Religiosidade - Um passeio pelo Centro de Vitória
"As marcas exteriores da devoção estavam por toda parte. Nos nomes das igrejas, dos cais, e também nos nomes dos fortes, a vila estava entregue à proteção dos santos".
Carol Abreu - Vitória - Trajetórias de Uma Cidade.
Um passeio pelo Centro de Vitória dá uma dimensão da influência da religião em sua história e arquitetura. Influência ditada fortemente pela presença dos padres jesuítas — os primeiros a chegar, dentre as ordens religiosas que participaram da colonização do Espírito Santo. Igrejas edificadas, especialmente na Cidade Alta, são elementos próprios da infância da cidade.
O realce da presença dos jesuítas está expresso no Colégio Santiago, que se tornou a principal referência arquitetônica da Vila. Aos jesuítas cabia o papel de catequização e controle do cotidiano da população.
Também foi iniciativa dos jesuítas a criação das Confrarias da Caridade (1554) e da Piedade (1556), até hoje ativas. Essas confrarias comumente uniam devotos de um mesmo ofício ou de um mesmo grupo étnico. No século XVI havia em Vitória cerca de dez confrarias e ordens terceiras, ligadas a jesuítas e franciscanos. No século XVIII eram mais de 20 as irmandades.
As irmandades e o credo que professavam eram tão fortes que mesmo após a expulsão dos jesuítas foram construídas a igreja de São Gonçalo, erigida pela confraria dos homens pardos ou Confraria de Nossa Senhora do Amparo e da Boa Morte, e a igreja do Rosário, que abriga a devoção de São Benedito e foi construída pela Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos.
Um passeio no Centro de Vitória transporta transeuntes a histórias de vidas que se entrecruzaram, na quase sempre difícil tarefa de construir uma cidade. Parte dessa labuta foi posta abaixo, mas o que ficou encanta. A Cidade Alta marca o princípio, com a Matriz de Nossa Senhora da Vitória, Capela Santa Luzia, Igreja de São Gonçalo, Igreja do Rosário, Capela Nossa Senhora das Neves. Próximo fica a Igreja do Carmo.
No enredo do tempo foram destruídas a Igreja de São Tiago, Igreja de São Francisco, Igreja da Misericórdia, Igreja de Nossa Senhora da Conceição da Prainha.
Matriz de Nossa Senhora da Vitória
O nome a matriz ganhou em homenagem à vitória dos portugueses colonizadores contra os índios goitacáses no início da colonização de Vitória. Fato acontecido a 8 de setembro de 1551, dia da padroeira da vila, santa de devoção de Vasco Fernandes Coutinho. Diz Elmo Elton que a data da construção da velha matriz confunde-se com a fundação de Vitória. A data na realidade registra a consagração da igreja que se iria construir, conforme registra Velhos Templos de Vitória e Outros Temas Capixabas, de Elmo Elton.
A matriz foi sede de atos de fé fervorosa e de tumultos. Passou por reformas e reconstruções. Em 1785 foi reformada, caindo depois em quase total decadência. Em 1918 foi demolida por ato D. Dom Benedito Paulo Alves de Souza. Com a demolição, muitas imagens e alfaias se perderam e a imagem da padroeira, de roca antiquíssima, desapareceu.
Quase no mesmo local, foi edificada a Catedral Metropolitana de Vitória. A construção iniciada em 1920, só foi concluída nos anos 70. Projetada em estilo neogótico pelo desenhista e paisagista Paulo Motta, com uma única torre ao Centro, a Catedral teve seu projeto inicial alterado devida ao longo tempo de paralisação das obras. André Carloni, nos anos 30, reiniciou as obras mantendo o estilo neogótico, mas com duas torres sineiras.
Igreja de São Gonçalo
Erigida possivelmente em 1707, a Igreja de São Gonçalo já foi conhecida como capela de Nossa Senhora do Amparo e da Boa Morte. Ganhou o nome São Gonçalo em 1766. As festas tradicionais da igreja, habitualmente precedidas de recitação do rosário e ladainhas, foram sempre a procissão de Nossa Senhora da Boa Morte, realizada em 14 de agosto, e a de Nossa Senhora da Assunção, no dia seguinte.
As procissões são acompanhadas por homens e mulheres da Arquiconfraria, que mantém cemitério particular no bairro de Santo António. A igreja de São Gonçalo é tombada pelo Patrimônio Histórico e Artístico Nacional desde 8 de novembro de 1948.
Igreja do Rosário
Vem dos primórdios da colonização a devoção por Nossa Senhora do Rosário no Estado. Em Vitória, a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, cuja data de fundação se desconhece, construiu a capela em 1765, após doação do terreno pela família do capitão Felipe Gonçalves dos Santos. Em menos de dois anos, a Irmandade concluiu a igreja de "pedra e cal".
São Benedito, santo venerado pelas Irmandades do Convento São Francisco e de Nossa Senhora do Rosário, foi estopim de uma rivalidade religiosa em Vitória protagonizada por caramurus e peroás - as facções, apelidadas com nomes de peixes comuns nas águas que banham Vitória, brigavam pelo direito exclusivo de venerar São Benedito.
A disputa iria subtrair a imagem do santo, postada no altar do Convento São Francisco. Em 23 de setembro de 1833, ela foi roubada por Domingos do Rosário, pelo africano liberto Antônio Mona e pelo crioulo Elias de Abreu e levada em procissão até a igreja do Rosário.
A Irmandade do Convento, inconformada, encomendou nova imagem para ser colocada no mesmo altar. Ofendidos, os irmãos do Rosário acirraram a rixa com os caramurus. Em seguida, as duas Irmandades passariam a dividir o ano: de 1º de janeiro até Corpo Christi, a vara de São Benedito ficava com os caramurus; no dia seguinte passava às mãos dos peroás.
Capela Santa Luzia
Construção mais antiga de Vitória, a capela Santa Luzia foi erguida por Duarte de Lemos, quando este recebeu a Ilha, para usufruto, de presente de Vasco Fernandes Coutinho. A igrejinha funcionou normalmente, embora em precário estado de conservação, até 1928. Em 1943, André Carloni foi encarregado de restaurá-la, nela se instalando o Museu de Arte Sacra. Em 1998 foi novamente restaurada pelo lphan.
Fonte: Centro de Vitória, Coleção Elmo Elton nº2 – PMV, 1999
Texto: Maria Cristina Dadalto
Fotos: Judas Tadeu Bianconi
Compilação: Walter de Aguiar Filho, agosto/2020
Assim se explica a construção da igreja de Santa Luzia, a mais antiga da cidade
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