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O Bar do David - Por Miguel Depes Tallon

Caranguejo

Vitória já teve um rosário de bares, capaz de fazer inveja a qualquer cidade com pretensões a uma animada vida noturna. Um a um foram morrendo: o Tip-Top, o Jaú, o Santos, o Dominó, o QG dos Esportes, o Estrela, o Drink, o Mar e Terra, o Sagres, o Britz, o Bar do Olímpio e, por último, o Marrocos. Só o Bar do David vem resistindo, sobranceiro, à tempestade modemizante que, de algum tempo, vem lançando para Jardim da Penha e adjacências o movimento etílico da capital. Localizado em plena Paulino Müller, no coração de Jucutuquara, o Bar do David tem uma pré-história. É que nem sempre ele esteve onde hoje está (vê-se, pois, que não é mineiro). Nos anos sessenta, o bar estava mais para uma mercearia, que propriamente para bar. E ficava na rua de trás, na antiga Rua Velha, atual Lisandro Nicoletti. Ali, David Carminatti tinha uma mercearia, onde eventualmente alguns pinguços se reuniam para jogar conversa fora e botar algumas para dentro. Como o número de pinguços (alguns nem tanto, é verdade) fosse aumentando com o tempo, quase sem sentir o estabelecimento foi se despersonalizando como mercearia e se afirmando como bar. Em 1970, já decidido a assumir a nova natureza do bar, David o transferiu para o ponto onde hoje resiste bravamente ao processo que avança na direção de Jardim da Penha.

Como em 70 sobreveio a conquista da copa, David não teve dúvidas e batizou o bar de Copa 70. Mas, por uma dessas coisas que não se explicam (Newton Braga costuma dizer: "sabe-se lá o porquê das coisas do coração"), o apelido permaneceu mais forte, como se fora o nome principal. O fato é que, por mais de vinte e quatro anos, a Bar do David foi se firmando como um dos melhores — hoje, digo sem nenhum receio que é o melhor — bares de Vitória, um pouco botequim, um pouco bar, familiar mesmo, às vezes com crianças brincando entre as mesas (não como certas crianças que fazem de Herodes personagem favorita de muita gente), aprendendo diligentemente com seus pais, que é de cedo que se começa.

Ao longo dos anos, o Bar do David foi se especializando em frutos do mar e peixe, com o melhor caranguejo e as melhores moquequinhas de siri desfiado e de cação de Vitória. É verdade que para aqueles que freqüentam o bar e não gostam de frutos do mar ou de peixe (a grande pedida é o peixe espalmado), há o famoso queijinho: um queijo parmesão frito que só o Bar do David oferece e que. muitos já tentaram inutilmente imitar. Isso sem falar em duas outras grandes vantagens que o bar ostenta: a cerveja sempre gelada e a absoluta ausência de bêbados inconvenientes e serrotes (David não os admite).

Hoje, com o auxílio do filho, Roninho, e do Julinho, um mistos de garçom, maitre e enfermeiro, David vai tocando o barco, com uma clientela de mais de dois decênios, onde se destacam Rui Benezath, Ivantir Borgo, Márcio de Albuquerque, Marcos Passamani, Colatina, Oswaldo Victorino, Tarcísio Paustini, Anilton, Gutenberg Hespanha Brasil, José Augusto Cava, Iolanda Rizzo, Diolina, Adilson Bandeira Dias, Mauro Félix Gui-marães, Arnaldinho, Luluca, Lilico, Demuriê Pereira de Almeida, Toninho Berardinelli, Bolinha e "last but not least", o impa-gável filósofo Geraldo Rebello, também conhecido como "Teco-Teco", cultura universitária das mais prodigiosas, formado em sirologia (estudo dos siris, caranguejos e aratus) e patologia (es-tudo dos patos, gansos e marrecos), além de outras, que não sei se poderia citar.

O bar tem histórias incrivelmente hilariantes, que seus freqüentadores contam entre si, aos risos. Diz o David que ainda as vai reunir num volume, para diversão geral. De qualquer modo, o bar, que para alguns é o próprio escritório, é também um pouco um hospital (já está cientificamente comprovado que a cerveja faz bem para o coração), e até mesmo um hangar, já que até teco-teco pousa por lá. A verdade é que é bar para se ir quase todos os dias. Digo quase, porque por razões que já explicarei, estou excluindo a sexta-feira. É que profissional não bebe nesse dia. Só amador bebe às sexta-feiras. Profissional bebe aos sábados, domingos, segundas, terças, quartas e quintas. Menos às sextas. É que às sextas os bares estão cheios, as mesas são disputadas, o serviço é lento, a cerveja, quente. Enfim, mais que um bar, é um pedaço vivo de uma época, cada vez mais distante, onde uns últimos boêmios ainda emborcam, com toda tranqüilidade possível, seus copos.

Ah, e ao que me consta é o único bar de Vitória com entrega domiciliar de bêbados.

 

Fonte: ESCRITOS DE VITÓRIA — Bares, Botequins etc... – Volume 8 – Uma publicação da Secretaria de Cultura e Turismo da Prefeitura Municipal de Vitória-ES.
Prefeito Municipal - Paulo Hartung
Secretário Municipal de Cultura, Esporte e Turismo - Jorge Alencar
Coordenadora do Projeto – Miriam Santos Cardoso
Conselho Editorial – Joca Simonetti, Pedro J. Nunes, Sérgio Blank
Assessoria Técnica – Biblioteca Municipal de Vitória
Revisão – Reinaldo Santos Neves, Enyldo Carvalinho Filho
Capa – Wagner Veiga, acervo do artista
Editoração Eletrônica - Edson Maltez Heringer
Impressão - Gráfica e ITA
Autor do texto: Miguel Depes Tallon
Compilação: Walter de Aguiar Filho, fevereiro/2018

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