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Vitória Física - Por Adelpho Monjardim (1949)

Capa do Livro: Vitória Física, 1995 - Autor; Adelpho Monjardim - Foto de Capa: Léo Bicalho

Sobre Vitória Física pouco ou quase nada se tem escrito. Alguns trabalhos feriram de leve o assunto, embora saídos de mãos de mestres. Entre todos destacam-se os de Charles Frederick Hartt, o melhor e mais desenvolvido sobre o litoral vitoriense; mesmo assim ateve-se à baía propriamente dita e a ligeiro estudo geológico de algumas de suas principais formações, penetrando o interior apenas para rápida referência ao pico Frei Leopardi.

Os elementos necessários, imprescindíveis a este estudo foram obtidos in loco, galgando montanhas, descendo vales, penetrando furnas, varando matas ou em embarcações ligeiras sondando os cursos fluviais ou marítimos.

Quanto à História, as facilidades não foram maiores. Os historiógrafos foram assaz parcimoniosos, omissos mesmo, em relatos de sua importância, notando-se-lhes cuidado, senão temor, em ferir de frente um dos magnos capítulos – a fundação de Vitória.

No que tange ao ano, as notícias são as mais contraditórias; mês e dia estão irremediavelmente perdidos e qualquer menção será meramente arbitrária. Surpreende o silêncio em torno do seu fundador, como não sucede às demais cidades do Estado e do país.

Felisberto Freire, autor seguido, em História Territorial do Brasil, volume 1°, diz: “A Duarte de Lemos, que veio da Bahia com alguns colonos, doou (Vasco Fernandes Coutinho) a ilha de S. Antônio a 15 de junho de 1537, sendo confirmada a doação por carta régia de 8 de janeiro de 1549; para onde o donatário transferira a sede da povoação que criara, com o nome de Vila Nova, provavelmente em 1554 como elemento de segurança contra os ataques dos índios”.

É evidente o equívoco, bastando confrontar com a notícia que nos dá insuspeito autor da História da Companhia de Jesus no Brasil, Serafim Leite, S. I., no tomo 1° capítulo III, da referida obra:

 “A esta Capitania de Vasco Coutinho chegaram pois, os jesuítas, em 1551. Eram os P. Afonso Brás e o Irmão Simão Gonçalves soldado português, que entrara na Companhia logo depois da vinda do P. Nóbrega, em 1549. Tinham antes estado em Porto Seguro. A viajem e as primeiras impressões conservou-as a pena do próprio Afonso Brás: ‘Partimos aos 23 de março de 1551 ficando a gente mui desconsolada, e muitos com lágrimas, chorando. Há do Porto Seguro ao Espírito Santo 60 léguas. Receberam-nos, quando chegamos, os moradores com grande prazer e alegria; e desde que cheguei até Páscoa, não me ocupei, nem entendi outra coisa senão em confessar e fazer outras obras pias. Passada a Páscoa, ordenamos fazer uma pobre casa para nos podermos recolher. Ela está já coberta de palha e sem paredes. Trabalhei que se edifique aqui um ermida, em sítio mui bom, e em qual possamos dizer missa, confessar,fazer a doutrina e outras coisas semelhantes.’

O P. Afonso Brás ficou encantado. Já conhecia a costa desde a Bahia. Segundo o vira, a vantagem ia para a terra do Espírito Santo: ‘esta onde ao presente estou é a melhor e a mais fértil de todo o Brasil’.

“Não havia pároco na terra, nem existiu algum tempo outra igreja na Vila da Vitória senão a dos Jesuítas.”

Em a mesma obra e tomo, lê-se: “Depois, quando o próprio Nóbrega com Tomé de Souza passou em Vitória, no ano de 1552, já encontrou o Colégio de Santiago; grande casa e igreja. Entrando com o Governador Geral na Igreja, Nóbrega entoou o Veni Creator Spiritus, alusão ao nome da terra que pisavam. A igreja ou recebeu o nome dalguma capelinha, que ali existisse, anteriormente, ou talvez fosse inaugurada no dia 25 de julho de 1551, o que explicaria a invocação de Santiago. Como quer que seja, a 4 de maio de 1552 já se chamava assim.” Verifica-se, à simples vista, que Vitória já existia em 1551, isto é, a Vila Nova, em anteposição à Velha, como passou a denominar-se a povoação do Espírito Santo, fundada por Vasco Fernandes Coutinho. Historiadores como Robert Southey registram o nome de Vitória como o de fundação, porém, hoje está definitivamente comprovado que o nome de Vitória substituiu o de Vila Nova após o combate de 8 de setembro de 1558, em que os índios confederados foram decisivamente batidos.

Como se depreende da carta de Afonso Brás, partiram eles de Porto Seguro a 23 de março e aqui se encontraram por ocasião da Páscoa, em abril do mês seguinte, quando deram início à ermida que se achava terminada em 1552, por ocasião da visita de Nóbrega e do governador geral Tomé de Sousa, e desde maio, do mesmo ano, se chamava Santiago.

Aqui sugerimos que, dada a impossibilidade de obra de tal vulto ser iniciada e concluída em tão exíguo tempo, a data de 25 de julho marcaria o início da sua construção, que é a mais plausível.

