Moniz Freire na Presidência do Estado
José de Melo Carvalho Moniz Freire assumiu as rédeas do governo, eleito pela Assembléia, para cumprir mandado constitucional de 1892 a 1896.
Político de grande projeção eleitoral, dispunha de talento e cultura jurídica amadurecida.
Elaborou programa ousado de governo, fundando-se na receita ascensional do tesouro, proporcionada pela alta repentina e perigosa do preço do café. Os saldos surpreendiam os orçamentos ano a ano. O crédito nacional, com a consolidação da República, abria aos Estados da Federação perspectivas inebriantes. Podia-se planejar a longo prazo. Nos núcleos coloniais floriam os primeiros frutos redentores. A colheita do café, cuja cultura se ensaiara em 1842, alcançava, no fim do primeiro ano de governo, a casa dos 362.280 sacos. Dirá o presidente: "O Estado, que até os últimos dias, que antecederam à Constituição Republicana, era arrolado nas estatísticas oficiais como fardo da Nação, revelando rapidamente o seu cabedal de riqueza e de vida própria, sopesando, sem constrangimento algum, os grandes ônus da nova situação política, apresenta um orçamento cinco vezes maior que o da antiga Província".
O exercício financeiro de 1893 se encerrou com o saldo de 797.090$662, trinta e dois por cento à mais sobre o orçado, resultado auspicioso e suficiente para entusiasmar qualquer administrador. As propriedades se valorizavam, o imposto de transmissão previsto em 150.000$000, atingiu a 318.180$575, índice magnífico da prosperidade privada. A libra-ouro valia dez cruzeiros em nossa moeda de hoje. O comércio de Vitória, e principalmente o do Porto do Cachoeiro de Santa Leopoldina, importavam diretamente da Europa mercadorias, manufaturas, enlatados e bebidas. O momento exigia a realização do sonho secular dos capixabas: saneamento da cidade e vias de comunicação.
Não foram felizes os contratos com a Companhia Torrens para o serviço de abastecimento de água, esgotos e arruamento do "Carapinho" e "Vila Rubim". O serviço de água não passou de medições do Formate e dos alicerces do reservatório de Santa Clara. Os arruamentos, mal orientados, criaram o complexo Vila Rubim, de solução impraticável. O Quartel de Polícia, não obstante sua arquitetura clássica no gênero, todo em alvenaria à vista, com ameias e torreões medievais, foi levantado em terreno de vasa sem as necessárias medidas de segurança. O teatro Melpômene, de pinho de Riga, bem proporcionado e disposto, não fosse a perecibilidade do material, teria sido um atestado razoável, um marco definidor do interesse do governo em proporcionar ambiente adequado à cultura do povo. Não resistiu ao tempo e o Largo da Conceição não recebeu melhoramentos, que o destacasse e protegesse. O palácio do Congresso, na cidade alta, hoje Tribunal de Justiça, numa arquitetura clássica mal definida, portou-se melhor e o serviço de marcenaria sobrepujou o dos estucadores. O hospital da praia do Suá não foi além dos alicerces robustos, que a incúria da fiscalização municipal permitiu se transformasse em favela perigosa e prejudicial aos arruamentos do bairro.
A urbanização de uma cidade só pode ser feita através de plano de reconstrução progressivo, e seus novos bairros, para atenderem aos desapropriados, devem ser construídos antecipadamente.
Moniz Freire confiou ao jovem engenheiro sanitarista, Francisco Saturnino Rodrigues de Brito os estudos e a construção do "Novo Arrabalde" nas magníficas praias da zona norte da ilha, desde o Suá até a "Ponte da Passagem". O projeto é impecável. Saturnino externou seu pendor urbanístico, criando a verdadeira técnica, no Brasil, do planejamento racional de uma cidade. Não obstante ter sido concebido antes do aparecimento dos veículos automotores, o bairro teve todas as condições ótimas de tráfego. Os eixos das avenidas Norte-Sul e da Penha não podiam ser melhor orientados. Usando artifícios da numerologia positivista deu, às vias e quadras, dimensões múltiplas de sete, perfeitamente harmônicas. Mutilado por aproveitadores da desídia funcional, que, lhes furtaram as áreas verdes, o bairro de Praia Comprida é o único atestado de técnica e bom gosto da engenharia municipal de Vitória. Os acidentes orográficos foram aproveitados como moldura natural, vestidos de vegetação praiana.
