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Os índios selvagens, a Vila de Itapemirim – Por Saint-Hilaire

Piúma antiga - Foto: Ady Brunini

Depois de haver deixado Muribeca, para percorrer a Província do Espírito Santo, atravessei, primeiro, florestas virgens.

Passei, a seguir, por um terreno onde exclusivamente se vê saibro puro e onde crescem as espécies de plantas que eu havia observado em local semelhante, perto de Cabiunas.

Por fim, ao termo de algum tempo, encontrei-me outra vez à beira do mar, numa praia firme e arenosa como aquela em que eu havia caminhado na véspera. Desde o Rio de Janeiro vinham-se constantemente comentando os perigos a arrostar, entre Muribeca e Itapemirim, em razão dos índios selvagens, e induziram-me, por toda parte, a fazer-me acompanhar por homens bem armados.

Assim, antes de partir de Muribeca, pedi ao administrador permissão para que alguns dos seus negros fossem comigo até Boa Vista, posto militar do qual já falei.

Deu-me o bom padre três escravos, que já haviam lutado contra os índios, armados de espingardas e facão de mato.

À medida que avançávamos, cuidavam os negros de mostrar-nos os diversos sítios em que haviam aparecido, desde alguns anos, esses inimigos ditos antropófagos.

Ouvindo nossos companheiros, meus criados se acercavam assustados; o mais profundo silêncio sucedia às narrativas espantosas daqueles escravos e, constantemente, o arrieiro Manuel da Costa olhava a floresta que guarnece a margem e da qual era possível que surgissem os índios.

No tempo da expulsão dos Jesuítas, não havia selvagens em todo este distrito; somente seis ou oito anos depois dela, começaram eles a cometer estragos (escrito em 1818). Da primeira vez que se fizeram notar, mataram animais a dentadas, cavalos, homens; e depois renovaram carnificinas e devastações.

Citarei um fato que me foi narrado por dois dos meus negros e terei cuidado em nada alterar. "Os selvagens atacaram, há um par de anos, os vaqueiros de Muribeca e se apoderaram de um negrinho de 10 a 12 anos de idade. Sabendo o que se passava, o chefe da fazenda mandou imediatamente, no encalço dos indígenas cinco escravos bem armados, entre os quais estavam esses meus dois negros.

Os escravos surpreenderam os selvagens sentados ao redor de uma fogueira e, atacando-os a tiros de espingarda, mataram muitos. Depois, aproximando-se do fogo, encontraram o corpo do negrinho, do qual os índios haviam arrancado pedaços que já estavam assados em parte. Cortaram, para mostrá-la a seu chefe, a cabeça de um dos índios que morreram no lugar e enterraram os restos do negrinho". Felicíssimos fomos em regressar ao posto de Boa Vista (Bela Vista) sem nos haver aparecido qualquer selvagem.

O posto, como já disse, foi instalado depois que os índios começaram a fazer devastações nesta província. Compõe-se de vinte homens comandados por um subtenente (alferes) e alguns deles são continuamente destacados para defender as margens do Rio Cabapuana e outros pontos igualmente ameaçados.

A casa onde se alojam os soldados está numa colina que se ergue a pique acima do mar. Construída de barro e madeira, é coberta simplesmente com palha, e os ventos que reinam sem cessar nesta costa danificam essa cobertura. Em torno dessa grande barraca, o mato é queimado pelos soldados, que cultivam alguns legumes; mas, além disso, só se vêem por trás da colina, ilimitadas florestas no meio das quais as sapucaias se destacam pela imensa quantidade de flores vermelhas de que se cobrem. Do outro lado do posto, a costa continua a erguer-se acima do nível do mar; quase por toda ela as águas arrancam grandes porções do terreno e o barro, cortado verticalmente, contrasta, por sua cor vermelha, com o verde exuberante das florestas que dele brotam. Em frente a Boa Vista vê-se, à flor da água, a pequena Ilha das Andorinhas, onde irrompem alguns matagais. Finalmente, ao pé mesmo da colina em que a caserna foi construída, há um alpendre destinado a abrigar os soldados que montam guarda durante a noite. Visto da beira do mar, o conjunto desta paisagem tem efeito extremamente pitoresco. A Ilha das Andorinhas, de que acabo de falar, não tem água e não poderia, portanto, ser habitada. Entretanto, como o peixe ali é abundante, os homens da Vila de Itapemirim vão para lá com as necessárias provisões, apanham o peixe e levam muito tempo para secá-lo. Deixando Boa Vista para ir a Itapemirim, atravessei uma floresta e em pouco tempo me encontrei no lugar que, depois de Curralinho, oferece uma areia sólida, sobre a qual se anda sem afundar os pés.

