Morro do Moreno: Desde 1535
Site: Divulgando desde 2000 a Cultura e História Capixaba

Vida Capixaba - O Retrato de uma sociedade (Parte VII)

Capa do Livro: Vida Capichaba: O Retrato de uma Sociedade - 1930

Sociedade e Imprensa: Uma Via de Mão Dupla

 

4.2 A Ordem Social e as Minorias 

O acesso a informação é um direito público, assim como a publicação de todo e qualquer artigo é uma obrigação da imprensa. Contudo, os empresários-jornalistas atuam no âmbito privado movidos pela lógica do lucro e do interesse. Seguindo este raciocínio muitas informações são manipuladas pelos poderosos, resultando em uma apresentação distorcida ao público, ou simplesmente sua não publicação.

A imprensa, constituindo-se em um instrumento de manipulação de interesses e de intervenção na vida social, coloca no mercado, prioritariamente, produtos vinculados a este conceito. Agregada a esta postura, devemos também identificar a relação das publicações com os anunciantes e colaboradores, que exercendo o poder que lhes é dado, influenciam decididamente a postura do meio de comunicação.

Esta postura discriminatória fica evidente, quando analisamos uma publicação levando em consideração a importância que ela dá aos assuntos das minorias. Como os grupos sociais, não atrelados as elites dominantes, são representados ou mesmo se não são representados.

Outro fato importante é a distribuição do espaço físico do veículo de comunicação, que na maioria das vezes é demarcado por seções que identificam a estratificação social. O espaço, dito, politizado é privilegiado perante o espaço marginal. Este espaço marginal caracteriza as minorias, que afastadas dos setores dominantes ficam restritas às seções menos privilegiadas, reafirmando assim a hierarquia social da ordem vigente.

Os assuntos e fatos tratados nos artigos da publicação, também são outros dados importantes. A partir deles podemos reconhecer a posição e postura social dos autores e para quem eles estavam escrevendo. O público leitor passa a ser selecionado a partir desta concepção, que direciona os artigos para os consumidores que interessam.

Estas características podem ser percebidas claramente na "Vida Capichaba" a partir de suas capas. Elas ilustram, em imagens coloridas, paisagens naturais ou pontos turísticos e, principalmente, personagens políticos importantes ou representantes da elite social. Nunca representantes ou cenas dos grupos secundários. Desta forma, fica latente sua postura em reafirmar a estratificação social, onde as minorias, entendendo-se ai os operários, os negros, as mulheres e os rejeitados pela sociedade, não podem ocupar o mesmo espaço que os dominantes.

Os artigos noticiosos e literários da revista também seguem estas mesmas características, não retratam assuntos referentes as minorias. Todos estão vinculados a temas relacionados com a elite dominante. O que fugia a esta regra eram notícias internacionais, que se faziam mais importantes do que as do cotidiano marginal local. A seção "Bazar de Informações", demonstrava bem esta postura, ela se prestava a reproduzir notícias de outros países, mesmo que não tivessem nenhuma conexão com o contexto do Estado. Vide algumas citações retiradas das revistas de número 225, de 01.05.1930, e número 239, de 14.08.1930:

“A sociedade atheista de Moscou, continuando na sua campanha contra as religiões [...].

O indivíduo Giuseppe de Paoli teve a 'honra' de ser o primeiro criminoso apanhado e julgado na cidade do Vaticano [...].

O promotor de luctas de box de São Francisco da Califórnia [...].

No pavilhão destinado aos homens do Hospital Muniz, de Buenos Aires, foi internado o indivíduo Aduro Arago [...].

Na noite de 20 de abril último, numa fazenda do Estado de Kansas, nos Estados Unidos, foi encontrada uma casa completamente incendiada [...].

Os jornais registraram há pouco, o extraordinário caso de um inglês, em Monte Carlo, que em dez minutos ganhou no jogo cerca de 650.000 francos [...].”

Os negros e os operários não tinham seu cotidiano, suas representações culturais e sua manifestações estampadas nas publicações. Só estiveram presentes em artigos de datas comemorativas. Na revista de número 225, de 01.05.1930, se publicou um artigo de nome "A Festa do Trabalho", em comemoração ao dia do trabalho, onde os trabalhadores foram lembrados como elementos importantes no desenvolvimento do Estado, e contraditoriamente a realidade, elevados ao mesmo patamar de toda a sociedade:

”O dia 1° de maio pode-se muito bem chamar o dia da humanidade, pois que toda ella se acha unida por essa harmonia quotidiana de força e energia, que é o Trabalho.[..] O músculo que vibra o martello ou o cérebro que amolda o pensamento, não conhece hierarquia no trabalho: a esperança, o estimulo, o ideal dos humildes batalhadores ou dos grandes intellectuaes é o bem de cada um para o bem de todos. [...]

As classes laboreiras do Espírito Santo, a quem devemos seu rápido progresso, a 'Vida Capichaba' envia as suas enthusiásticas congratulações.”

Os negros, também só foram retratados com certa importância no número 227 da "Vida Capichaba", de 15.05.1930, quando a revista comemorava a Abolição da Escravatura. Estampou-se em sua capa "Meu Deus! Já não há mais escravos em minha terra!", e publicou-se um artigo intitulado "13 de Maio", onde se retratava a importância do acontecimento e se reproduzia fotos dos "heróis" do movimento: Princesa Isabel e José do Patrocínio.

“A libertação da raça negra em nosso paiz, que teve o seu feliz epílogo com o decreto de 88, foi o problema social e econômico que mais empolgou o espírito nacional. [...] Isabel, a grande, a sublime, a immortal, alma de mulher brasileira, irmã de todos os seus compatriotas, sem distinção de casta, naquelle 13 de maio deu ao mundo civilizado a demonstração de que no seu paiz havia um grande povo.”

Dentro destas características, também não podemos deixar de citar o caso da mulher, que mesmo tendo sua igualdade perante os homens defendida em alguns artigos, aparece na maioria deles com um aspecto maternal e frágil. As senhoras e senhoritas da sociedade são sempre representadas em eventos sociais, de diversão e lazer, ou ligados à instituições educacionais. A sua beleza, delicadeza e amor fraternal são a tônica, se constituindo em objeto de desejo para os homens. Raras são as aparições em que se retratam sua postura profissional. Acreditamos que, apesar da postura teórica indicar uma relação de igualdade, as mulheres estavam, mesmo que inconscientemente, mais próximas as minorias, num patamar inferior aos homens.

Analisando esta questão, entendemos que a imprensa não pode se desviar de seus principais deveres e compromissos morais. Sua postura tem de ser imparcial, dando espaço igual a todos os grupos. Acolhendo diferentes versões de um fato, evita o alinhamento deliberado ou intencional com esta ou aquela facção.

Seu objetivo principal deve ser a honestidade, no sentido de dar voz as minorias, acolhendo contradições e expondo claramente os fatos, de modo que as notícias e os anúncios sejam transparentes e confiáveis. Deve ser imparcial, objetiva e responsável, alcançando na sociedade um conceito de instituição livre e capaz, acima de qualquer interesses, refletir o bem comum.

 

 

Fonte: “Vida Capichava”: O Retrato de uma Sociedade – 1930. Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo - 2007
Autor: Jadir Peçanha Rostoldo
Compilação: Walter de Aguiar Filho, março/2019