Morro do Moreno: Desde 1535
Site: Divulgando desde 2000 a Cultura e História Capixaba

Mestre Álvaro

Mestre Álvaro e Camburi, 1947

O maciço do Mestre Álvaro – como é hoje comumente chamado – foi, desde os primeiros tempos do século XVI, observado e utilizado por navegadores que por aqui passaram, servindo de notável sinalização para navegação quer por aqueles que demandavam para a entrada da barra do porto do “Sprito Santo” quer para os que seguiam em direção a outros locais do litoral sul do Brasil.

É do conhecimento dos historiadores que Vasco Fernandes Coutinho quando chegou à sua capitania, desembarcando próximo ao Morro do Moreno, em Vila Velha de hoje, avistou o Mestre Álvaro, tanto que descreveu sobre isto, acrescentando ter-se orientado pelo mesmo desde quando vinha navegando ainda longe do nosso litoral.

Em seu “Tratado Descritivo do Brasil” Gabriel Soares de Souza faz referência precisa de toda a área da então Vila de Nossa Senhora da Vitória, da Ponta de Tubarão, da Serra do Mestre Álvaro, de Vila Velha, do Morro do Moreno, do Penedo (embora este ainda não tivesse dito nome). Enganou-se o autor quando pensou tratar-se de um rio a baía de Vitória, fato aliás, de ocorrência freqüente nos escritos dos nossos primeiros viajantes estrangeiros, tendo o mesmo engano ocorrido com outros autores em diversas baías pelo Brasil afora. A razão deste engano é até natural se considerarmos que a baía tem configuração ou aspecto realmente, em muitos casos, ao de um curso d’água doce. Sugere ainda o autor a possibilidade de ser construída uma fortaleza sobre nosso conhecido Penedo, com poucos recursos financeiros permitindo, assim, ótima defesa contra os ataques estrangeiros.

Outro importante livro clássico dos primórdios da história brasileira “Viagem à Terra do Brasil”, de Jean de Lery, infelizmente, não traz detalhamento sobre o nosso Estado do Espírito Santo, apresentando um mapa tosco onde aparece consignado o Rio Doce e o Cricaré.

Compulsamos também “Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil” de Hans Staden, porém, embora preciosos trabalhos sobre o nosso país não nos serviram para o que nos propúnhamos pesquisar. O mesmo se deu com “Tratado da Terra e Gente do Brasil” do Pe. Fernão Cardim e “Cultura e Opulência do Brasil” de André João Antonil. Nada consta neles do que precisamos para avançar nossos objetivos.

Recorremos, também, à notável e preciosa obra dos eminentes naturalistas Johann Baptist von Spix e Carl Friedrich von Martius que visitaram e estudaram nosso país no primeiro quartel do século passado, porém, não encontramos em sua famosa obra “Viagem ao Brasil” nada que pudéssemos aproveitar ao nosso trabalho.

De sua permanência no Brasil, entre 1815 – 1817, o príncipe Maximiliano de Wied-Neuwied escreveu “Viagem ao Brasil” com notáveis descrições sobre tudo o que pode observar. Engana-se, também, o príncipe quando chama de Rio Espírito Santo à baía de Vitória. Ele faz menção nos seus escritos à presença do Monte Mestre Álvaro. Não sabemos como está grafado o original alemão.

Dom Pedro II quando visitou o Espírito Santo na segunda metade do século passado (1860) fez referência ao Mestre Álvaro, escrevendo que a montanha podia ser vista até 60 milhas mar adentro com tempo bom, de acordo com o que consta de suas anotações pessoais conforme Levy Rocha no seu livro “Viagem de Dom Pedro II no Espírito Santo”.

Em 1833 é publicado em Paris o resultado da viagem que outro eminente viajante, Auguste Saint-Hilaire, tinha feito ao Brasil. No que dis respeito à nossa terra espírito-santense a Editora Universidade de São Paulo faz publicar “Viagem ao Espírito Santo e Rio Doce”. Pudemos constatar nesta obra que o famoso naturalista conheceu e descreveu bem a nossa região de Vitória. Faz referência à Montanha de Mestre Álvaro e cercanias de modo preciso e informando que, apesar de ser coberta por matas virgens, no meio delas já existiam plantações de mandioca, algodão e milho e constatou a presença de muitos animais silvestres. Diz usar a grafia que lhe pareceu concordar com a empregada pelos moradores locais. Mestre Alvo. Corria o ano de 1818 e Vitória tinha 4.245 habitantes (cf. Revista Você, Ago. 1993).

Grande estudioso da nossa gente e nossa terra, Basílio Carvalho Daemon na sua “História e Estatística da Província do Espírito Santo” discorreu sobre a chegada de Vasco Fernandes Coutinho, detalhadamente informando que o donatário teria tomado o pico do Mestre Álvaro como ponto de referência para sua navegação e rumo, quando por aqui aportou nos primórdios da nossa história.

