O milagre do sino
Velho e trêmulo e cansado,
Frei Pedro Palácios,
O humilde franciscano
Que, ao serviço de Deus, viveu sempre a lidar
Naquele dia, fatigado,
Saiu a passear...
Doente embora,
Quis, uma vez ainda,
Na magia daquela hora,
Naquela tarde linda,
Ver a paisagem conhecida.
Pela última vez olhou...
E era aquele um olhar de despedida,
Olhar o último adeus.
Olhou o mar... Olhou a terra... Olhou os céus...
Olhou a floresta, sempre viridente...
Olhou a Vila-Velha, tão querida,
Lá na planície, em baixo, se espalhando...
E adivinhou que, no futuro,
Vitória que, atrás da linha
Azul e cinza escuro
Do horizonte se escondia,
Vitória cresceria,
Sob a proteção da Virgem
E das bênçãos de Deus...
Terra do Amor,
Terra da Poesia,
Vitória grande seria!...
Frei Pedro Palácios,
Que foi bondade e foi Amor,
Pôs-se naquele instante a cismar...
Lembrou o passado labor,
Em que, feliz, a predicar,
As canseiras de doze anos,
Esquecendo o revés e os desenganos,
Trouxe à proteção da Igreja
A alma do gentio...
E lembrou os Milagres da Virgem:
A água que manou da ressequida pedra,
A água – fonte da graça e da vida
Da pobre, humilde Ermida...
E lembrou as Palmeirinhas,
Tão sozinhas,
Lá no cimo do rochedo,
Os flabelos ao vento, a farfalhar...
E a Imagem da Virgem Santa
Que teimava em lá ficar...
Depois de olhar aquela tarde linda,
Sentindo-se mais fraco ainda,
Dirigiu-se Frei Pedro à Capelinha
Que inda hoje em ruína lá está,
Capela,
Outrora tão bela,
Construída em louvor de São Francisco.
Tinha as mãos trêmulas...
Estavam trêmulas, cansadas,
Aquelas santas mãos
Que, no santo labor, ajudaram a carrear
As pedras para erguer a Ermida das Palmeiras...
Estavam quase frias
As mãos
Divinas
Que, em gestos que iluminam,
A todos mostravam o Caminho da Fé,
Piedosas mãos que se ergueram em oração
Ou que se alçaram aos Céus,
Pedindo proteção, agradecendo a Deus...
Caindo ante o altar, ajoelhado,
Sentiu chegar o último alento...
Reclinou-se sobre a ara, beijando-a...
Chamou pela Santa, sua Protetora;
Pôs a mãos
Direita sobre o Coração...
Com lábios trementes,
Balbuciou uma prece, e sozinho morreu.
Blem! Blem! Blem!
Naquele mesmo momento,
O sino da Ermida
Começou a badalar!...
Blem! Blem! Blem!
Não! Não eram lufadas do vento
Que assim faziam o sino badalar...
Invisíveis mãos certo o tangiam...
Blem! Blem! Blem!
Mais um milagre da Virgem
A anunciar a morte do Santo.
Blem! Blem! Blem!
Era um toque tão dolorido,
Tão pungente,
Como se o bronze tivesse alma como a gente.
De perto, então, todos acorreram, o susto
No olhar, trânsidos pelo medo...
Todos olhavam a pobre Ermida,
Indagando o segredo.
Blem! Blem! Blem!
Continuava o sino a badalar...
Frei Pedro estava morto ante o altar.
Blem! Blem! Blem!
Naquele instante, lá embaixo,
Bramia
O mar, de encapeladas ondas.
Bramia
O mar, cuja fúria, um dia,
Ele aplacara com seu manto.
Bramia
E batia contra as pedras,
Revolvendo-se na areia...
Rugia o mar com as paixões humanas;
Rugia como a Vida enganadora...
Mas, para Ele, o Santo,
Era chegada a Paz,
Era chegada a Recompensa:
Como visão de Glória,
Entre siderações, brilhava o Céu!
Fonte: Torta Capixaba (Ensaios, crônicas, poesias...), 1962
Autor: Geraldo Costa Alves
Compilação: Walter de Aguiar Filho, outubro/2012
Saltando, do reinol, encontra a porta aberta... E o frei vagando, só, na praia — já deserta — Distante vê, na gruta, o abrigo que buscava
Ver ArtigoCrescia a concorrência do povo às horas da prece, na capelinha de São Francisco, o templo cujas ruínas ainda podemos apreciar, na orla do Campinho
Ver ArtigoTambém ouvida, por Gomes Neto, ao Padre Joaquim de Santa Maria Madalena Duarte
Ver ArtigoDo livro O RELICÁRIO DE UM POVO – Santuário de Nossa Senhora da Penha (1958, 2ª Edição), da autora Maria Stella de Novaes
Ver ArtigoDesde 1570 comemoramos a Festa da Penha oito dias após a Páscoa. Ela é a festa cristã pioneira da América
Ver Artigo