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A Caminho da Vitória - Por Mário Gurgel

Mário Gurgel

Hoje, quando a política está solta na rua e arraigada aos espíritos numa grande confusão; agora, que os manifestos falam dos projetos e das esperanças daqueles que vão se entregar brevemente ao sufrágio dos seus patrícios; quando os estandartes estão drapejando aos ventos sibilantes da crença democrática em toda a sua plenitude, vamos falar de um político. E o fazemos certos de que, no seu exemplo, hão de se mirar nas horas agitadas de hoje aqueles que creem na força do ideal e sacrificam tudo pelo bem de todos. Vinte anos são passados e ainda hoje o recordam todos que com ele lutaram, todos que se viram privados do conforto de sua amizade.

Ao anoitecer do dia 13 de Fevereiro de 1930, na praça fronteira ao Colégio do Carmo, iniciou-se uma grandiosa manifestação popular. A nação se rebelara ante a decisão do presidente da República de utilizar ilegalmente a influência de seu cargo na eleição do próprio sucessor. E como Washington Luiz se mantinha inabalável nos seus propósitos despontou o movimento da Aliança Liberal, que levantou o Brasil num brado de inconformação e revolta. Emissários políticos da grande corrente liberalista chegaram ao Espírito Santo para o trabalho de arregimentação de valores ante o embate político. Entre eles, brilhou um dos maiores expoentes na cultura jurídica nacional, um dos nomes mais famosos do continente sul-americano: Evaristo de Morais.

Apenas chegado, Evaristo foi pessoalmente a certa residência da Avenida Capixaba solicitar a presença de um velho amigo e antigo colega de Faculdade no comício que se realizaria naquela noite. Thiers Vellozo levantou-se do leito onde convalescia após uma enfermidade recente, e atendeu ao apelo. Coube-lhe a missão de se dirigir ao povo em primeiro lugar e ele aceitou o encargo, disposto a desempenhar o papel que lhe reservaram naquele instante dramático da história de sua Pátria. Lutador por temperamento e convicção, fizera toda a campanha civilista pregando a necessidade de colocar o Brasil nos seus verdadeiros caminhos. Thiers nunca se curvara senão diante do dever, pela garantia da lei e do Direito em todos os empreendimentos a que se entregara.

A concentração política de 13 de Fevereiro de 1930 teve o mais inesperado e ignominioso dos desfechos. A alma d’um povo viera unir-se pela fé, na praça pública, sob a proteção dos códigos e foi mergulhada, de repente, num mar de sangue e fumaça. Fulminado pelo horror da tragédia, desiludido da sinceridade de algumas criaturas, Thiers Vellozo, recolheu no meio da tormenta todas as decepções e todas as amarguras. Retornou tristemente ao lar e afundou num desalento sem qualificativos.

Thiers Vellozo era jornalista. No seu diário, sempre esteve a serviço de causas nobres e retas, combatendo os desmandos, perseguindo tenaz e irredutivelmente os que se esqueciam da verdade e negavam os princípios da democracia. Como lobos, homens inconscientes atiraram-se algumas vezes sobre as bancas de seu jornal, empastelando-o. Mas ele não se detinha. Lutava por um ideal e por esse ideal daria, um dia, se preciso, a própria vida. O matutino que fundaria e onde trabalhavam, além, dele, Antônio Gil, o seu filho mais moço, e Helionor Carneiro da Cunha, seu genro, era a espada e o açoite contra os déspotas, a bandeira sempre desfraldada nas grandes cruzadas redentoras. Advogando no foro da Capital, palmilhara – a serviço de sua profissão – também pelo interior do Estado e chegara quase à velhice defendendo a Justiça, pobre e altivo, sempre combatendo.

Quando o governo do Estado, desejando preencher a cátedra de português do Ginásio oficial, abriu as inscrições para o concurso, Thiers – ao lado de seu grande amigo Jonas Montenegro – disputou a cadeira e na morte do colega foi para o ginásio que mais tarde dirigiria. Dominando com precisão cinco ou seis idiomas, o mestre surpreendera os examinadores com o brilho de sua cultura excepcional, granjeando um renome quase ímpar no magistério brasileiro. Escreveu algumas obras sobre direito público e também outros livros sobre temas os mais variados. No prefácio de um dicionário jurídico faz uma referência repleta de gratidão ao cuidado de sua filha Quiterinha, que, em longos meses de trabalho, ficara noites e noites a transcrever anotações.

Um de seus mais íntimos amigos vem prestar ao autor destas notas alguns dados a respeito de sua vida no lar. Dotado de uma jovialidade inalterável, era um estímulo aos moços e uma advertência aos vencidos. Na sua casa, onde reinava a alegria e o bom gosto, fazia bem vê-lo ao lado da esposa, nobre e virtuosa dama brasileira, a discutir com os filhos os assuntos palpitantes da época. Dona Senhora, como era tratada na intimidade a esposa do Dr. Vellozo, foi, em parte, a animadora de sua caminhada.

O destino foi cruel para Thiers Vellozo, que não chegou a ver a arrancada gloriosa de Outubro de 1930. Quando ele tombou a 27 de Agosto, a cidade se abalou de tristeza. À beira do seu túmulo levantaram-se, entre muitas, as vozes dos seus alunos. Dois deles, Mário da Silva Nunes e Beresford Moreira, discursaram no adeus da mocidade. Era a gratidão dos discípulos ao mestre que partia...

Vinte anos se passaram. Mas os seus exemplos estão vivos e resplandecentes e todas as ideias pelas quais lutou acabaram vitoriosas, ou estão a caminho da vitória...

 

Fonte: Coleção Grandes Nomes do Espírito Santo - Antônio Gil Vellozo, 2013
Texto: Roberto Moscozo
Coordenação: Antônio de Pádua Gurgel
Onde adquirir o livro: Editora Pro Texto - E-mail: pro_texto@hotmail.com - fone: (27) 3225-9400 

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