Há cento e vinte e cinco anos passados (1870) o renomado geólogo canadense Charles Frederick Hartt publica nos Estados Unidos importante trabalho, resultado de suas pesquisas no Brasil, com o título de “Geologia e Geografia Física do Brasil”, estudando parte do nosso Estado, escrevendo de maneira clara e acessível, explicando e descrevendo a paisagem física por ele observada. Menciona o Penedo, a baía de Vitória, e como não podia deixar de ser, também faz referência ao Mestre Álvaro ou Morro da Serra, considerando-o uma montanha de gnaisse. Exagerou na sua altitude quando fala de 3.500 pés, ou seja, mais de 1.000 metros. Confirmou o que os outros haviam dito: a montanha era coberta de floresta e nas encostas existiam plantações de café.

Num livro singelo demonstrando muito carinho pelo município serrano, Naly E. Miranda em “Reminiscência da Serra” cita o historiador a professor Pe. Alves de Siqueira que, em versos publicados em 1884, assim expressa:

Assoma, ingente alta montanha
Mestre Alvo, aos nautas conhecido
É a natural, linda peanha,
Onde se propõe enobrecido

Um povo, que jamais se acanha
No labor da lavoura enriquecida
Se não tem do engenho, alta agudeza
Sobram-lhe brios, honra e nobreza

“Reminiscências da Serra” alude que muitos sustentam a denominação Mestre Alvo uma vez que o acidente geográfico em tela teria servido de guia aos navegantes do passado. Também nesse livro citado está expresso de maneira vaga e imprecisa que há quem diga que o nome da montanha é Mestre Alves, pelo fato de ter existido, num passado longínquo, um professor que morava na encosta, conhecido por esse nome. Prossegue N.E. Miranda, sem muita precisão, que outras acreditam ter existido um professor conforme a história anterior, porém, com o nome de Mestre Álvares. Finalmente, alude a uma história de que outros ainda admitem que o nome é Mestre Álvaro, advindo do fato de que este era o nome de um mestre de embarcação que se servia desse monte para orientar-se a fim de aportar o seu barco (ainda voltaremos a tratar do problema dos nomes do maciço mais adiante).

Mário Aristides Freire em “Capitania do Espírito Santo” escreve que Saint-Hilaire subiu no Mestre Álvaro quando esteve por nossas paragens, acrescentando que tal denominação já era registrada em 1587, tendo o governador Rubim pretendido transformá-lo em Alvo. Entretanto, na revista do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil, em seu artigo publicado em 1817, constamos que Francisco Alberto Rubim não emprega o topônimo Mestre Alvo, mas, Mestre Álvaro.

O ilustrado escritor Luiz Serafim Derenzi em “Biografia de uma Ilha”, discorrendo sobre o desembarque de Vasco Fernandes Coutinho em nossas plagas, emprega o topônimo Mestre Alvo, acrescentando, porém, que os antigos também usavam o substantivo próprio Álvaro.

A festejada escritora e historiadora capixaba Maria Stella de Novaes na sua magnífica “História do Espírito Santo” mostra que o colonizador se serve do Mestre Álvaro para a penetração na Baía do Espírito Santo.

Em seu livro didático “Corografia do Brasil”, Mário Vasconcelos da Veiga Cabral, muito conhecido das antigas gerações brasileiras, numa Geografia de enfoque fortemente descritivo e por isso mesmo muito criticado, dissertando sobre nossa terra emprega o topônimo Monte do Mestre Álvaro, fazendo alusão ao Pe. Aires de Casal, que teria escrito: “O Monte de Mestre Álvaro, que é uma montanha quase circular vistoso, e a mais alta da costa, perto de três léguas afastadas da praia, em partes escalvada e de rochedo, n`outras povoada de matas, etc. teve um vulcão na antiguidade”.

O historiador Francisco Eugênio de Assis, estudioso da nossa terra, em seu “Dicionário Geográfico e Histórico do Espírito Santo” teve oportunidade de grafar por várias vezes quando descreve as divisas intermunicipais e interdistritais do município da Serra, o morro Mestre Alvo e não Álvaro.

Há vinte anos a Fundação Cultural do Espírito Santo publicou trabalho do professor e geógrafo Cícero Moraes, saudosa figura expressiva na nossa cultura, sob o título Geografia do Espírito Santo, em que há referência ao Mestre Álvaro, sendo este considerado como um maciço gnáissico com aparência de vulcão havaiano extinto, para quem olha do norte e do mar. Embora aqui esteja gravado Mestre Álvaro, em outros trabalhos de sua autoria ele usa Mestre Alvo.

Na verdade as denominações dadas ao maciço são várias e apenas a titulo de ilustração queremos apresentar todas as que pudemos catalogar. Algumas delas são simples aglutinações da linguagem popular: Mestrealvo, Mestrialve, Mestre Alvarez, Mestre Álvares, Mestre Álvaro, Mestre Alves e Mestre Alvo. Nos dias de hoje predomina a denominação Mestre Álvaro.