Na parte vizinha do posto, o terreno que margeia o riacho se ergue a pique; mais adiante, porém, mostra lenta declividade. As primeiras plantas que se acham além da areia nua são: uma Amarantácea de folhas verde-mar e uma Convolvulácea de caule rasteiro e grandes folhas, comum às margens do mar perto do Rio de Janeiro. Vêm, a seguir, os arvoredos que eu já havia observado do lado do Rio das Ostras, bem como em Manguinhos, no meio dos quais brota aqui grande quantidade de guriris, essas palmeiras anãs de que falei noutra parte e que em geral não são raras em toda esta porção do litoral (Allagoptera pumila Neuw Nees).

Mais para diante, surgem as matas virgens. A vegetação que acabo de descrever não é, contudo, peculiar ao lugar vizinho de Boa Vista; observei-a ainda, por longo tempo e seguidamente, antes de voltar a este posto. O oficial que o comandava me havia cedido quatro soldados para me acompanharem por um trecho do caminho em que ainda se corria perigo. Esses militares fizeram questão de mostrar-me uma casa cujos habitantes haviam sido mortos pelos selvagens. Quando se deram esses acontecimentos, um indivíduo, que foi extremamente feliz por escapar, refugiou-se no posto de Boa Vista. No mesmo instante, foi mandado um destacamento no encalço dos indígenas; foram eles alcançados e muitos mortos pelos portugueses. Encontraram-se os corpos dos colonos chacinados; os selvagens não lhes haviam desarticulado os membros, mas tiraram-lhes as carnes e só lhes deixaram a cabeça intacta. Estes fatos, dos quais um dos meus soldados disse-me ter sido testemunha ocular, e aqueles que me haviam narrado os escravos de Muribeca, tendiam a provar a realidade da antropofagia; mas creio aconselhável não aceitar plenamente essas narrativas de homens incultos, animados pelo ódio e suscetíveis de criar fantasias em torno de suas ações.

No lugar chamado Ceri vêem-se, em grande número, choças que as freqüentes incursões dos índios selvagens obrigaram a deixar em abandono.

Deste modo, o vasto Império do Brasil, que em outra parte apresenta uma extensão de 36 graus de Oriente a Ocidente, é aqui, na verdade, limitado a uma praia estreita e despida de vegetação. O único habitante de Ceri, no tempo de minha viagem, era um velho que havia passado toda a vida nesse lugar deserto e não se decidia a abandoná-lo, mesmo que viesse a cair morto nas mãos dos indígenas. Não me desinteressei de saber a que raça pertenciam os índios que devastam esta parte do Brasil. Os homens mortos pelos negros de Muribeca tinham os lábios e as orelhas furadas, mas os que os soldados da Boa Vista mataram não apresentavam nenhum orifício artificial no rosto.

Daí se conclui que as florestas vizinhas desta costa dão asilo a duas nações diferentes.

Os selvagens que haviam morrido em Muribeca eram, evidentemente, botocudos, e como a tribo de que faziam parte só ficou alguns anos no litoral, é de crer que vieram das fronteiras de Minas e que as perseguições das divisões militares os fizeram resolver-se a abandonar seus velhos abrigos. Segundo alguns portugueses, os índios inimigos, de lábios e orelhas que não são furados, seriam apenas os Coroados, semicivilizados de São Fidélis, que, depois de se terem mostrado amigos dos portugueses, foram assassiná-los na vizinhança de Itapemirim. Como, porém, os Coroados de São Fidélis puseram todo o empenho em transpor vinte léguas de mata, para praticar tal traição? É evidente que essa história foi imaginada, a fim de tornar os índios mais odiados. Os que motivaram os fatos de que neste momento nos ocupamos pertenciam, sem dúvida, à nação dos Puris, os quais não se reuniram em aldeamento (escrito em 1818).

Os soldados que me haviam escoltado despediram-se de mim, logo que passei o Ceri; mais longe, viam-se, a espaços, palhoças habitadas. Afastei-me da beira do mar a cerca de meia légua de Itapemirim. O terreno, a princípio algo montanhoso, volta logo a ser perfeitamente plano.

