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O Rio Doce - Por José Schiavo

Capa da Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo, ano 1999

Não seria exagerado asseverar ser o RIO DOCE um dos principais rios do Brasil. Não tem ele efetivamente o volume d'água nem o número de afluentes que possui o Amazonas, cuja bacia se constitui de nada menos de seis mil rios. Não é tão profundo nem tão extenso quanto o Rio Negro. Não banha vários estados como o São Francisco. Não é lindeiro como são o Quaraim, o Uruguai, o Paraguai, o Javari e o Guaporé. Não é navegável em nenhuma parte do seu curso, salvo em pequeno trecho nas imediações de Colatina; e nenhuma de suas quedas d'água tem a notoriedade e a importância de Paulo Afonso ou a do Iguaçu. Longe está de equiparar-se o seu curso aos do Madeira, com 3.240 km. e ao do Purus, que lhe é quatro vezes equivalente. Nenhum deles, todavia — amplos, extensos, volumosos — banha, como ele, a região serrana (localizando-se as suas nascentes a cerca de dois mil metros de altitude); a do ouro, dos diamantes, dos metais, do café, da cana, da pecuária e a da mata; nem, como ele, oferece aspectos tão diversificados em zonas de tamanhos contrastes.

Foi subindo-o que o bandeirante paulista Antonio Rodrigues de Arzão, em 1693, seguindo a trilha aberta em 1567 por Marfim Carvalho e por Sebastião Fernandes Tourinho em 1572, deu começo à era das bandeiras. Embrenhando pela íngreme região das montanhas e das florestas, atingiu o imo da Capitania de Minas e encontrou ali o coração de ouro num tórax de ferro da expressão de Gorceix.

Com a descoberta do ouro, veio a interligação das Capitanias — do Norte, do Centro, do Sul, do Leste e do Oeste; o desenvolvimento agrícola que se lhe seguiu, e o enriquecimento da metrópole não houvesse esta transferido as fabulosas riquezas aqui hauridas à cobiçosa, avara e insaciável Albion.

Como outros rios mineiros, tem a sua origem nas vertentes da Serra da Mantiqueira. Infletindo a seguir para o Norte e para Leste, prossegue lentamente atravessando o vizinho Estado do Espírito Santo para ir entregar a suas águas ao Oceano Atlântico. Seu nascimento, ou melhor — sua formação —localiza-se propriamente pouco abaixo de Ponte Nova, frente ao Capotó, no encontro dos rios Piranga e Carmo, este trazendo em suas areias o ouro e os diamantes das antigas regiões de Vila Rica e da Vila do Carmo. Desce o Piranga das faldas da Serra da Mantiqueira, pouco abaixo de Barbacena, no município de Nossa Senhora dos Remédios. Como seus demais afluentes, é encachoeirado e impróprio à navegação. Sito entre as bacias do Paraíba, do Rio Grande, do São Francisco, do Jequitinhonha e do Mucuri, ou seja dos maiores rios mineiros, banha ele a região montanhosa, a da mata e a da planície, formando em seu longo e acidentado percurso nada menos de quatrocentas quedas d'água, dentre as quais as cachoeiras do Óculo, da Ponte, do Baguari, da Figueira, do Salto, do Inferno, das Escadinhas, a da Escura e do Alegre.

Alguns dos seus afluentes, como o Santo Antonio, e o Piracicaba, são portentosos.

Na região do Baixo Rio Doce, sita ao Norte do Espírito Santo, forma um dos seus afluentes diversas lagoas, algumas delas de grande porte, como a de Pau Gigante, a Juparanã e a Dourada.

Um dos primeiros atos do Príncipe Regente Dom João, ao aportar no Brasil em 1808 com a família Real, foi determinar a navegação do Rio Doce.

A Carta régia de 2 de dezembro desse mesmo ano propiciou o estabelecimento de quartéis na então ampla e indevassada Zona da Mata Mineira; o aldeamento de índios, o início das povoações, o cultivo do solo ubertoso, o desenvolvimento da pecuária e a comunicação do litoral com o interior. Deveu-se esse ato ao espírito esclarecido e progressista do notável ministro Dom Rodrigo de Sousa Coutinho, Conde de Linhares, cujo nome se perpetua no da cidade espírito-santense que demora próximo à foz do grande rio. "A resolução régia — comenta em suas Memórias para servir à história do Reino do Brasil o Padre Luiz Gonçalves dos Santos —mandando abrir novas estradas pelos sertões, por onde corre o RIO DOCE, e outros muitos que nele se vêm perder, até os limites da Capitania de Minas com a outra (refere-se aqui à do Espírito Santo), teve o condão de permitir o fomento do comércio recíproco e facilitar a povoação, atraindo-se novos colonos para o território que em razão da sua fertilidade, suscetível de numerosos ramos da cultura, da salubridade de seu clima, da bondade dos seus portos e da proximidade da Corte, augura grande florescimento futuro".

Com estas palavras (escritas em 1825) predisse o famoso memorialista uma fase de prosperidade e riqueza nacional através do devassamento da bacia do RIO DOCE, sem dúvida das mais bem dotadas que possui o Brasil.

É de assinalar que, mesmo antes da determinação régia de 1808, o Capitão-mor Antonio Alves da Silva Pontes, governador do Espírito Santo, havia tentado a navegação do Rio Doce, atingindo a Cachoeira das Escadinhas (hoje desaparecida). Dali, todavia, não pôde passar. Em 1819 constituiu José Alexandre Carneiro Leão uma Companhia destinada à navegação do mencionado rio. Outra tentativa frustrada foi a de João Diogo Sturz em 1834, com a sua "Empresa da Companhia de Navegação, Comércio e Colonização do Rio Doce", organizada em Londres e autorizada por decreto imperial de 8 de janeiro de 1830 pelo Regente Feijó.

Resultaram inúteis todas essas tentativas.

O Imperador Dom Pedro II foi até Linhares em 1860 visitar a foz do grande Rio. Vinte e sete anos depois vinha ele a Ponte Nova e, inclinando-se ante a confluência dos rios Piranga e Carmo, bebeu a água em suas nascentes, prestando assim ao Rio insubmisso as suas soberanas homenagens.

 

Fonte: Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo nº 52, 1999
Autor: José Schiavo     
Compilação: Walter de Aguiar Filho, setembro/2014

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