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Vida Capixaba - O Retrato de uma sociedade (Parte V)

Capa do Livro: Vida Capichaba: O Retrato de uma Sociedade - 1930

"Vida Capichaba", A Revista

 

3.2 Um Veículo de Comunicação

O movimento modernista, capitaneado pela Semana de arte Moderna de 1922, fez surgir várias revistas de vanguarda no Brasil. Neste período a imprensa e a literatura se confundiam, e as novas revistas demonstravam esta ligação através de seus artigos e posturas. A sociedade e a cultura passaram a representar o objeto de análise dessas publicações, sendo a vida do país refletida desde então em suas páginas.

Os homens das letras se refugiaram nestes veículos de comunicação, que revelaram muitas figuras importantes da literatura brasileira. Escritores e jornalistas desfilaram por suas páginas, ora com publicações de artigos, ora de crônicas, poesias e todos os tipos de escrita literária. A revista periódica de informação passa a se distinguir dos outros veículos de comunicação por sua especialidade na ordenação e interpretação dos acontecimentos. Os fatos não são mais apenas descritos, mas sobretudo expostos em seu significado.

A Revista "Vida Capichaba" surgiu, no Espírito Santo, no rastro deste movimento. Circulou inicialmente em abril de 1923, sob a direção de Garcia Rezende, e se tornou a mais expressiva publicação do período. Foi o órgão mais atuante no espaço literário das décadas de 1920 a 1940, representando o veículo de comunicação de maior circulação no Estado.

Em sua primeira fase a revista circulou apenas até o número 3, reaparecendo dois meses depois, sob a direção de Elpidio Pimentel. Pimentel era membro da Academia Espírito-Santense de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo — IHGES, o que muito contribuiu para o retorno e manutenção da publicação. Vários personagens importantes da história capixaba se perfilaram entre os diretores da revista: Carlos Madeira, Guilherme Santos Neves, Renato Pacheco, Eugênio Sette, Eurípedes Queiróz do Valle entre outros.

Segundo Bittencourt (1998), a "Vida Capichaba" congregava o que havia de melhor no jornalismo e nas letras espírito-santenses, constituindo-se, assim, em preciosa fonte de indicações e informações sobre as décadas de 1920 a 1940, no Espírito Santo, além de influenciar decisivamente a imprensa capixaba contemporânea.

Identificada desde o seu primeiro número, publicado em abril de 1923, como uma revista quinzenal, "Vida Capichaba" apresentava ilustrações, literatura e notícias do Brasil e do mundo. Obteve grande sucesso, quando teve em sua direção Garcia Rezende e Escobar Filho como secretário. Sua tiragem inicial foi de 1000 exemplares, impressos na tipografia da imprensa estadual. Circulava em bancas de revistas ao custo de 500 réis a unidade, e através de assinaturas ao preço de 14$000 a anual, 7$000 a semestral e 5$000 a trimestral. Os ideais da "Vida Capichaba", foram registrados em sua primeira edição:

“Toda cidade linda tem uma revista linda, que conta a sua história, que perpetua as sua emoções, que perfuma a sua galantaria, que exalta a sua elegância e que guarda, como num pequeno livro de honras, as ânsias subtis de uma vida sentimental...”

No segundo número os preços foram aumentados para 1$000 o exemplar, e as assinaturas para 26$000 a anual, 14$000 a semestral e 10$000 a trimestral. Esta alteração provocou uma nota explicativa publicada no número 2 da revista, em 15 de março de 1923, onde eram relatados os motivos que levaram ao aumento. Essa explicação demonstra sua preocupação com a opinião dos leitores, que representavam a sociedade consumidora do produto.

Seu editorial dizia o seguinte:

“Aos Nossos Leitores Augmentamos para 1$000 o preço de cada Exemplar da Vida Capichaba. O primeiro número foi vendido a $500 por reclamante. E por isso mesmo perdemos $500 em cada exemplar, pagamos a Imprensa Estadoal 900$000 pela nossa tiragem de 1000 exemplares. Além disso ainda mandamos fazer, no Rio, os clichês que ilustram as nossas páginas. Os nossos leitores, hão de nos perdoar esse augmento. Não estamos abusando do grande sucesso obtido. O papel e a mão de obra estão muito caros. A única revista carioca que ainda sustenta o preço de $500 é a Careta, mas a sua edição é muito maior do que a nossa.”

