Gabriel Bittencourt e a Historiografia Espírito-Santense - Por Marcello de Ipanema Cybelle de Ipanema
Prefácio ao livro de Gabriel Bittencourt, Notícias do Espírito Santo, resultante de sua produção em diferentes veículos — comportamento comum da criação no Brasil —, sobre o passado do Estado, com oportuno questionamento ambiental e sobre a qualidade de vida dos capixabas. Como o apadrinhamento e o regional fazem sentido para nós, agradecemos ao autor a oportunidade do espaço.
Valor e necessidade do regional
O valor e a necessidade do regional só podem ser exaltados. Ninguém, nem mesmo os destituídos de bom senso e os supostamente hipercapazes, teriam argumentos para justificar qualquer marginalização do regional, em qualquer situação, mormente no relativo à História.
O regional tem uma qualidade essencial, o existente. Ele não é uma abstração, é real, palpável, do dia a dia.
Pena que, como os ingleses e espanhóis, não continuamos a boa tradição latina do comum.
O regional é o cotidiano dos comuns no mesmo espaço.
O axioma é aplicado em qualquer faceta do conhecimento, logo o da construção do passado não é excluído.
A História Regional é indispensável e seus méritos, inquestionáveis.
A era do regional
O direcionamento para o regional não é bandeira moderna nem privilégio de épocas remotas, porque sempre esteve nas consciências e nos estudos. A permanência do interesse tem explicação: o regional é o chão trabalhado pelos comuns, próximos, os entes que, por diferentes meios e diversos objetivos, nele operam.
Embora sempre presente em nossa historiografia, o regional cresce com a expansão dos Cursos de História nas Faculdades de Filosofia cujo pioneirismo é detido pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro — associação civil responsável, desde 1838, por tantos marcos nas áreas do saber do país —, o criador delas, em 1919.
Nos momentos mais recentes, o registro das Histórias Regionais só acusa crescimento.
Alvíssaras! Alvíssaras para a expansão.
Novo momento para o regional
O crescimento da corrente e a qualificação de seus beneméritos artesãos já estão a exigir a implantação de conexões do local com níveis de outros planos. O regional tem ligamentos com os eventos nacionais e do exterior. Ele, rarissimamente, para não dizer nunca, é isolado.
Sobra, à maioria dos construtores da História Regional, capacitação para avançar e explorar mais tais domínios, tão indispensáveis como encantadores.
Fontes — o apelo por vezes enternecedor
São sumamente confortadores o carinho e a atenção dispensados às fontes e sua preservação, pelos incansáveis trabalhadores da História Regional. E, de exponencializar, registro de que a edificação do passado local não se restringe a textos, porém se espraia por tudo o que é capaz de documentar o pretérito.
A inoculação do respeito pelos testemunhos do passado, felizmente, avança pelo emocional. A ele integram-se crescentemente, em verdadeiro contínuo, pessoas de todos os níveis. Isto é simplesmente excelente.
A maturidade em relação ao conceito de preservação de testemunhos deixou de ser sonho ou desejo. É realidade assumida até por extratos sociais modestos. A consciência do significado das fontes consolida-se no povo, e nelas se sacraliza a identidade do país.
A marcha batida neste rumo distancia mais os comportamentos de conglomerados, para que o nacional se corporifique em níveis cada vez mais elevados.
Dimensão do regional
A dimensão regional é sempre significativa, mesmo em unidades nacionais espacialmente pequenas. Em continentes como o Brasil, seu volume, por vezes até, ultrapassa seus limites geográficos.
A deletéria assunção, em nosso país, da canhestra mentalidade colonizadora, promovida pelos grandes pólos-nacionais e do exterior, felizmente, com o redimensionamento do regional que vigorosamente vem batalhando para fazer valer sua identidade no mosaico cultural do Brasil, é página que já se pode considerar virada, morta, passada, na História da Pátria.
