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Vida Capixaba - O Retrato de uma sociedade (Parte III)

Capa do Livro: Vida Capichaba: O Retrato de uma Sociedade - 1930

2.2 A realidade capixaba

No Espírito Santo, desde 1887, existia em Cachoeiro de Itapemirim um clube republicano. As ideias republicanas reforçavam as necessidades políticas do período, ou seja, a busca de uma política autônoma para que a província pudesse traçar seu próprio caminho, independente do sistema centralista. Em 1888, o partido republicano se fortificava, com o advento da abolição da escravatura a grande maioria dos chefes municipais, proprietários rurais, que se sentiam prejudicados com a medida, se engajaram no movimento. Este apoio facilitou a propagação das ideias republicanas e a formação de núcleos do partido por toda a província. A elite local, desde as primeiras horas do novo regime, já assumia o controle dos negócios públicos.

Em agosto de 1889, Bernardo Horta se elegeu, pelo partido republicano, governador da província, demonstrando assim a força que o ideal republicano já representava. O 15 de novembro não trouxe quase reação alguma, como no resto do país o povo não tomou parte nos acontecimentos. Em 16 de novembro, Afonso Cláudio era empossado como primeiro governador republicano do Espírito Santo, designado pelo governo provisório de Deodoro.

Até a eleição de Muniz Freire para presidente do Estado, em 1892, o Espírito Santo viveu um período de instabilidade generalizada. O governo empobrecido, sofria a pressão dos políticos remanescentes dos antigos partidos do Império, que reforçados por elementos republicanos dissidentes provocaram divergências na política local, resultando na eleição, em 1891, de um antigo monarquista, o Barão de Monjardim, para a presidência do Estado.

A subida de Floriano Peixoto ao poder, e a promulgação da constituição republicana de 1892, permearam a eleição de Muniz Freire, que inaugura com seu governo uma fase de arrojadas realizações em terras capixabas. Seu programa de governo objetivava resolver os tradicionais problemas locais: transporte e mão-de-obra. Investiu na construção da Estrada de Ferro Sul do Espírito Santo e efetivou o contrato de imigração de 20 mil imigrantes italianos para a lavoura. O cultivo do café, dominante na economia capixaba, atingiu grande produção requerendo transporte rápido e mão-de-obra abundante. Muniz Freire, iniciou também, o estabelecimento de engenhos e fábricas em solo capixaba, além de promover o saneamento de Vitória (capital do Estado) e projetar o novo arrabalde, uma obra cinco vezes maior do que a área da capital de então.

Novamente, entre 1896 e 1908, o Estado passou por um período de adversidades e incertezas. O preço de seu principal produto, o café, sofreu uma grande queda abalando sensivelmente a economia e o comércio. As obras planejadas se estagnaram devido a escassez de recursos. No cenário político a instabilidade era a principal característica, ocorrendo muitas trocas no poder, inviabilizando assim a constituição de uma base política pelo governo.

Este cenário só se modifica com a eleição de Jerônimo Monteiro para presidente da província em 1908. Ele conseguiu promover o congraçamento dos partidos, construindo para sua administração uma sólida base política. Trouxe um programa ambicioso de governo, baseado na necessidade de industrialização. Celebrou vários contratos visando a construção de inúmeras fábricas, inclusive usinas hidrelétricas. Vitória se transformou em uma cidade moderna, novas obras e reformas foram executadas por toda a cidade e os serviços de água, luz, esgotos e bondes elétricos se tornaram uma realidade.

Durante o governo de Jerônimo Monteiro ocorreu a primeira greve operária no Espírito Santo. Em novembro de 1908, em Cachoeiro de Itapemirim, os trabalhadores da construção da Estrada de Ferro Sul do Espírito Santo cruzaram seus braços em sinal de protesto pelo atraso no pagamento de seus salários. O movimento terminou pacificamente, mas este acontecimento deixou claro a presença viva de uma classe operária em terras capixabas.

O período que se seguiu foi de intensa luta política, onde os interesses políticos individuais se sobressaiam. Os presidentes que se seguiram não conseguiram tocar os projetos de Jerônimo Monteiro, e o Estado continuou a ter o café como seu produto principal, ficando sua economia submetida as oscilações do preço do produto.

Quando Florentino Avidos assumiu o governo em 1924, o preço do café estava em alta, permitindo que ele realizasse uma administração eficiente. Direcionou seus esforços para a realização de obras urbanas ou de apoio ao escoamento da produção agrícola da exportação. Destacam-se os melhoramentos de Vitória, as obras do porto, a ponte de ligação Vitória-continente e a Estrada de Ferro Rio Doce - São Mateus, com a ponte sobre o rio Doce em Colatina.