Após o terceiro número da revista, deixou de ser publicada por 2 meses, reaparecendo em Agosto de 1923, tendo como redatores Elpidio Pimentel, Manoel Lopes Pimenta e Aurino Quintaes. Passou a ser identificada apenas como revista quinzenal ilustrada, atualizando seus preços para 1$000 o número avulso, 1$200 o número atrasado, 12$000 a assinatura semestral e 6$000 a trimestral. Os preços eram considerados altos, o que mais uma vez resultou numa nota no número 4 da revista justificando-os. Circulava na capital e no interior, tendo representantes por todo o Estado.

Em agosto de 1923, os ideais da revista foram ratificados em sua edição de número 4:

“Dentre os motivos, que nos levaram a tomar a direção deste quinzenário, dois devem ser salientados aqui:

“1. A convicção de contribuirmos para o incentivamento das letras e artes no Espírito Santo. Precisamos demonstrar que não é só material a prosperidade de nossa terra. Não. Também, nos domínios do espírito, do cultivo da intelligencia, do amor ás letras, não somos mais a capitania anachronica de 1820, nem mesmo a província canhesta de 1860.

2. O empenho de provarmos que Victoria, capital do Estado do Espírito Santo, já comporta a mantença de um periódico literário, máo grando o costumeiro dar de hombros dos nossos systematicos pessimistas. E por intermédio das paginas da Vida Capichaba, faremos o possível em dar os melhores documentos do que affirmamos, offerecendoas, desdejá, á collaboração dos nossos ilustres patrícios.”

Em suas publicações iniciais, era composta de cerca de 36 p. As propagandas dos anunciantes e colaboradores se localizavam nas primeiras e últimas páginas, as páginas centrais eram divididas em seções e artigos avulsos, principalmente literários. Algumas seções: Vulto e Livros, informava todos os livros publicados no Espírito Santo e os mais importantes no país; Quinzena Elegante, era uma verdadeira coluna social da época; Conto Quinzenal, trazia contos de amor; Versos, publicava textos de escritores e leitores; As Nossas Grandes Indústrias, apresentava as maiores indústrias do Estado; Vinhetas, publicava pequenos contos e crônicas; Do Meu Livro de Notas, artigos sobre a mulher e suas transformações na sociedade e Indicador Profissional, relacionava os profissionais que ofereciam serviços a sociedade.

A revista era recheada de fotos dos membros do governo, dos políticos, da alta sociedade e seus filhos, de cenas da vida capixaba e das belezas naturais do Estado. Editava uma seção de esportes, onde predominavam o futebol e o remo, e também uma acerca do cinema, informando os filmes em cartaz e tecendo comentários sobre os mesmos. Citações, contos, crônicas e recortes de obras de vários autores, nacionais e internacionais, completavam seu conteúdo.

No ano de 1930 a "Vida Capichaba" se entitulava somente como uma revista ilustrada que circulava todas as quintas-feiras, e não mais quinzenalmente. Mantinha na sua direção, como redatores e proprietários, Manoel Lopes Pimenta e Elpidio Pimentel, possuindo agora oficina própria. Comerciava seus exemplares, avulsos ou através de assinaturas, em todo o Estado e algumas cidades de Minas Gerais, contando com vários colaboradores e representantes. Seu preço continuava alto.

A estrutura básica da revista se mantinha, porém com alterações importantes. As propagandas não eram mais dispostas apenas nas primeiras e últimas páginas, mas intercaladas com os demais artigos, demonstrando assim o aumento de importância e força dos anunciantes. As caricaturas passaram a fazer parte da revista, assim como as notícias internacionais e as notas políticas. Algumas seções deixaram de existir e outras surgiram, como a Alfinetadas, que exibia comentários sobre os membros da sociedade sempre se utilizando de apelidos e caracterizações; e as Sociaes, que representava a coluna social da época.

Sua postura exclusivamente literária foi alterada, apesar de continuar mantendo um espírito conservador ligado as elites, nos idos de 1930. A revista já comportava matérias desenvolvidas por colaboradores independentes e não se responsabilizava pelas opiniões emitidas pelos mesmos, conferindo-os plena liberdade de pensamentos. A publicação de caricaturas também demarcava uma importante mudança, pois através dos seus desenhos e escritos, se afirmava como a mais pura e sutil forma de crítica e representação da sociedade.

 

 

Fonte: “Vida Capichava”: O Retrato de uma Sociedade – 1930. Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo - 2007
Autor: Jadir Peçanha Rostoldo
Compilação: Walter de Aguiar Filho, março/2019