Este movimento libertador que esfarinha o indesejável colonialismo interno, corre parelhas, unissonamente com o nacional, professado por intrépidos contestadores, para que a nação participe dos destinos do planeta, saindo da submissa e humilhada condição de cevadora da riqueza de outros, como mera fornecedora de matérias primas.
Redimensionar a historiografia regional é operar a libertação e a autonomia da pátria.
Atualidade do regional
Nos momentos nos quais vivemos — geração de novas perspectivas políticas, econômicas, sociais e institucionais — o regional está hipercarregado de atualidade.
A hora é esta.
Ele está em cima da hora.
O regional precisa fazer sua hora, não deve esperar. Explodir, agora, o regional é obrigação dos conscientes, para impedir o enxovalhamento dos autoritarismos centralizadores, normalmente vazios, porém arbitrários, caciquistas e opressores.
A presença do regional, se não fosse — e é — imperativo nacional, no mínimo seria a voz a reclamar o conhecimento da realidade do mosaico que é o Brasil, vale dizer, da consolidação de sua identidade.
Até a conquista desta posição — e depois — é exuberantemente vicejante a atualidade do regional.
Relatividade do regional
Questionar o regional é colocá-lo no plano correto do relativismo. Relativos, igualmente, são o nacional e o internacional.
Tal condição, contudo, não retira densidade nem extrai potencialidade ao regime, porque no local é que se assentam as forças de produção em todos os níveis.
As variáveis do regional serão muitas; porém seu vigor, conforme as circunstâncias, pode ensombrear o nacional.
Em favor do regional há de se acreditar sempre a realidade geográfica do Brasil.
O ideal é que presida as relações de um com o outro a dinâmica do equilíbrio.
Jogar no regional é acelerar o nacional.
Construção da História Regional
Com tais níveis de entendimento, é evidente que o tratamento na construção das Histórias regionais requinta-se a cada passo, em qualidade e, por óbvio, não se enclausura no raquitismo doentio das sequências administrativas. Não são elas vetores, são antes, efeitos das potencialidades regionais, das realidades múltiplas do vigor local.
Sempre, e nos dias atuais de modo mais expressivos documentado está que os descompassos da gestão política com a realidade — cedo ou tarde — são retificados.
No regional os corretivos são mais fáceis de aplicação. Oxalá que tais lições produzam mais efeitos em planos mais complexos do existir da Terra.
Em tais ensinamentos não se veja descida, mas sim ascensão.
Uma nação não se constrói de cima para baixo, mas pela harmonização das múltiplas faces do regional que reflete a força do povo, sempre impulsionada para o alto.
Poluição editorial X capacidade de absorção
A louvação da produção das Histórias Regionais não é atitude que impeça reflexão sobre a questão da poluição editorial face à capacidade de absorção das pessoas.
Verdade é que, longe estão os múltiplos públicos locais de se sentirem saturados de textos impressos. Para chegar a tal estágio muito há que ser industrializado.
Não é, contudo, a quantidade só, que deve ser considerada. Fator ponderável é o custo do produto. Ele pode ser elemento impeditivo para o leitor e para o autor. Normalmente autores e editores não se encontram na operação multiplicadora dos textos, circunstâncias que leva os primeiros a patrocinarem a publicação de seus trabalhos. Quando podem, diga-se, ou — quando encontram —, com apoio de investidores.
Os incentivos fiscais oferecidos a terceiros — pessoas físicas ou jurídicas — somam quantias, às vezes, tão expressivas que, apesar da atualidade da lei, não serão fáceis de ser captados, mormente para investimentos de retorno sem características de agressividade e imediatismo.
As ponderações nos têm conduzido há algum tempo, a sugerir a veiculação das histórias regionais por outros processos.
O jornal local, tão indispensável à existência democrática, é caminho. Meios, também, são "slides", "tapes", as rádios ou outros processos de imagem e som, como as próprias TVs, sem falar nas salas de aula e agremiações culturais e profissionais.
