim a Vitória, pela primeira vez. Fui a última da família a conhecer essa cidade e aconteceu, quando vim visitar meu tio em Vila Velha, de onde vinha de ônibus, tomando poeira, na boleia, pois lá, atrás, eu me divertia com o sacolejo quando o ônibus passava pelas várias costelas da estrada. Era, como se diz, "um barato". Eu vinha a Vitória, também, de bonde, vendo o manguezal, passando por Aribiri, até Paul, onde fazia a travessia da baía de bote apreciando o ritmo das braçadas do catraeiro, os salpicos das águas em meu rosto e os pequeninos peixes da margem e, finalmente, degustava o prazer do salto para terra firme. Chegava ao cais e via um amontoado de areia, pedras e buracos na Esplanada Capixaba que sofria os ataques da expansão da cidade que tomava, então, as águas do mar, para construir, na orla do mar, a avenida por onde hoje correm os carros beirando o braço de mar da ilha, e produz o espetáculo da simultaneidade de dois transportes que caminham paralelos: o terrestre e o marítimo.

O mar, lindo-azulado de ondas brancas quebrando-se na areia. Ficava em Vila Velha, mas em Vitória estavam os atrativos: cinemas, os bares onde se tomavam sorvetes, principalmente o bananasprit, as ruas movimentadas, as lojas com portas coloridas de tecidos balançantes, sapatos expostos nas vitrinas e a área verde da cidade, o Parque Moscoso, que nos estimulava a imaginação com a sua lenda da existência de um túnel por onde fugiam os padres do atual Palácio do Governo, antigo Colégio Jesuíta, para participarem de uma vida mundana. Ali havia um lago, árvores e flores. Não havia livrarias na cidade, só papelarias, onde se pingavam livros didáticos e dicionários.

Em 1956, Vitória se transformaria para mim em um lugar onde encontraria cultura, trabalho, novos amigos e onde constituiria uma família. Estudava e dava aulas durante a semana, mas aos domingos ia de bonde às praias. Da de Santa Helena, não gostava, preferia a ensolarada e movimentada Praia do Canto, onde havia um trampolim do qual alguns jovens intrépidos saltavam para o mar; a Praia Comprida, onde se podia nadar, sem ondas bravias, logo a seguir a do Barracão, protegida pelas pedras, ou as mais limpas e humildes, claras e ensolaradas, no recanto da ilha, no Suá, hoje, perdido recanto pelo aterro e crescimento urbano, perto do antigo estaleiro do governo.

Com meus alunos do grupo Escolar Cerqueira Lima fiz excursões em rebocador pela baía para que pudessem ver de perto as várias ilhas, num total de 34, que contornavam a de Vitória, cujos nomes eles aprendiam: a ilha do Frade, a do Boi, a da Baleia, a do Soco, a da Fumaça, a do Baú, a dos Ovos, a dos Práticos, a das Pombas, a do Urubu, a do Príncipe, a do Papagaio, a do Sururu, a dos Bodes, a da Rasinha, a Cinzenta etc... Singrava o rebocador por esses recantos pelos quais, nós, professores, íamos explicando aos inquietos alunos, o nome de algumas ilhas, apontando lugares; aqui o Morro Péla Macaco por onde se exportam os minérios e o Forte São João; ali o Saldanha da Gama, onde os meninos podiam ver canhões apontando para um mar sem piratas em direção ao Penedo, e o presídio; acolá, o local onde os índios descansavam, quando traziam Anchieta, e outras lendas mais junto com os ensinamentos geográficos falávamos às felizes e inquietas crianças que, pela primeira vez, navegavam e estavam com o rosto banhado de sol e salpicado de maresia.

Contudo, foi só depois que comecei a perceber a diferença entre o céu azul de Muqui que me impregnava a alma de recordação e o de Vitória que me cegava com suas diferentes tonalidades, mais brilhante que o antigo por possuir reverberações de luz produzidas pelo reflexo da luz solar incidindo nas águas. Construção de nuances que tornam o azul do céu de Vitória inconfundível e de difícil reprodução. O sol incide nas águas, estas se refletem no verde das montanhas, no castanho escuro das pedras e nas ondas do mar, rebrilham na areia e jogam essa variada cor no céu, dando a ele, ainda que nublado, um matiz especial, inconfundível, que torna Vitória uma cidade luz, de dia e de noite.

Esta Cidade Água e Terra, contornada de azul-luz, construída na ilha de Guananira (Ilha do Mel), depois Santo Antônio e atual Vitória, passa a ser não só "Cidade Sol de um céu sempre azul', "um sonho de luz norte a sul", que "meu coração te namora e te quer", chamada também Cidade Presépio, para ser uma eterna Cidade Luz.

 

Fonte: Vitória, Cidade Sol – Escritos de Vitória nº 25, Academia Espírito-Santense de Letras e Secretaria Municipal de Cultura, 2008
Autora do texto: Ester Abreu Vieira de Oliveira Nasceu em Muqui, ES, em 1933. Formada em Letras. Doutora em Letras Neolatinas: língua espanhola e literaturas hispânicas. Poeta e ensaísta. Pertence à AFEL, de que é a atual presidente, e à AEL
Compilação: Walter de Aguiar Filho, setembro/2019

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A cidade mudou em quase tudo, e as pessoas também. Vitória, a minha Ilha do Mel, merecia um livro que falasse de suas coisas e pessoas, como depoimentos de Milton Murad, Renato Pacheco, Edgard dos Anjos, Cacau Monjardim, Marien Calixte e Marcelo Abaurre, conhecedores profundos de nossa história, Pena que faltariam os casos pitorescos dos queridos Ademar Martins e José Costa que partiram para outras galáxias

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