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Um colunista de encomenda - Élcio Álvares

Primeiro na Folha do Povo e depois nO Diário, Élcio Álvares escrevia a coluna A Vida Também Conta Histórias, contraponto capixaba à famosa coluna de Nelson Rodrigues

Tomando conhecimento da pretensão do jornal e da impossibilidade financeira de atender a proposta de Nelson Rodrigues, candidatei-me a escrever uma coluna semelhante com "pressupostos" inteiramente capixabas, pela metade do preço do jornalista carioca.

 

A Folha do Povo, como antes era batizado O DIÁRIO, estava precisando de um colunista que, a exemplo de Nelson Rodrigues - de grande sucesso na época - escrevesse uma espécie de A Vida Como Ela É. Isto porque era inteiramente impossível à sua folha financeira cobrir o lance feito pelo conhecido cronista e escritor para o jornal reproduzir sua famosa coluna.

Tomando conhecimento da pretensão do jornal e da impossibilidade financeira de atender a proposta de Nelson Rodrigues, candidatei-me a escrever uma coluna semelhante com "pressupostos" inteiramente capixabas, pela metade do preço do jornalista carioca, e comprometendo-me a colocá-la no mesmo nível de interesse e aceitação populares.

Em pouco tempo de existência A Vida Como Ela É capixaba, que achei por bem denominar de A Vida Também Conta Histórias, ganhou notoriedade e, modéstia à parte, constituiu-se num dos pontos de referência do jornal. Escrevi-a durante muito tempo, e sempre com dedicação, carinho e entusiasmo, como, aliás, procuro fazer no curso de todos os meus afazeres, na vida pública ou particular.

Evidentemente, como acontece nesses episódios, no exercício profissional do jornalista, também naquela época a semelhança com pessoas vivas ou mortas, com entidades físicas ou jurídicas, era mera coincidência, apesar da excitação e da imaginação populares. Embora com as conotações próprias de coluna em busca de uma criação intelectual, em que muitas vezes a ficção parecia imitar a realidade, segundo essa imaginação e excitação de que falei, confesso que considerava a tarefa como outra qualquer, sem me preocupar com uma possível interferência do mundo exterior. Ganhava para escrever a coluna; tinha, pois, a obrigação de escrevê-la da melhor maneira possível, conforme as minhas possibilidades intelectuais.

O fato é que através dessa coluna ingressei na Folha do Povo, cuja passagem para O DIÁRIO assisti tranqüilamente. É escusado dizer que nessa altura, depois de cumpridas as etapas de aprendizado, que foram da redação à oficina, eu já dominava a difícil e nobre profissão, à qual me havia doado por inteiro.

 

A propósito: fui forçado a aprender rapidamente o oficio de tipógrafo porque o titular negou-se a trabalhar por não lhe ter sido aumentado o salário.

 

Pode parecer exagero, mas meus conhecimentos não se limitavam à confecção de uma notícia, às filigranas de um comentário político, à redação de uma nota social, à "cozinha" do jornal. Abrangiam as próprias complexidades da oficina, onde, a exemplo de tantos outros profissionais, como o saudoso e competente Rosendo Serapião, jornalista lembrado e saudado por toda uma geração de jornalistas veteranos, muitas vezes substituí o tituleiro, o emendador, o linotipista, substantivos que hoje vão desaparecendo paulatinamente do vernáculo jornalístico com o avanço e a sofisticação do progresso tecnológico na nossa atual e moderna imprensa capixaba.

Naquele tempo - e não fica tão distante assim: o progresso é que acelerou o passo nas nossas empresas jornalísticas - o verdadeiro profissional era versátil: quer dizer, tinha que fazer de tudo num jornal. A propósito: fui forçado a aprender rapidamente o ofício de tipógrafo porque o titular negou-se a trabalhar por não lhe ter sido aumentado o salário. Sendo o único do jornal (naqueles bons tempos esse profissional era disputado a peso de ouro), fincou o pé: só trabalharia se lhe fosse satisfeita a pretensão. Como secretário do jornal, não podia "deixar a peteca cair". E assim, em poucas horas, com grande esforço e força de vontade, aprendi os segredos da velha caixa de tipos e pude evitar uma interrupção na circulação do jornal. Felizmente, o titular da função retornou ao trabalho.

Apesar dos apertos profissionais e financeiros, das dificuldades de uma imprensa incipiente, moldada às ambições e aos interesses políticos e econômicos da época, devo confessar que foram bons os tempos em que tive a felicidade de viver e conviver com profissionais competentes, idealistas, responsáveis. Recordo-os todos, com grande ternura, que os dias atarefados de hoje, calcados na honrosa e elevada responsabilidade que Deus me conferiu de dirigir e governar o meu povo, não conseguem apagar do meu painel de recordações gratas. Ali, na acanhada redação da Folha do Povo, mais tarde O DIÁRIO, na qual se viriam fomentar novas e salutares vocações, iniciei o vestibular da minha vida pública aprendendo a dimensionar e a respeitar os seus valores e a sua grandeza.

Quando a atual direção do O DIÁRIO solicitou-me este depoimento, achei que antes de ser um dever impunha-se-me uma excelente oportunidade de reviver em poucas palavras aquele período de grandes alegrias, emoções e satisfações íntimas. Foi como se realizasse uma viagem ao passado, possibilitando-me contemplar nomes, rostos, figuras, personalidades, cenários, fatos, enfim, uma história toda que, como disse, abriu-me as páginas da vida pública.

O DIÁRIO faz 21 anos, mas na verdade para nós - jornalistas, funcionários e operários de ontem - agora, verifico, esse tempo pesa e significa mais, porque foi a partir daquela época que se fomentaram e se cristalizaram os primeiros sonhos de toda uma geração, hoje, de qualquer forma, vitoriosa nos seus misteres.

 

Fonte: O Diário da Rua Sete – 40 versões de uma paixão, 1ª edição, Vitória – 1998.
Projeto, coordenação e edição: Antonio de Padua Gurgel
Compilação: Walter de Aguiar Filho, janeiro/2018

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