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As revolucionárias nos anos 30 - Por Francisco Aurélio Ribeiro

Haydée Nicolussi - Capa do Livro de Francisco Aurélio Ribeiro

Em Vitória, na capital do Estado, em 1921, foi criada a Academia Espírito-Santense de Letras. O preenchimento das vinte cadeiras originais só ocorreu em 1923. Todos os vinte acadêmicos fundadores e respectivos patronos eram homens. Em 1938 foram criadas mais dez cadeiras. Também nenhuma mulher foi lembrada para a acadêmica ou patrona. Em 1939, adaptando-se à estrutura da Academia Brasileira de Letras, criaram-se mais dez cadeiras, inteirando o número atual de 40. A cadeira nº 32 teve como patrona Maria Antonieta Tatagiba, mas a primeira mulher a entrar na Academia Espírito-Santense de Letras foi a também primeira deputada do Espírito Santo, Judith Leão Castelo Ribeiro (1906-1982), em 1981.

Maria Stella de Novaes (1894-1990) e Haydée Nicolussi (1905-1970) são da mesma geração e foram revolucionárias de seu tempo, cada uma a sua maneira. Maria Stella tornou-se a grande pesquisadora interdisciplinar da história do Espírito Santo. Dedicou-se ao estudo da ciência, da física e da química numa época em que à mulher destinavam-se a música e as línguas. Tornou-se catedrática de História Natural do Ginásio do Espírito Santo, em 1925, com a tese “Entomologia econômica”, contra toda barreira masculina. Aposentada em 1936, Maria Stella dedicou sua longa vida à pesquisa, tendo publicado mais de 60 obras sobre Pedagogia, Folclore, Memória, Botânica e História. Deixou várias obras inéditas e um único livro de poemas, Saudade! , publicado em 1977, que não a engrandece, visto que se trata de obra com poemas tradicionalistas, saudosistas, cheia de chavões e imagens corriqueiras. No mesmo ano, publicou o romance Sol do Itapemirim, uma história de amor não concretizado, cujo maior valor está na reconstituição da vida rural no início do século, a linguagem científica que usa para descrever a natureza e algumas passagens do folclore. Maria Stella de Novaes foi uma revolucionária dentro do sistema porque se impôs numa sociedade falocrata e machista pela sua inteligência e persistência. Foi a grande pesquisadora da história e da cultura do Espírito Santo, papel difícilmente a ser superado por qualquer homem, pois a isso dedicou sua longa vida com beneditina tenacidade.

Haydée Nicolussi (1905-1970) foi uma autêntica revolucionária. Nascida em Alfredo Chaves, estudou no tradicional Colégio do Carmo. Foi para o Rio, fez museologia no Museu Histórico, estudou inglês e concluiu um curso de Artes, em Paris. Funcionária do Museu Nacional de Belas Artes escreveu em jornais e revistas. Em 1929, foi premiada num concurso de contos da revista “O Cruzeiro”. Foi tradutora de Buckarin, Gladkow e Lin-Yu-Yang. Teve poemas traduzidos para o espanhol e o francês. Em 1935 foi presa pelos policiais de Getúlio Vargas por envolvimento na “Intentona Comunista”. Foi uma das companheiras de cela de Olga Benário, citada por Fernando Morais.

Haydée Nicolussi publicou um único livro de poemas, Festa na sombra, em 1943, aos 38 anos de idade. A Ed. Pongetti, que o publicou, apresenta Haydée Nicolussi, destacando a originalidade do seu estilo e audácia de idéias. Segundo a mesma apresentação, a autora “dedica todas as suas horas livres à colaboração literária em nossos principais jornais e revistas, sendo o seu nome justamente festejado em todo o país”. A novela de fundo social, que estaria sendo escrita por ela, e “aguardada nos meios intelectuais com manifesta ansiedade”, de acordo com a mesma nota, permaneceu inédita. Teria sido mesmo escrita? Segundo a mesma editora, estariam em preparo, pela mesma autora as seguintes obras : Canções de Torna Viagem, poesias. Contos inverossímeis, Três recordações de infância e outros contos; Os desambientados, romance. Por que não foram publicados? Ainda existirão?

Seus poemas de Festa na sombra são neo-simbolistas, tanto na temática, quanto na forma: versos livres, soltos, brancos. O primeiro poema “Espera” é bem ceciliano:

“Onde andará a que partiu diáfana e vestida de nuvens do meu corpo,

a de olhos virgens que não sabia espiar dentro das cousas,

a que levava as palavras atadas embaixo da língua

com medo de assustar os pássaros?” (p.7)

Certamente Haydée Nicolussi, intelectual no Rio de Janeiro, ao final da década de 20, representa a tendência modernista pós-simbolista, que se desenvolveu em torno da revista Festa, a partir de 1927. Adeptos da poesia de verso livre, “fizeram composições singulares, folhas mortas de Verlaine, sonoridades silábicas, que lembravam a influência longínqua do nosso poeta negro”. Este movimento trazia a tônica espiritualista e dele fizeram parte Adelino Magalhães, o crítico Nestor Vitor, Murilo de Araújo, Gilka Machado, Andrade Muricy, Barreto Filho, Cecília Meireles e Tasso da Silveira.

Qual teria sido a participação efetiva de Haydée Nicolussi nesse grupo? Literariamente, seu livro Festa na sombra nele se engaja. A presença de vocábulos como “diáfana”, “vestida de nuvens”, “olhos virgens”, “palavras atadas embaixo da língua”, “ânforas” e a própria temática são comprovadamente neo-simbolistas.

O poema título, “Festa na sombra”, é bem característico da ambigüidade simbolista: a dualidade matéria/espírito, bem/mal, religiosidade/paganismo, individual/social:

 

“O Mal tem tanto poder quanto o Bem e quebram

os lampadários de Deus nas almas angustiadas.

 

Peregrinos da sombra caminhamos

numa alegria de contraditória e constrangida:

- esbanjamos energias em favor dos saciados.

Racionamos a fé entre vidas vazias” (p.9)

 

Os poemas “Evocação” (p.11), “Elegias do tempo dourado” (p.14), dedicado às colegas do Carmo, e sua segunda parte dedicada “às colegas do British American School” (p.16) evidenciam uma escritora saudosista da infância e da juventude, cuja memória é acompanhada da música dos clássicos, e transformam o seu presente “numa música na sombra” (p.18).

Em “História humana” (p.20), a autora, após relembrar a história da civilização desde a antiguidade à era moderna, pergunta-se, cética:

 

“Quando chegará o dia em que o homem remido aceite

a vida como ela é, morrendo aos poucos, deixando

em paz o sonho, o trabalho, a dor de ser só e de construir? “(p.22)

 

Uma revolucionária na vida e uma conciliadora na arte, Este parece ser o principal dilema dessa grande mulher, que se opõe à vida de Maria Stella de Novaes, em alguns aspectos, mas que à dela se aproxima em muitos outros. Duas grandes mulheres capixabas de seu tempo, que se impuseram num mundo masculino, pelo valor humano, pelas idéias e pelo trabalho que desenvolveram.

 

Fonte: A Literatura do Espírito Santo, 1996
Autor: Francisco Aurelio Ribeiro
Compilação: Walter de Aguiar Filho, setembro/2014

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