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Pobre Vasco! - Por Francisco Aurélio Ribeiro

Vasco Coutinho - Acervo: Casa da Memória de Vila Velha

Não, não estou me referindo ao time de futebol, nem ao ex-prefeito de Vila Velha, mas, sim, ao primeiro donatário da Capitania do Espírito Santo, Vasco Fernandes Coutinho, hoje, nome de colégio, em Vila Velha, e o que mais? Há, no Espírito Santo, além de Vila Velha, cidade, bairro, rua, hospital, biblioteca, comenda, com o nome do "Pai do Povo Capixaba"? Sei que Domingos Martins, Maria Ortiz, Anchieta, Jerônimo Monteiro, Afonso Cláudio, Rubem Braga, Augusto Ruschi são nomes bem lembrados, mas e o Vasco Coutinho, o que fizeram com ele? Uma grande injustiça, que redundou em esquecimento coletivo, fruto de difamações e inverdades históricas. Por quê?

Acabei de ler A Coroa, a Cruz e a Espada, do Eduardo Bueno, na lista dos mais vendidos, e achei-o repleto de chavões, preconceitos e inverdades repetidos desde os primeiros historiadores sobre o nosso primeiro donatário. O fato é que, em 1550, exceto as capitanias de Pernambuco e S.Vicente, todas as outras estavam abandonadas ou arruinadas. Aqui, a população de Vila Velha se mudava para Vitória, refundando a capital da capitania, mas as nossas vizinhas estavam em situação pior. Francisco Pereira Coutinho, da capitania da Bahia, foi morto e comido pelos Tupinambás, em 1546; Jorge Correia, de Ilhéus, nem chegou a vir. Mandou um castelhano, Francisco Romero, que foi preso pelos colonos e mandado de volta "a ferros". Pero Tourinho, de Porto Seguro, foi preso, acusado de heresia e enviado pra Lisboa, em 1546; Pero de Góis, donatário de S. Tomé, perdeu a batalha, o olho e a capitania para os Goitacazes, em 1548. Por que só o Vasco Coutinho levou a fama de "desastrado, infeliz, miserável, fracassado"?

Ao contrário da maioria dos donatários, Vasco Coutinho manteve a posse e autonomia de sua Capitania, que se tornou Província e Estado com o mesmo nome, Espírito Santo. S. Tomé, Porto Seguro, Ilhéus, Itamaracá, Sant'Ana, S. Vicente e outras desapareceram ou se tornaram, apenas, cidades. A família dos Coutinho manteve a Capitania do Espírito Santo em seu poder de 1535 a 1675, por 140 anos. O último da família, Antônio Luiz Gonçalves da Câmara Coutinho, rico e letrado, foi governador de Pernambuco e governador-geral do Brasil, vendeu a capitania por 40.000 cruzados, uma fortuna na época. Vasco Coutinho não morreu pobre, "sem um lençol que o cobrisse", em Portugal, mas em sua Capitania, o seu "Vilão farto", que deixou para seu filho de mesmo nome. Seus ossos estavam numa arca na Santa Casa de Misericórdia, em 1682,conforme Mário Freire, em A Capitania do Espírito Santo, belíssima reedição organizada por Fernando Achiamé e Reinaldo Santos Neves, publicada pela Lei Rubem Braga. Excomungado pelo bispo Sardinha, em 1553, em Olinda, por seu hábito de "beber fumo", Vasco Coutinho se defendeu dizendo que "nessa terra o fumo cura os homens e as alimárias de muitas doenças". O próprio superior dos jesuítas, Manuel da Nóbrega, em carta escrita em 1549, afirmou: "Todas as comidas desta terra são difíceis de desgastar, mas Deus remediou a isso por uma erva cujo fumo ajuda a digestão e a outros males corporais, pois purga a fleuma do estômago", (Bueno, p.207-8). Nem Vasco nem Sardinha nem Nóbrega, estavam todos errados quanto ao fumo, a prática mostrou.

Enfim, passa da hora de reabilitar o nome de Vasco F. Coutinho e de lhe fazer justiça. Não foi um vilão, nem um fracassado, mas um herói de seu tempo, corajoso, guerreiro, conciliador, que fundou uma capitania abençoada pelo nome de Espírito Santo, hoje, o nosso belo, diverso, mestiço, plural Estado do Espírito Santo. Vitória, nossa capital, consagrada a S. Maurício e a Nossa Senhora, nunca foi tomada por franceses, ingleses e holandeses, pela coragem de sua população constituída de mulheres como Maria Ortiz, índios como Araribóia, negros e caboclos, cafuzos e mamelucos, nossos antepassados. Quando o Rio foi tomado pelos franceses, em 1565, quem a socorreu foram os capixabas. As minas de ouro e diamantes surgiram na capitania do Espírito Santo. Humildemente, empobrecemos, para que surgissem as Minas Gerais e suas igrejas barrocas, nossa irmã mais nova. Aqui, nasceu a literatura em terras brasileiras, nos poemas e teatros, bem como a educação jesuítica, além da música, com Francisco de Vacas, o primeiro músico profissional em terras brasílicas. O Espírito Santo continua injustiçado pelas verbas de Brasília, pelo desconhecimento do resto do país e pelas inverdades históricas. Está passando da hora de mudar esse disco e de fazer justiça a quem de direito.

 

Fonte: Adeus, amigo e outras crônicas – Editora Formar, 2012 - Serra/ES
Autor: Francisco Aurélio Ribeiro
Compilação: Walter de Aguiar Filho, março/2020

Vasco Fernandes Coutinho

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