Escolhendo panelas capixabas
Autor: Kleber Galvêas
Algumas
panelas de barro produzidas no Espírito Santo estão
ficando grossas, com queima incompleta e perdendo a cor negra
profunda, tão característica. Isto se deve a
fatores que pretendemos apontar.
O
barro com boa liga ou goma, está se tornando cada vez
mais raro por aqui. A ocupação rápida
dos arredores de Vitória restringiu a área de
coleta desta matéria prima. A melhor tabatinga foi
produzida há cerca de dez mil anos, são sedimentos
ricos em sílica e matéria orgânica da
última glaciação. Jazidas aparecem principalmente
junto aos rios, lagoas e no litoral.
A
queima das panelas em fogueiras a céu aberto muitas
vezes é incompleta, são usados refugos da construção
civil. Até há poucos anos a madeira era escolhida
na restinga e cortadas aquelas que produziam chamas com grau
elevado de calor, como o abano e a almesca. Cada madeira revela
sua identidade no grau de calor que produz ao queimar, a densidade
e composição química varia de acordo
com as espécies vegetais. Quem já cozinhou feijão
em fogão à lenha observou esse fato e sabe que
não é qualquer madeira que dá conta do
recado. A lenha usada até há poucos anos, abundante
nas restingas, podia ser escolhida e levada. Hoje não,
o que é muito bom do ponto de vista ecológico,
mas ruim para se obter uma boa queima nas fogueiras tradicionais,
onde o calor se dissipa. Persistindo a escassez da boa madeira,
acredito que essa etapa do processo de fabricação
das panelas, irá evoluir para fornos primitivos que
concentrem o calor, tipo os manilhões usados no Vale
do Jequitinhonha. Já vi um desses queimando panelas
em Cruzeiro do Sul, Cariacica.
A
tintura das panelas com a calda obtida da casca do mangue
macho (Rhizophora mangle) árvore que lembra um polvo
com tentáculos cravados na lama, é fundamental
para sua conservação. Algumas paneleiras substituíram
essa etapa por uma defumação com ramos de aroeira,
o que tinge mas não protege com igual eficiência.
No século XVI, no Ribatejo, Portugal, estavam instalados
os principais curtumes do ocidente. Quando D. João
foi informado da existência de mangue (Rizoforáceas,
Verbenáceas e Terrninaliáceas) adstringente
e riquíssimo em tanino (fenóis) na costa do
Brasil, fez logo uma lei proibindo o seu corte. O texto integral
dessa lei do séc. XVI, aparece na introdução
de um dos livros do escritor João Ubaldo. A função
do caldo obtido da casca do mangue macho triturada e posta
de molho na água, tanto em relação ao
couro quanto às nossas panelas, não é
tingir esses materiais mas imunizá-los contra fungos.
O couro por ser 100% matéria orgânica e a tabatinga
por conter restos vegetais e animais, apreciados pelos fungos.
Quando menino observava que as velas usadas nos barcos de
todos os pescadores antigos da Prainha e nas demais colônias
de pescadores capixabas, eram cor de tijolo ou terra queimada.
Pensei tratar-se de urna convenção para identificação,
só mais tarde soube que eram fervidas com a casca do
mangue macho (pela forma como se reproduz) ou mangue vermelho
(pela cor vermelha intensa que tem) e o objetivo era evitar
fungos. Guardadas úmidas, sem essa proteção,
as velas logo ficavam fracas e rasgavam com facilidade. O
mesmo tratamento era dado às redes de pesca, antes
do nylon aparecer por aqui nos anos 50.
A
panela de barro tradicional é um símbolo da
cultura capixaba, para alguns o maior. Ajuda a vender nosso
peixe de primeira qualidade, lembrar das nossas praias e a
encher nossos restaurantes especializados em frutos do mar.
Seu processo de fabricação é patrimônio
público, cabe ao governo preservá-lo, mantendo
a qualidade das famosas panelas capixabas.
Escolhendo
uma boa panela para uso, levamos em consideração:
A
cor – negra intensa, revela boa imunização.
Fungos desintegram o barro que esfarinha;
A espessura – quanto mais fina, melhor a qualidade da
matéria prima utilizada;
O formato – panela certinha denuncia uso do torno, baixa
densidade do barro e porosidade;
O brilho – mostra que o barro foi comprimido e a goma
aflorou;
O som – suspenda a panela com umas das mãos e
com os nós dos dedos da outra mão, bata no fundo,
se o som for chocho, acusa: rachaduras, ocos ou queima incompleta
da peça.
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