O povoamento do bairro ficou na dependência do transporte e do abastecimento de água. De Jucutuquara ao Suá, construiu Saturnino o eixo da atual Avenida Vitória, cujo aterro se foi abatendo em processo de consolidação, restando os postilhões em arco, cravados sobre alicerces estáveis. O primeiro habitante, da Praia, classificado, foi o Sr. Nicolau von Schilgen, que no começo do século formou pitoresca chácara no morro Guaruju. As vilas Monjardim e Hortícola não foram respeitadas, em prejuízo do conjunto com tanto engenho projetado por Saturnino de Brito.
O bairro despertou interesse a partir de 1920, quando Nestor Gomes voltou suas vistas providenciais para aquela zona. A praia do Suá, pela sua proximidade com o morro Bento Ferreira, onde se havia estabelecido um canteiro de construção naval, teve seus lotes ocupados, em parte, desde 1906, facilitados também pela linha de carris urbano, à tração animal e depois a vapor, que ali terminava. Não prosperou. Foi efêmera a vida da Praia do Suá, cuja pista, para corridas de cavalos não conseguiu despertar maior interesse aos moradores da ilha. A primeira casa de pedra e cal, construída naquele bairro, pertenceu a Emilio Parras, espanhol, pintor e decorador, na Rua Vila Velha. Essa zona praiana da ilha, até o começo do século, era pouco trafegada e praticamente despovoada. Faltavam-lhe caminhos e desmatação. Toda a orla marítima era coberta de intensa vegetação, quer de "mangue", nos alagadiços, quer de cajueiros, palmeiras e arbustos próprios de solo arenoso. A comunicação com a "Ponte da Passagem" se fazia por Maruípe, cuja estrada colonial se transformou em Avenida com pouca variação de traçado.
Moniz Freire teve pràticamente sua atenção voltada para a "Estrada de Ferro Sul do Espírito Santo". Vitória insulava-se duplamente: pela natureza geográfica e pela falta absoluta de interligamento com os municípios do interior, para onde afluíam colonos estrangeiros em levas regulares, desde 1856. A estrada era, portanto, necessidade premente e inadiável. Embora de traçado político, que a tornou deficitária, ela prestou relevantes serviços à economia espírito-santense, principalmente, depois de vendida à Leopoldina, que a levou a bom termo. Os ingleses terminaram a ligação Matilde — Cachoeiro do Itapemirim.
O último decênio do século findava. A crise balançava-se ameaçadora e o saneamento, tão desejado, se distanciava das vistas dos capixabas. Respondemos assim as nossas próprias perguntas. Pouco se fez de concreto, isso motivado pela dispersão de esforços e falta de planejamento. Uma alegria cristã iluminou, contudo, os corações devotos. Sua Santidade Leão XIII elevou o Espírito Santo a bispado, na pessoa veneranda de D. João Néri.
O SÉCULO XX
A volta de Moniz Freire ao governo de 1900 a 1904, foi de amargura política e financeira. Henrique da Silva Coutinho, que o substituiu, foi homem probo, que não pôde realizar nada de positivo devido aos pesados encargos do Tesouro e à queda-relâmpago da receita. O café "caiu" de oito mil e tanto a três mil e trezentos réis a saca. Não obstante, o presidente tentou por todos os meios prover a Capital de água e esgotos. Confiou o serviço ao próspero negociante Augusto Cruz, sócio da conceituada "Casa Verde", de Cruz, Duarte & Cia., antecessora de Cruz, Sobrinhos & Cia. Mas as dificuldades políticas, a penúria financeira, o descrédito do Estado, cercearam a ação do governo e a boa vontade do ilustre negociante português. "Pouco pude fazer no concernente a melhoramentos da Capital. Alguns vestígios, porém, aí ficam da minha passagem pelo Governo, e, se iniciei esses melhoramentos, dispondo de tão reduzidos recursos, como todos sabem que assim eram os de que podia lançar mão, foi devido ao poderoso auxílio do Diretor de Obras e Empreendimentos, que, imprimindo aos inúmeros serviços a seu cargo a maior honestidade, a mais rigorosa economia, conseguiu, com muito pouco dinheiro, mudar completamente o aspecto horrível de certos pontos da cidade, especificamente o do largo do Palácio até a Ladeira Maria Ortiz, tornando-o, ao menos, higiênico e aprazível." Nunca se esqueceu tão depressa um chefe de Estado!
Fonte: Biografia de uma ilha, 1965
Autor: Luiz Serafim Derenzi
Compilação: Walter de Aguiar Filho, janeiro/2017
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