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Tomaz Cavendish - Por Norbertino Bahiense

Tela de Benedito Calixto localizada no Convento da Penha, Vila Velha -ES

Tomaz Cavendish, grande navegador inglês, ocupou lugar de remarcado destaque na época em que viveu, na segunda metade do século XVI. Foi almirante de indiscutível mérito. Fez observações valiosas, deixou estudos úteis à navegação, traçou mapas, que foram acatados e respeitados. Empana-lhe, entretanto, os feitos, tudo o que realizou no terreno da pirataria. Foi um CORSÁRIO. Enegrece-lhe a alma, alinhando-o nas fileiras dos maus, o ataque que fez a Santos, no dia de Natal, em 1591, no momento exato em que a população afluía às igrejas e se ajoelhava, contrita, em preces ardorosas ao venerado Rabi da Galiléa. Nesse dia de alvíçaras cristãs, a sua frota de rapinagem embicava para o porto paulista. Pouco depois, ante as vistas atônitas e surpreendidas da população, desembarcavam os piratas ingleses do “ROEBUCK”, do “DESIRE” e do “BLAKE PINESSE”. Cavendish viria, em pessoa, logo depois, com o “LEICESTER” e o “DAINTIE”. Ele e sua gente deixaram sulcos de profunda maldade entre os santistas, durante os dois meses em que assenhorearam da terra. Ao deixarem-na após, não fugiram ao remate da perversidade, pois a abandonaram sob o fumo criminoso dos incêndios ateados pelas suas mãos de ímpios e de bárbaros.

Há, regendo-nos os destinos, uma lei implacável e justa. A da causa e do efeito. Cavendish não pôde fugir aos seus imperativos. Depois dos males que então produziu, tudo lhe foi adverso. Tentou fazer novo desembarque em Santos em 1592, mas sofreu o amargor da derrota, perdendo alguns capitães entre os que tombaram. Rumou para São Sebastião e foi surrado. Tocou para a Ilha Grande, mas também ali foi repelido.

Acostumado a vencer, o corsário não se conforma e sobre a esteira de amargura que já lhe ia mimando a alma, continuou a procura de outras vítimas mais fracas. Nesse afã não descansa. Pelo seu espírito perspicaz avalia a fraqueza que deveria encontrar numa terra próxima, então governada por uma mulher. A Capitania do Espírito Santo, sob a direção da viúva de Vasco Fernandes Coutinho Filho – Luiza Grinalda, sua sucessora, assessorada pelo capitão de ordenanças, Miguel de Azeredo –, foi o último alvo das suas ambições. Deveria ser presa fácil. Assim, nesse mesmo ano de 1592, em que registraria o fim de sua tumultuária existência, os navios piratas do aventureiro fundearam ao largo de Vitória e deles partiram, barra adentro, alguns lanchões com os vanguardeiros do incendiário da vila de Braz Cubas. Entregou-os ao comando de seu capitão Robert Morgan. Antes, porém, dando vasas à sua tara de homem mau, enforcava e fazia baloiçar, tragicamente, nos mastros de uma das caravelas, o corpo do humilde português que lhe servia de prático e que não conseguia acertar a passagem dos barcos pelo canal. Disso se depreende que seus navios eram de bom tamanho.

Pressentidos os ingleses fora da barra, na véspera, os nossos bravos defensores, durante a noite, acenderam fogueiras em todos os altos de Vitória até Piratininga, usando da boa tática de fazer supor a existência de forças suficientes ou superiores para enfrentá-los. Logo a seguir trataram de se fortificar como lhes fosse possível e tão rapidamente quanto exigiam as circunstâncias. Sem perda de tempo e com a deficiência que se pôde avaliar, entrincheiraram-se nas fraldas do Penedo e na parte fronteiriça, onde hoje se encontra o Clube de Regatas “Saldanha da Gama”, antigo Forte de São João. Nessas trincheiras e outras defesas bisonhas e improvisadas, a nossa brava gente se colocou pronta para o que desse e viesse.

Subiram os lanchões barra acima, com os atacantes comandados por Robert Morgan. Passaram por Piratininga, transpuseram Vila Velha, deixaram de lado a Pedra do Elefante. Deveriam ter admirado as belezas naturais da baía, belezas que ainda hoje embevecem os que nela penetram. À perfeita configuração da pedra que se nos afigura um elefante, sucederam os caprichosos contornos da Pedra dos Ovos. Vitória, porém, não lhes oferecia somente o encantamento de suas maravilhas. Oferecia também a resistência contra os que ousavam atacá-la e foi assim que logo depois de transposta, à “Pedra dos Ovos” esbarraram Robert Morgan e seus homens, ao tentarem a ferro e fogo, o desembarque.  Eles ficaram colocados entre dois fogos habilmente dirigidos pelos nossos. Em seu socorro veio logo depois o próprio Cavendish, que havia ficado de alcateia fora da barra. Inutilmente. De nada valeram a sua ousadia, a sua tradição de lobo do mar, o seu saber. A resistência heroica dos capixabas eliminou muitos homens do corsário e, entre eles, o comandante da investida, Capitão Robert Morgan.

Retirou-se, então, o homem e sua gente. Rumou de volta para sua terra, mas ia profundamente desgostoso pelos reveses sofridos. Grande era a sua paixão e a sua vergonha. Tão grande que não as suportou nem as resistiu. Não se findava o ano de 1592 e ele, na corrida do Espírito Santo, de onde fugia, tombava para sempre, tendo como sepultura o mar que, por anos, dominou. Ao que parece e registram algumas enciclopédias, isto aconteceu em águas do Brasil.

