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O Espírito Santo no Romance Brasileiro

Graça Aranha

Sobre a eclosão e o desenvolvimento das correntes intelectuais consideradas modernistas ainda não li a declaração sincera e positiva de que tenha partido da obra de Graça Aranha, escrita no Espírito Santo, o primeiro impulso do atual movimento literário brasileiro.

Um dos mais sutis e completos críticos do assunto é, inegavelmente, Andrade Muricí. No seu livro “A Nova Literatura Brasileira”, estudando as correntes modernistas, começa com Mário de Andrade, em 1922. Citando, em segundo lugar Graça Aranha com a sua conferência proferida na Academia Brasileira de Letras em 1924, reconhece todavia ter sido este o “único fato exterior do movimento que conseguiu impressionar o público”. Depois de se referir ao trabalho de Murillo Araujo, “Modernismo e Aranhismo”, também de 1924, passa Andrade Muricí a se ocupar novamente de Graça Aranha, no “Espírito Moderno”, de que faz a seguinte crítica:

“Esforço mais intencional. Visava até a própria atitude do espírito. O exemplo de Barrés. “mestre da mocidade”, visivelmente impressionara o artista ilustre daquela “Chanaan” perenemente adolescente. A começar da “Estética da vida” Graça Aranha vinha se afirmando no sentido pragmático duma espécie de fascismo literário, que aspirava, longinquamente, a exercer influências na realidade de política do Brasil. “Espírito Moderno” determinou até movimentos concretos, dentro da chamada política literária.”

Como se vê, no trabalho de Graça Aranha transparece a tendência política, talvez a pretensão de reformar pela base social os destinos do país, o que equivale a um paralelo entre a extraordinária obra do escritor brasileiro e a de Marinetti, que abalou o mundo.

Se não me atrevo a dizer que Graça Aranha foi, em 1901, precursor em relação ao movimento que, em 1909 e em 1913, agitou a Itália fascista, deixo entretanto à consideração dos críticos o confronto entre as datas em que apareceram “Chanaan” e a produção de Marinetti, consagrado criador do futurismo, o que de certo revelará a grandeza, a surpreendente singularidade, a feição original de Graça Aranha, mesmo no pensamento universal contra a genérica afirmação de Afrânio Peixoto de que "tudo hoje, e sempre, é de todos".

Agripino Grieco, cuja autoridade em critica literaria não é excedida diz que o “"Chanaan", admirável romance de idéias, não envelheceu ainda”. E, adiante, acrescenta: "Tendo feito o "Chanaan", poderia, o escritor achar aí o seu próprio "poncif ", poderia repetir-se indefinidamente." Em outro ponto de seu livro "Evolução da Prosa Brasileira", afirma Agripino Grieco de Graça Aranha que foi ele "talvez a nossa primeira personalidade literária dos últimos tempos".

Quem quer que leia "Chanaan” não pode passar sem fazer algumas considerações a respeito do admirável livro. Não obstante, já ouvi opiniões firmadas sobre o demérito daquele trabalho, atribuindo-se-lhes haver concorrido para deslustrar as letras do Espírito Santo porque, com impenitente causticidade, mostrou a miséria do trabalhador brasileiro, a penúria do nosso "hinterland", a ausência de garantias, de solidariedade e de assistência dos governos para com os nossos patrícios do interior, a falta de justiça no Espírito Santo daquele tempo e porque, além disso, procurou colocar em oposição as duas grandes correntes civil-racionais do momento: a dos brasileiros decadentes, obrigados a emigrar das terras cansadas sem que os acompanhassem os cuidados necessários à vida e a dos europeus, que, com a sua situação assegurada pelo governo, vinham desbravar as terras incultas e nelas iniciar a formação da sua fortuna com a certeza da prosperidade infalível.

Grande é a injustiça que assim se faz ao escritor maranhense. O seu livro significa e revela, bem ao contrário, o patriotismo de um homem que no Brasil foi o sincero e ousado pioneiro do romance de idéias. No mesmo plano de Euclydes, da Cunha, que aliás não tratou dos nossos assuntos em romance. Graça Aranha, pela boca dos seus personagens, discutiu os problemas mais profundos da nacionalidade e foi um dos que com maior felicidade o fizeram até hoje.

O brasileiro estava, em "Chanaan", no fazendeiro Alfonso, esgotado, envelhecido, melancólico. A fazenda achava-se em ruína, numa contradição com a abastança da natureza. O espírito havia embrutecido. A indiferença dominando o homem. O brasileiro estava, ali, nos cafuzos passivos remanescentes da escravidão, saudosos dos seus maus tratos.

O Porto de Cachoeiro, habitado por estrangeiros ricos mais procurados com o comércio e já assimilados à politicagem perniciosa do tempo, porém, não é a civilização pátria, constituía um kysto perigoso. Milkau via, liricamente, em Porto de Cachoeiro o marco entre a civilização passada e a que resultaria da fusão da raça iasciva e triste dos nacionais com a energia e bela raça teutônica, mas Lentz imperialista e voluntarioso via o futuro da terra na imigração européia, que devia trazer consigo o propósito de governá-la e dirigi-la.

Santa Teresa era um começo de civilização. Por ali os tropeiros e trabalhadores brasileiros não falavam a língua vernácula. A natureza era peculiar a que tudo parecesse diverso. A ordem e o asseio reinantes nas propriedades dos colonos, do mesmo modo. Joca, maranhense, sentia-se em terra alheia. Lentz desdenhava o nosso sangue e sonhava substitui-lo, fundando, aqui um novo império. Nas festas, as danças eram estrangeiras, contra os esforços de Felicíssimo e as lições práticas de Joca.

A avidez do dinheiro levava os pais a ditar casamento aos filhos. Uma ligação sexual criminosa não tinha força de modificar semelhante hábito. A justiça não tinha organização capaz. O Ministério Público, sem garantias e sem estímulo, era exercido dificilmente. Sob um pessimismo avassalador sem remédio, o sentimento nacional rebelado ia ao extremo de preferir anular-se sob o guante de uma nação qualquer...

É nessa atmosfera que o jovem maranhense Graça Aranha elaborava o seu romance de idéias que ficou imortal e sob cuja influência, quem sabe, se modificou o ambiente, a ponto de se tornar nessa pujante realidade moral e espiritual da Channan de...[nota do site: não conseguimos a parte final deste artigo].

 

Fonte: Revista Annuário do Espírito Santo, 1937
Compilação: Walter de Aguiar Filho, dezembro/2017



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