Muitos trabalhos de levantamento do passado regional poderiam ser mais viáveis e consumidos, processados por outros veículos que o livro.
Centrais de Informação
Outros, como cadastramento de fontes, sequências administrativas, associativas, genealógicas, patrimoniais, bem — e muito bem — estariam, armazenados em Centrais de Informações.
Não precisamos — quanto aos computadores — repetir o mau humor dos pretéritos quanto à máquina de escrever. Somente os absolutamente incapazes e os absolutamente egoístas afastam as operações com máquinas, da produção cultural. Afinal, a máquina, como alguns possam imaginar e outros maldosamente insinuam, não inocula venenos letais de répteis.
A cultura não pode continuar a ser patrimônio de inofensivas minhocas ou perigosas jararacas.
Batalhar pela montagem de Centrais de Informação, especialmente para processar o passado regional, é comportamento que podem e devem assumir os pesquisadores de todos os tipos e níveis.
Esta luta, também democratizadora, ajudará a liquidar os derradeiros redutos impatrióticos da cultura nacional, como suas danosas víboras.
A montagem de Centrais de Informação Regional ampliará as possibilidades de domínio do conhecimento, facilitando melhor visão de todos — como deve ser —, do nacional.
O país, em seu passado e presente, poderá estar ao alcance de todos, deixando portanto de ser presa de inescrupulosos exploradores. Seu patrimônio documental passará democraticamente ao povo, seu único e legítimo proprietário.
Gabriel Bittencourt
Gabriel Bittencourt é, a um tempo, pesquisador e construtor do regional. Sua formação, associada à sua insaciável vontade de saber e viver, dotaram-no das condições para perscrutar o que o tempo criou, e montar, com visão cada vez mais abrangente, o realismo do passado.
Sobram-lhe, inclusive, conhecimentos para examinar a questão crucial da historiografia atual: a continuidade do objeto da História — o ser — e do meio, isto é, o planeta no qual ele constrói sua existência.
É um lúcido geoambientalista.
O Espírito Santo
E o Espirito Santo é cenário — como de resto o Brasil e o mundo — no qual as previsões do Patriarca, em 1823 — José Bonifácio — e de Alberto Torres, nos anos 10, as preocupações ambientais e sobre a qualidade de vida das pessoas lamentavelmente já ultrapassaram, de há muito, os limites do tolerável.
Nada justifica a razia a que vem sendo submetida a pequena grande unidade da Federação, que é o Espírito Santo e, muito menos, as imperdoáveis tentativas para apagar seu trajeto cultural.
Contra uma e outra, Gabriel Bittencourt é sentinela indormida, brado indomável.
Historiografia capixaba
Por sua postura crítica, e por seu desempenho nas retortas universitárias, nos cenáculos gremiais, nos jornais da terra e de fora, nas rádios e televisão, e no denodo a que se dá à pesquisa e à reconstrução do passado da terra, Gabriel Bittencourt ocupa espaço amplo e bem situado na historiografia capixaba.
- Seus trabalhos, editados à custa de pertinazes estocadas de florete — ontem para outros não foi diferente — desde o primeiro, que são peças naturais de consulta.
Mais, e multo mais, Gabriel devolverá à terra, porque amplia continuamente seu domínio sobre as informações deixadas pelos antecedentes e não destruídas pelos seguintes, porque gosta de escrever e não tem medo de se submeter crítica da opinião pública. Ao invés de se consumir na pequenez dos medíocres e nos ódios dos incapazes, conquista bravamente espaços em múltiplas comunidades.
Seus textos agradam a todos. Os mais modestos não lhes regateiam aceitação e os cultos neles confiam.
Notícias do Espírito Santo ocupará o espaço que seu autor batalhou para abrir na historiografia capixaba, porém ele já ascendeu ao plano nacional.
Fonte: Notícias do Espírito Santo, Livraria Editora Catedra, Rio de Janeiro - 1989
Autor: Gabriel Bittencourt
Compilação: Walter de Aguiar Filho, janeiro 2021
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