O que acima foi esboçado é o que sabemos em torno do famoso inglês, principalmente, no que diz respeito ao seu frustrado ataque à terra de Maria Ortiz e de Domingos Martins, desta terra que, igualmente, mais tarde repeleria outros atacantes.

Recentemente, porém, o consagrado escritor e historiador Gustavo Barroso, entre os magníficos estudos que vem lançando na Revista “O CRUZEIRO”, publicou um, no número de Natal do ano de 1949, sob o título “O NATAL DE SANGUE DE THOMAZ CAVENDISH”, no qual, depois de expor, com a erudição que lhe é peculiar, as aventuras do terrível pirata, arremata com uma versão inteiramente diferente da que se conhece e confunde o episódio do Convento da Penha, verificado com os holandeses, em 1640, com o de Cavendish. Atribuiu a este os detalhes da derrota por aqueles sofrida, diante das hostes celestiais que, segundo a lenda ou conforme afirmam homens de fé, surgiam em visões impressionantes, em defesa do secular e tradicional santuário, majestoso e imponente, grimpado nas cristas do monte que se ergue ao lado do Moreno, na entrada do porto da capital capixaba.

O seu estudo motivou a seguinte carta que lhe dirigi:

“Vitória, 28/12/49.

Ilustre patrício Dr. Gustavo Barroso,

Tenho em mãos a gentil carta que teve a bondade de mandar há poucos meses, acusando o meu modesto livro “O CABOCLO BERNARDO e o NAUFRÁGIO DO IMPERIAL MARINHEIRO”. Muito lhe agradeço as palavras gentis que me dirigiu e que muito me estimularam.

Sou um apaixonado pela história de nossa querida Pátria, e ainda, muito mais apaixonado pela parte que diz respeito ao meu torrão natal – o Espírito Santo – e por isso mesmo integro os quadros do seu Instituto Histórico e Geográfico, embora mui apagadamente.

Assim sendo e procurando sempre aumentar as messes dos meus conhecimentos, procuro sofregamente as boas fontes, as fontes credenciadas onde pontificam os mestres – os mestres como Gustavo Barroso e os de seu quilate.

Na execução deste programa, não me podia passar despercebido o esplêndido trabalho que vem o ilustre patrício desenvolvendo há algum tempo na revista “O CRUZEIRO”, trazendo a lume, em magistrais ilustrações, os “Segredos e revelações da História do Brasil”.

O último, “NATAL DE SANGUE DE THOMAZ CAVENDISH”, interessou-me mais vivamente, por tratar do famoso corsário inglês a quem estou dedicando algumas linhas em trabalho histórico em confecção.

Surgiu-me, porém, grande dúvida diante das suas afirmativas em relação ao ataque que diz haver o mesmo feito ao Convento da Penha se onde fugiu espavorido com os seus homens ate a visão milagrosa que lhes surgiu pela frente.

O episódio é conhecido e essa visão extraordinária já foi para a tela sob o manejo dos pincéis de credenciados de Benedito Calisto.

O que se sabe, entretanto, é que ele se deu com os holandeses, numa das suas investidas ao famoso Convento e não com o célebre Cavendish, que foi derrotado não em Vila Velha, mas em Vitória, entre dois fogos que partiam de fortificações baseadas nos dois lados da baía, entre o Penedo e o Forte de São João, onde hoje se acha o Clube “Saldanha da Gama” e onde ainda se encontram ruínas das ditas fortificações.

Assim o afirmam as fontes históricas que conhecemos e temos em mãos.

É possível, entretanto, que não saibamos o suficiente e que o prezado patrício tenha o que não encontramos. Por este motivo venho lhe solicitar a grande fineza de me esclarecer esse ponto importantíssimo e de grande valia para o meu querido Espírito Santo, contribuindo assim para o engrandecimento do seu acervo histórico.

Aproveito o ensejo para lhe enviar, em separado, o meu último trabalhinho – DOMINGOS MARTINS.

Muito grato pela resposta que se dignar de me mandar, subscrevo-me atenciosamente e com os melhores votos de felicidade ao raiar do novo ano.

Do patrício e sincero admirador Norbertino Bahiense.”

Houve, da parte do ilustre patrício, um engano, engano do qual ficou plenamente convencido após receber a carta que lhe mandei. Leal e cavalheirescamente mo disse, prometendo gentilmente corrigi-lo na primeira oportunidade, permanecendo assim, de pé, o que realmente consta da história e da lenda que à história se incorporou, isto é:

1º - Que Cavendish foi derrotado na baía de Vitória, no ano de sua morte, em 1592, entre o penhasco Penedo e o atual Clube de Regatas “Saldanha da Gama”, onde houve o Forte de São João.

2º - Que a lenda histórica conhecida e até glorificada em magnífica tela através dos mágicos pincéis de Benedito Calisto, apresentando o Convento da Penha e o recuo de seus atacantes ante a visão de um exército surgindo dos céus em sua defesa, se verificou com os holandeses que investiram contra Vitória e Vila Velha, em 1640, sendo repelidos pelas forças espírito-santenses que não lhes permitiu firmarem pé em suas terras como também aconteceu na primeira tentativa que fizeram em 1625.

 

Fonte: Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo. Nº 65, ano 2011
Autor: Norbertino Bahiense
Compilação: Walter de Aguiar Filho, janeiro/2013 



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