Quando eclodiu o movimento de 1930, estava a frente do governo capixaba Aristeu Borges de Aguiar, que apoiava o presidente Washington Luis e a candidatura de Júlio Prestes, se opondo ao movimento. Não conseguindo organizar a defesa da capital, ameaçada pelas forças revolucionárias em operação no Estado, fugiu em um cargueiro italiano, abandonando seu posto. A administração estadual ficou entregue a governos provisórios até a nomeação do interventor federal, o capitão João Punaro Bley, que governou o Espírito Santo de 1930 a 1943. Bley iniciou a "era Vargas" no Estado fortalecendo o orçamento público, visando dar continuidade aos empreendimentos paralisados, como as estradas de rodagem e as obras do porto de Vitória. Apesar de não ter modificado os rumos da economia capixaba, notadamente caracterizada pela monocultura do café, seu governo atendeu a uma política de caráter mais nacional. A elite capixaba buscava cooptar o capitão, visando a defesa de seus interesses, porém ele conseguiu se libertar do assédio dos políticos locais e seguir as diretrizes getulistas. Governando em um período de crise econômica, financeira e política, conseguiu adquirir prestígio junto às classes conservadoras e ao governo federal. Em pouco tempo foi aceito e se integrou a fechada sociedade local.

Um fato que não podemos deixar de registrar, pois demonstra o total desrespeito democrático do governo do Estado com o povo e o total despreparo dos chefes e policiais responsáveis pela segurança do povo, foi o ocorrido durante a campanha presidencial de 1930. No dia 13 de fevereiro de 1930 a caravana liberal, que circulava pelo país apoiando a candidatura de Getúlio Vargas para as eleições de março, efetuaria um comício no largo do Carmo, em Vitória. O governo autorizou o evento, porém esclareceu que não aceitaria provocações. Sob o pretexto de que a linguagem dos caravaneiros se tornara violenta, a Força Pública atirou contra eles, matando cinco pessoas e ferindo tantas outras (Pacheco, 1998).

O que se seguiu foi o estouro desesperado da multidão, gritos, súplicas, lágrimas e muito sangue. O inquérito policial, realizado pelo governo, que apoiava a candidatura de Júlio Prestes, concluiu pela responsabilidade total dos caravaneiros, que incitaram a população e deram início ao conflito. Mais uma vez os interesses do poder central são privilegiados.

No setor político, durante a Primeira República, os principais acontecimentos no Estado refletem a política nacional, dirigida pelos grandes centros. As peças do jogo político são movimentadas de acordo com o interesse das elites, sem que, contudo, ocorressem mudanças sócio-econômicas significativas.

No início do século XX, segundo Bittencourt (1989), o Espírito Santo tinha 3/4 de sua superfície ainda consideradas como mata virgem. O café então, como se fosse uma imensa "mancha de óleo", expande suas fronteiras da província do Rio de Janeiro para o norte encontrando o Espírito Santo. O açúcar que foi o principal produto colonial do Estado cede lugar para o café. Surge uma verdadeira "febre" da cafeicultura, toda a mão-de-obra disponível é direcionada para o novo produto e até as lavouras tradicionais são abandonadas. O café se torna a grande e única perspectiva viável de exploração econômica no Estado.

Diferentemente de outras regiões produtoras do país, no Espírito Santo, a dinâmica do café, sob os efeitos do desequilíbrio regional, não conseguiu formar uma estrutura urbana. Inserido na região nacional produtora e do produto totalmente dependente, a problemática da monocultura afetou sensivelmente o Estado. A fragilidade da estrutura econômica faz surgir ideias da necessidade da criação de um mercado para diversificar a agricultura e que isso poderia ocorrer com a implantação de um setor industrial para a absorção da matéria-prima local. A vida simples e provinciana do Espírito Santo poderia ter suas necessidades supridas por uma produção local, se para isto houvesse uma boa orientação econômica para a criação de uma infra-estrutura industrial de substituição da importação.

A primeira tentativa e esforços industrializantes ocorreu em 1892, porém a dificuldade de mão-de-obra, de matéria-prima e de capital inviabilizaram o projeto. A problemática da monocultura continuou a pressionar a elite política-econômica, que vê no governo de Jerônimo Monteiro (1908-1912) uma resposta as suas apreensões.