Este distrito parece ter sido, outrora, coberto de matas, mas hoje apenas, se vêem bosques esparsos, entre as plantações de cana ou de mandioca; principalmente na vizinhança da vila é que se encontra grande número de cabanas. A campina tem aspecto alegre e é extremamente semelhante às cercanias de Taquaruçu, perto do Rio de Janeiro.

Entrei na vila nascente de Itapemirim por uma grande praça onde se ergue o pelourinho; construída só em parte de sua circunferência, fica inteiramente aberta do lado da estrada.

Eu tinha carta de recomendação para um dos principais moradores da vila, o senhor Capitão Francisco Coelho; estava ele em sua fazenda, enviei-lhe a carta por um mensageiro e mandei descarregar minha bagagem na porta de sua casa. Sem demora, o senhor Coelho teve a bondade de me enviar as suas chaves por um filho e, acompanhado por esse menino, fui imediatamente, visitar o pai.

Estando a Vila de Itapemirim localizada à direita do riacho do mesmo nome e a fazenda do Capitão Francisco Coelho à margem esquerda, embarquei numa piroga, para atravessar a água. O riacho do Itapemirim está orlado de altas gramíneas e de arbustos do mais belo verde e se introduz por uma região plana e alegre, entrecortada de bosques e pastagens.

Sentado em minha piroga, divisava no horizonte a cadeia de montanhas em meio à qual se levanta o pico chamado Morro do Frade, e via perto a Vila de Itapemirim, que, constituída de pequeno aglomerado de casas cobertas de palha, não parece mais que uma aldeia.

O capitão Francisco Coelho me acolheu de modo mais cortês e afetuoso e mandou dar-me provisões que eu não teria podido certamente consumir por uma semana inteira.

A Vila de Itapemirim está apenas em formação, mas o nome que tem, e que em guarani significa pequena pedra chata, foi dado a seu território pelos índios, provavelmente mesmo antes do descobrimento do Brasil, pois já o encontramos citado no relato muito interessante de Jean de Léry, publicado por volta dos meados do século XVI.

É possível que nesta parte tivesse havido choças de índios ou cabanas de portugueses. Somente em junho de 1811 foi que se deu a Itapemirim o título pomposo de Vila.

O distrito que tem esta vila por cabeça de Comarca é administrado por dois juízes ordinários; começando em Santa Maria, que fica a meia légua de Cabapuana, do lado do sul, estende-se para o norte até a praia chamada Piabanha e não conta mais de nove léguas de sul a norte. Do lado do Oeste apresenta extensão ainda menor e é subitamente limitado por florestas que somente são habitadas por selvagens. A população inteira desse pequeno distrito sobe, como me disseram, à média de 1.900 almas.

Situa-se Itapemirim na margem meridional do pequeno rio de igual nome, pouco mais ou menos a meia légua do mar. A pretensa vila é somente um lugarejo composto, se tanto, de 60 casas, na maior parte cobertas de palha e nas mais deploráveis condições. Essas cabanas formam uma única rua muito curta e a praça inacabada, de que falei mais atrás. A igreja, um pouco distante da vila, é por demais pequena e nem mesmo tem campanário, mas, do alto da colina em que se construiu, descortina-se pitoresco panorama, aquele que eu já havia admirado ao atravessar o Rio Itapemirim. Alegre planície se estende de todos os lados e apresenta um conjunto encantador de pastagens, bosques e terrenos de cultivo.

O Rio Itapemirim banha os campos descrevendo numerosas curvas e do lado do nordeste o horizonte é limitado por altas montanhas, que sem dúvida, fazem parte da cadeia marítima.

A Vila de Itapemirim, se não tem hoje grande importância, está destinada a adquiri-la, por sua posição. A entrada do rio, estreita e difícil, não tem na verdade mais de oito a nove palmos de profundidade; mas tal volume de água é suficiente para embarcações que carregam 60 caixas de açúcar e, às vezes, mais; e essas embarcações, podendo voltar até pequena distância da vila, apanham o açúcar, por assim dizer, à porta de várias fazendas.