Antes de adentrarmos nesta questão queremos com todo respeito discordar daqueles que imaginam ter existido, em épocas recuadas de nossa história, pessoa encarregada de acender fogueira no cume do maciço (como se fosse um faroleiro), para orientar os navegantes que por aqui vinham aportar. Parece-nos hipótese inconsistente se imaginarmos as dificuldades que tal indivíduo teria naqueles tempos para realizar o seu mister num local de difícil acesso, de altitude considerável, coberto de mata densa e habitado por animais peçonhentos. Quanto tempo dispenderia tal indivíduo para realizar uma tarefa dessa?

Bem, quanto ao topônimo, admitir que tenha sido originado do nome de um professor que habitava as encostas, e ao qual os habitantes das proximidades chamavam Álvares ou Alves, também não deve corresponder à verdade, pois esse pretenso professor teria existido séculos depois de se ter conhecimento do Maciço, quer na cartografia primitiva, quer nos textos mais antigos.

O mesmo pensamos da hipótese alegada por alguns de que Mestre Álvaro originou-se do nome de um mestre de embarcação que se orientava pelo maciço para chegar ao local próprio para ancoragem do seu barco. Se existiu esse mestre foi, com certeza, muito depois da chegada dos navegadores e colonizadores à nossa terra.

Sem querermos dar como palavra final achamos mais convincente que tenha sido Mestre Alvo o nome que, naturalmente, tenha surgido para cognominar esse acidente geográfico. Ora, mestre porque – como já comprovado historicamente em documentos escritos pelos primeiros navegadores e colonizadores desde o século XVI – a montanha servia de guia à navegação e de sinalização para a entrada da baía do Espírito Santo.

E Alvo, por quê? Porque, dizemos nós, a culminância do morro sendo constituída por encostas muito abruptas, não permitindo que a vegetação ali se desenvolva, expõe à vista a rocha nua com tonalidade mais clara, contrastando com o verde escuro das matas. Imaginemos no século XVI como não deveria ser a cobertura vegetal ali reinante! A própria decomposição da rocha, graças à meteorização dos seus elementos construtivos (seja granito ou gnaisse) solta muitas vezes resíduos mais claros (quartzo, feldspato e mica branca). Pensemos agora num dia de pleno sol à distância de muitas milhas mar afora: o que poderia ver o navegante senão um belo monte todo verde com o cume esbranquiçado? Daí, concluímos, a razão do topônimo Mestre Alvo. Daí, também, Alvo significaria mira, ponto que serviria para marcar determinada direção a ser tomada pelo navegador.

Não é de admirar o fato de ter sido mudado o nome original, pois isto é fenômeno não tão extraordinário assim, visto que são muitos os exemplos pelos quatro cantos do Brasil em que, seja por mal entendimento da pronúncia, do linguajar simples da gente do povo ou por acontecimentos ocorridos na história local, os topônimos podem sofrer grandes transformações, quando não são totalmente desfigurados, ficando completamente irreconhecíveis.

Uma busca à origem do topônimo:
Toponímia é a divisão da onomástica que estuda os topônimos, ou seja, nomes próprios de lugares, da sua origem e evolução; é considerada uma parte da lingüística, com fortes ligações com a história, arqueologia e a geografia.

 

Fonte: A Propósito do Mestre Álvaro 
Autor: Ricardo Brunow Costa – 1995
Compilação: Walter de Aguiar Filho, agosto/2012
Nota do site: o livro tem uma extensa bibliografia que poderá auxiliar muito outros pesquisadores em diversos temas relacionados ao Espírito Santo

 




GALERIA:

📷
📷


Monumentos

Praça João Clímaco

Praça João Clímaco

Localizada em frente ao Palácio Anchieta, a Praça João Clímaco, ex-praça Afonso Brás, foi durante três séculos chamada ora como largo do Colégio, ora largo Afonso Brás

Pesquisa

Facebook

Leia Mais

Orografia - As 10 mais altas Montanhas do Espírito Santo

Mestre Álvaro (ou Alvo). É uma bela montanha que se ergue, isolada, em extensa planície, ao norte da cidade de Vitória, no vizinho Município da Serra 

Ver Artigo
Grandes Construções - As 10 mais destacadas por Eurípedes Queiroz do Valle

Situa-se na Ponta de Piranhém ou Tubarão que lhe dá o nome no extremo norte da baía de Vitó­ria

Ver Artigo
O Farol de Regência - Por Geraldo Magela

O farol foi inaugurado no dia 15 de novembro de 1895, no governo Muniz Freire, que defendeu na Câmara do De­putados a necessidade de sua instalação

Ver Artigo
O Itabira e o Frade e a Freira - Por Gabriel Bittencourt

O Itabira: esguio monólito que os cachoeirenses fizeram símbolo da cidade, e os intelectuais de sua Academia de Letras transformaram-no no seu escudo e emblema

Ver Artigo
Praça João Clímaco

Localizada em frente ao Palácio Anchieta, a Praça João Clímaco, ex-praça Afonso Brás, foi durante três séculos chamada ora como largo do Colégio, ora largo Afonso Brás

Ver Artigo