Na busca de inserir o Estado na onda de progresso do país, Monteiro interviu diretamente na economia local. Celebrou inúmeros contratos para construção de fábricas, fazendo com que o ritmo de obras em seu governo superasse todos os projetos anteriores.

É importante perceber que as atividades industriais em implantação tinham como objetivo o aproveitamento da matéria-prima local e o estímulo à criação de novos produtos regionais. No entanto, não havia uma aspiração em se promover uma sociedade urbano-tecnológica gerada pela indústria, a preocupação era atender as necessidades dos proprietários de terra e do sistema por eles controlado. Não poderia haver choques com os interesses agrários predominantes.

Estes primeiros esforços concretos de implantação de uma indústria local, enfrentaram as carências infraestruturais tradicionais do Estado: a pequena densidade populacional, o baixo poder aquisitivo da população, tecnologia precária, falta de preços competitivos, mão-de-obra especializada, matéria-prima abundante, energia e capital. Muitos projetos não resistiram, outros permaneceram no limite local com pequenas possibilidades no mercado nacional.

Sem obedecer as condições do mercado local, os investimentos industriais não surgiram no Espírito Santo voltados para as necessidades locais, na forma de atividades complementares à atividade predominante. Eles objetivavam a exportação e a inclusão do Estado no mercado nacional, o que não ocorreu.

Durante a década de 1920, enquanto as demais regiões produtoras de café no Brasil expandiam suas indústrias, os projetos industrializantes do Espírito Santo se estagnavam. O café conservava sua hegemonia e era o responsável pela quase totalidade dos recursos para a manutenção do aparelho governamental, dos serviços oficiais, do comércio e da indústria sobrevivente. Até a crise mundial de 1929, o governo direciona seus objetivos diretamente aos interesses agrário-exportador, limitando-se a interferir no melhoramento dos transportes, infraestrutura essencial para atender ao modelo tropical de exportação do qual o Estado era parte, como fornecedor de matéria-prima e importador de produtos manufaturados.

O que é importante observar no panorama econômico do Estado, é o papel preponderante da atividade cafeeira, o comportamento dos preços do café acabava condicionando todas as demais atividades econômicas, uma vez que estas se encontravam em estrita dependência da atividade nuclear — o café. Assim, tanto o setor industrial como as demais culturas e atividades agropecuárias se viam afetadas pela crise de preços do café, de uma maneira direta ou indireta a saborosa rubiácea dominava o cenário econômico capixaba.

Outro movimento de extrema importância na construção da identidade capixaba foi a imigração. Inicialmente incentivada para suprir necessidades internas de mão-de-obra, se transformou em um dos elementos principais na caracterização do Estado. A produção agrícola capixaba se baseava principalmente em pequenas propriedades, no trabalho familiar e em relações de parceria, apesar das grandes lavouras monocultoras dominantes. Os imigrantes se incorporaram a esta estrutura, e a partir daí passaram a influenciar e serem influenciados pela cultura local, fazendo nascer uma relação que vai identificar o Espírito Santo por toda a sua história.

Diferentemente dos portugueses, os imigrantes não vieram para o Brasil em busca de riquezas materiais, mas sim com o objetivo de construir suas propriedades, reproduzindo aqui a sua vida na Europa. Desejavam ser proprietários rurais. Representaram a introdução no Estado de um elemento novo, que fez, de fato, a ocupação da maior parte do território capixaba, reproduzindo a pequena propriedade agrícola européia, tocada pela mão-de-obra familiar. Introduziram o plantio do café, mas mantiveram o modo de vida rural fundado na pequena propriedade, com policultura intensamente explorada. No fundo, mudaram a cara do Espírito Santo, pois, além de contribuírem de forma decisiva para a expansão das fronteiras agrícolas e introduzirem novas tradições culturais, se tornaram a base da sociedade do Estado. Como bem definiu Medeiros (1997) "Eles fizeram o capixaba".

 

Sobre o Autor: Graduado em História (Bacharelado e Licenciatura) pela Universidade Federal do Espírito Santo, Mestre em Economia pela mesma Universidade. Doutor em História Social pela FFLCH/USP. Atua nas áreas de História do Brasil; História do Espírito Santo; Gestão e Políticas Públicas; Economia Brasileira. Professor; Pesquisador; Orientador; e Gestor. Experiência em EAD. 

  

Fonte: “Vida Capichava”: O Retrato de uma Sociedade – 1930. Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo - 2007
Autor: Jadir Peçanha Rostoldo
Compilação: Walter de Aguiar Filho, março/2019

Revista: Vida Capichaba

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