Óbvio deduzir-se que a fundação do povoado se dera tempos antes, pois não foram o padre Afonso Brás e o irmão Simão Gonçalves os seus fundadores e quando chegaram, em abril, já o encontraram. Conciliando as datas de 1549 e o quadrimestre inicial de 1551, concluímos por se ter verificado a fundação em 1550: primeiro pelos escassos quatro meses iniciais do ano de 1551, que permitem supor um período maior de reparo e adaptação do meio para viver mais confortável e seguro, se era o que buscavam contra gentio; segundo: ausente Vasco Fernandes Coutinho, em 1549, levantaram-se os índios contra os portugueses e em crua guerra tudo devastaram, matando a D. Jorge de Menezes, que substituíra o donatário. D. Simão de Castelo Branco, que assumiu o mando, não foi mais feliz e pereceu de forma idêntica, flechado pelos índios. A confusão reinante entre os colonos foi indescritível e esse estado de coisas prolongou-se até 1550, quando retornou Vasco, que ante o quadro de desolação e a impossibilidade de suster-se em seus velhos domínios decidiu-se a fundar na ilha de Duarte de Lemos ex-Santo Antônio, a Vila Nova, que oito anos mais tarde se rebatizaria com o nome de Vitória.

Baseado em minuciosos estudos da região concluiu Hartt que Vitória e as planícies vizinhas se estão levantando e que na era terciária, talvez, conservavam-se as suas montanhas como ilhas na entrada da barra. O mesmo fenômeno se verifica na planície norte como sucintamente explica o Prof. Frois de Abreu, em “Feições Morfológicas e Demográficas do Litoral do Espírito Santo”, estudo publicado na Revista Brasileira de Geografia, número de abril – junho de 1943.

“A existência dos sinais evidentes do recuo progressivo do mar na planície norte, manifestados pela linha de restingas em contraste com a falta dos mesmos em outros pontos onde ainda persiste o manto dissecado das Barreiras pliocênicas. Isso mostra que a paleogeografia no quaternário desenharia um litoral bem diferente do atual. Haveria entradas do mar pela terra a dentro até bem longe da costa atual, de passo que outros pontos estariam ainda aquém da atual linha da costa, defendida fracamente pelos morros das Barreiras”.

A verdade da afirmativa do grande geólogo canadense Hartt comprova-se sem esforços. Além da sua própria observação em vários pontos da ilha, encontram-se vestígios insofismáveis da presença do mar em lugares hoje bem distanciados dele. Como exemplo nas rochas do Frei Leopardi, sob fofa camada de terra vegetal, considerável quantidade de ostras que por sua disseminação demonstra tratar-se de um depósito natural. Na encosta do morro da Capixaba, na Vigia, na estrada de Contorno, são encontrados depósitos iguais. Na baixada de Maruípe, distante do mar quilômetro e meio, num grosso pedregulho marcado pela abrasão, encontram-se, em suas cavidades, ostras encrustadas.

Por sua extensão a ilha de Vitória não é uma grande ilha. As suas medidas extremas, de norte a sul, são seis quilômetros e meio e, de leste a oeste, oito; medindo de superfície 26.367.500 metros quadrados. Abriga, atualmente, 55.000 almas.

O cenário agitado e romântico da ilha dá-lhe singular beleza como não encontramos em outras partes, embora essa agitação que se transforma em montes e vales obrigue o homem a prodígios de técnica e de esforços para dar-lhe feição urbanística condizente com a sua topografia. Felizmente harmonizaram-se o homem e a natureza e a cidade cresce cada vez mais atraente, com o índice e a influência crescente de turistas, que com as suas câmaras se internam pelos mais distantes recantos fixando-os na sua grandiosidade selvagem e sem peias.

Orgulha-se o capixaba da sua cidade, onde o homem colabora com a natureza a fim de torná-la mais bela e mais próspera. Como porto de mar é dos mais movimentados e procurado por navios de todas as bandeiras, tornando, por vezes, o seu cais acostável insuficiente para todos.

Com o após guerra as ruas de Vitória adquiriram aspecto cosmopolita, ouvindo-se as mais diversas línguas numa promiscuidade atordoadora e a um tempo interessante.

O governo progressista de S. Excia. Dr. Carlos Fernando Monteiro Lindenberg cogita prolongar o cais acostável até a pedra Branca fronteira ao Penedo, o que trará grande desafogo ao tráfego marítimo a par de melhoramento de inestimável valor para o desenvolvimento e economia da capital.

 

Fonte: Vitória Física, 1995
Autor: Adelpho Monjardim - Prêmio Cidade de Vitória, 1949
1ª Edição: Revista Canaan Editora, 1950
2ª Edição: Secretaria Municipal de Cultura e Turismo de Vitória, 1995
Prefeito Municipal de Vitória: Paulo Hartung
Secretário Municipal de Cultura e Turismo: Jorge Alencar
Diretor do Departamento de Cultura: Luiz Cláudio Gobbi
Editor Executivo: Adilson Vilaça
Produtora Executiva: Silvia Helena Selvática
Projeto Gráfico: Ivan Alves
Editoração Eletrônica: Edson Maltez Heringer
Foto e Capa: Léo Bicalho
Revisão: Reinaldo Santos Neves
Chefe da Biblioteca Municipal Aldelpho Poli Monjardim: Ligia Maria Melo Nagato
Bibliotecárias: Elizete Terezinha Caser Rocha e Cybelle Maria Moreira Pinheiro
Compilação: Walter de Aguiar Filho, dezembro de 2013

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