Os terrenos que margeiam o Rio Itapemirim, sem terem a milagrosa fertilidade das terras dos arredores de Campos, devem ser considerados, entretanto, muito férteis, pois permaneceram 20 anos sem nunca descansar jamais e sem serem adubadas. Produzem, igualmente bem, arroz, feijão e mandioca; mas, é a cana-de-açúcar que interessa aos agricultores, pois sua cultura ocupa, principalmente, os habitantes da região. Na época da minha viagem, contei nove engenhos de açúcar nos arredores de Itapemirim, e várias outras colônias plantavam cana-de-açúcar sem ter moenda, remetendo sua colheita a qualquer proprietário de engenho, com o qual dividiam o produto.

Os colonos das cercanias de Itapemirim cultivam algodão, mas para uso próprio. É justamente, para o consumo da região que se planta arroz e feijão; todavia, não é raro que os agricultores venham a ter excedente desses gêneros, que enviam para o Rio de Janeiro.

 

Atravessando os arredores de Itapemirim, fiquei admirado por ver tão grande quantidade de terras apropriadas à plantação de cebolas. Enquanto na quase totalidade do Brasil e na Vila da Vitória, por exemplo, esse vegetal só vinga à custa de cuidados e quando a terra está estrumada, aqui, ao contrário, ele se multiplica com extrema facilidade, e é no lugar um ramo de exportação muito importante. De Itapemirim fazem-se remessas de cebolas para o Rio de Janeiro, a Vila da Vitória e Campos e, por ocasião de minha viagem, o punhado de cebolas que se dava por 80 réis, nos sítios onde haviam sido colhidas, revendia-se por 320 réis na capital da Província do Espírito Santo.

Pequenas barcas e grandes pirogas, carregadas de cebolas, seguem de Itapemirim para a Vila da Vitória e voltam com produtos de olaria.

Aqui esse vegetal não se semeia; é plantado a partir de bulbos às vezes já brotados e com pequenas novas folhas, durante a lua nova de março; em junho se arrancam os talos grossos, separam-se os novos talos, que são replantados e se faz a colheita definitiva em dezembro. Este modo de desdobramento prova até que ponto, neste afortunado clima, a vegetação é exuberante e vigorosa.

A maioria dos agricultores de Itapemirim envia seu açúcar, por conta própria, aos comerciantes do Rio de Janeiro, ou confia sua venda aos comandantes dos barcos.

Na região só se desfazem do produto de sua colheita os que se acham forçados, por necessidade de dinheiro, ou os que não fabricam açúcar bruto ou mascavo bastante para encher uma arca.

Quando de minha viagem, o melhor açúcar branco vendia-se em Cachoeiro de Itapemirim por 2 mil-réis a arroba.

Quatro ou cinco barcos eram suficientes para transportar todo o produto que Cachoeiro de Itapemirim destinava à Capital. Com vento favorável, não gastavam mais de três dias na viagem. O frete era pago à razão de 100 réis por arroba.

Deixando Itapemirim (4 de outubro de 1818), fiz meia légua pela mata e voltei à foz do rio.

Essa foz é uma parte formada pelas areias que as águas amontoou e, como já disse, não resta às embarcações outra passagem além de um canal estreito e difícil de 8 a 9 palmos de profundidade. Quanto às nascentes do Rio Itapemirim, parece não serem ainda conhecidas. Do lado de cima da vila, as pirogas podem subir esse pequeno rio por espaço de mais ou menos oito léguas, mas, daí em diante, são detidas, por quedas de água, ou por cascatas.

É pela própria embocadura do rio que se passa, quando se faz por terra a viagem do Rio de Janeiro ou de Campos para o norte do Brasil. Não tendo ninguém querido arrendar esse lugar de travessia, por ser empresa pouco lucrativa, dado o pequeno número de pessoas que seguem tal rota, ficou ele a cargo do fisco. Para atingir o outro lado de Itapemirim, voltei a percorrer uma praia arenosa, triste e solitária, orlada por variada vegetação, já observada noutra parte.

Durante toda a viagem só achei, em floração, plantas comuns; não percebi nenhum inseto; não encontrei um viajante e até Taopaba, não vi qualquer cabana. Os próprios passarinhos abandonaram esta praia, onde não se encontra água doce e se fica ensurdecido pelo rumor monótono das ondas do mar, que se vêm desfazer na areia. Em Taopaba, onde há uma choupana, a região aparece um pouco montanhosa e os rochedos obstruem a praia. Aí, distanciei-me do oceano e, depois de haver atravessado uma mata virgem, em que notei grande número de Lecythis carregados de flores, voltei ao povoado do Agá. As choças que o compõem são construídas à beira do mar, ao fundo de pequena casa, e atrás dessa mesquinha morada há certa extensão de terreno, hoje cultivado ou que antigamente o foi. Parei na casa do principal proprietário desse sítio. Seu aglomerado se constitui de várias cabanas muito pequenas, unidas e construídas sem ordem num campo que se estende até o mar e onde se plantaram laranjeiras esparsas. Ao fundo do campo há uma colina, com os flancos cobertos de relva, no alto da qual, quando de minha viagem, haviam plantado mamona e algodoeiros. Numerosas bananeiras completavam essa plantação e ostentavam horizontalmente suas folhas todas, as quais, mesmo as mais novas, estavam rasgadas em lâminas estreitas, pelo vento impetuoso, que se desencadeia sem cessar sobre essa costa.

Atrás da colina de que falo, levanta-se um monte arredondado, quase a pique, formado de um rochedo cinzento, sobre o qual só se vêem umas plantas esparsas. Por fim, pelo lado da pastagem, há matas virgens, embelezadas pelos Lecythis de flores vermelhas e de tronco elevado.

Essa paisagem muito variada empresta algo de solene ao barulho dos ventos e ao estrépito monótono das vagas marinhas.

Desde que eu viajava, os ventos sopravam sempre do nordeste. Mas, se são desagradáveis pela violência, têm pelo menos a vantagem de refrescar extraordinariamente a atmosfera e desde o Rio de Janeiro o calor não me vinha incomodando muito, quando seguia à margem do mar, ao passo que, nos arredores de Campos, a algumas léguas da praia, era eu atormentado pelo sol.

Ao sair de Agá, distanciei-me momentaneamente do mar, para achar-me logo em seguida na praia, após atravessar uma parte de mata virgem. Aqui a vegetação é mais robusta do que a que eu havia observado nos dias anteriores, os arbustos são mais altos, sua folhagem apresenta verdor mais fresco e menor número de galhos secos. Algumas léguas além de Agá, chega-se à foz do pequeno Rio de Piúma, diante da qual há três ilhotas de escassa importância.

Disseram-me que esse rio não tem mais de oito léguas de curso e, se embarcações de fraca tonelagem algumas vezes nele entram, é apenas para se colocarem ao abrigo dos ventos contrários. Acham-se na embocadura do Piúma algumas choupanas habitadas por índios civilizados, que vivem da pesca e cultivam um pouco de terra, perto da praia. Entrei numa de suas casas, construídas com regularidade e divididas, no interior, em numerosas peças, mas em que não se haviam empregado outros materiais senão compridas varas e folhas de palmeiras. As outras cabanas, são, segundo o costume da região, construídas com barro e madeira. Antigamente, às margens do Piúma, havia mais índios do que hoje; o receio dos Botocudos fez fugirem os que se tinham adiantado pelas terras adentro; outros retiraram-se, para satisfazer a inconstância natural da raça e para evitar os vexames de que são sempre alvo na Província do Espírito Santo.

Uma ponte de madeira tinha sido construída, há alguns anos, sobre o Rio de Piúma, mas no tempo de minha viagem estava quase totalmente inutilizada e para atravessar a água, usava-se uma piroga. Não era ainda certo ficar por conta do fisco esse transporte. Além de Piúma, torna-se a região montanhosa e entra-se na mata, tudo anunciando a vizinhança de uma vila de alguma importância, pois, consecutivamente, se vêem cabanas, terrenos cultivados e outros que o haviam sido. A Vila de Benevente logo se mostra entre os arvoredos; oculta-se muitas vezes, para reaparecer instantes depois, e oferece ao viajante uma série de paisagens muitíssimo agradáveis.

 

Nota do site: A obra "Viagem ao Espírito Santo e Rio Doce", de Auguste de Saint-Hilaire foi originalmente publicada em Paris, em 1833, formando os Capítulos VII a XV de "Voyage dans le District des Diamans et sur le Littoral du Brésil"

 

Fonte: Viagem ao Espírito Santo e Rio Doce, 1974
Autor: Auguste de Saint-Hilaire
Compilação: Walter de Aguiar Filho, julho/2015

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