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A República no Espírito Santo

Vila Rubim (cidade da palha), no início do século XX

A REPÚBLICA

Ao se proclamar a República, o Espírito Santo acorda de longo sono, cheio de pesadelos, e se apercebe de sua miséria física e moral. Valoriza seus filhos e passa a governar-se por si mesmo. As lutas políticas, pela disputa do poder, não diminuíram o interesse dos homens públicos em prol da grandeza e prosperidade da terra. Os problemas administrativos são encarados com realismo.

Adotam-se soluções. Foram precipitadas? Foram proporcionais às necessidades do momento? Foram exeqüíveis em relação aos recursos de então? É o que iremos analisar.

Preliminarmente o Poder Executivo ganhou corpo, consistência e continuidade. Os governadores provinciais não tomavam interesse ativo na administração, porque, além de demissíveis "ad nutum", eram áulicos da Corte à espera de boa sinecura. Seguiam a sorte do gabinete que estivesse no poder. Não traziam, quando designados, programa e não os elaboravam, porque se julgavam de "passagem". Serviam à política do primeiro ministro, mas não ao povo, que governavam.

O regime era falho nesse capítulo e altamente prejudicial às províncias de fraca densidade demográfica e de pequeno valor econômico. Só por esse motivo se justificava a queda da Monarquia. Com o advento da República, a autonomia dos Estados possibilitou certa auto-determinação política e administrativa. O governo teve prazo fixo, estável, para cumprir sua tarefa. Podia-se planejar ou pelo menos programar certas realizações dentro do espaço-tempo. O governo tornou-se mandatário do povo e por ele fiscalizado através das Assembléias Legislativas. Os governos, enfim, eram locais, conhecedores das necessidades de seus territórios.

As constituições estaduais facultaram recursos financeiros, por meio de empréstimos internos e externos. Essa praxe foi levada, mais das vezes, ao exagero, com prejuízos ruinosos para os Estados e lucro condenável para os intermediários.

Ao fim dos dez primeiros anos de República, quase todas as unidades da Federação atingiram a insolvência, inclusive o modesto Espírito Santo.

A mudança foi muito brusca, sem o devido preparo político. Os erros em parte se justificam pelas crises econômicas por que passou o país.

O CONSELHO MUNICIPAL

Cleto Nunes e Anthero de Almeida

Vitória se enriquece de homens públicos. Embora gratuitos, os cargos municipais eletivos são disputados com interesse e civismo. Não há demagogia. Quer-se o benefício comum. Vamos encontrar, em janeiro de 1893, no Conselho Municipal, Antero de Almeida, Joaquim Corrêa Lírio, Eugênio Pinto Neto, Passos Costa Júnior, Alvino Aguiar, Cleto Nunes, além de outros. O regimento os obriga a uma sessão por mês, mas a causa municipal os leva a três e quatro reuniões extras. Os problemas são múltiplos, os conselheiros não se descuidam, sacrificam seus interesses particulares e estudam assuntos, muitas vezes, acima de seus conhecimentos. O Poder Executivo é exercido cumulativamente pelo Presidente do Conselho. Ainda não há Prefeito. Um legítimo colegiado de homens de boa vontade.

Não existe legislação municipal; é necessário elaborá-la. E o Conselho Municipal, numa tarefa ingente, vota o Código de Posturas, exigindo, para o licenciamento de obras, planta com determinadas exigências. Organiza o serviço de Limpeza Pública. Coleta domiciliária de lixo. Inicia o saneamento de valas e banhados. Disciplina o abastecimento de carne, que, numa carência ocasional, foi importada da Argentina. Polícia as construções civis e protege as matas circunjacentes. Abre novos bairros. Data de então o loteamento do Campinho, hoje Parque Moscose e o da Vila Rubim, que, infelizmente, foi mal planejado pelo engenheiro responsável. A Companhia Brasileira Torrens, concessionária dessa área e do abastecimento de água e esgotos, não mostrou conhecimentos técnicos ao arruar glebas em zona montanhosa. Vila Rubim tornou-se "favela" irrecuperável.

Chamou-se "Cidade da Palha" até 1910, quando o barro e o sapé começaram a ser desbancados pelo zinco, telha e tijolos. A imprevisão, a falta de confiança no progresso da cidade e, principalmente, a ignorância da seção de Terras do Estado são responsáveis pela falência daquele bairro, cujos lotes, em sua maioria, foram legalizados de 1915 a 1930.

Houve uma tentativa honesta, em 1935, de se beneficiar o bairro, quando do término do levantamento cadastral, por parte da Prefeitura. Mas o protecionismo e a burocracia da Seção de Terras criaram embaraços intransponíveis às vozes da razão.

OS ORÇAMENTOS

Apreciação de Cleto Nunes e Moniz Freire

A arrecadação do município, no período monárquico, nunca atingiu a casa dos vinte contos de réis. Em 1894, a receita alcança 170:060$000 e a despesa se efetua com 168:106$666, incluindo a parcela de 82.000$000, destinada às obras públicas. Quarenta e oito por cento do arrecadado!

— Que belo exemplo de respeito aos dinheiros públicos dava Cleto Nunes, primeiro governador municipal republicano, aos presidentes provinciais. Estes mal dispendiam uns magros vinte contos por ano em todo o território. Ouçamos Moniz Freire em sua mensagem de 23 de maio de 1896: "O orçamento do Espírito Santo até 1880 estava elevado a pouco mais de seiscentos contos. É um ridículo enorme, mas devo repeti-lo, para glória nossa, a verba destinada nos orçamentos anuais para obras e melhoramentos públicos era de seis contos de réis de 1879 e mal conseguiu-se atingir a vinte contos dos orçamentos de 1882 em diante. Dos orçamentos municipais não é preciso falar. A província contava 14 municípios, a metade do número atual, e de todos a Capital, o de mais recursos, nunca arrecadou renda superior a vinte contos de réis, sendo essa a média aproximada dos últimos anos financeiros".

É interessante a referência feita à cidade; vamos transcreva-la na íntegra: "A começar pela Capital, que foi sempre a principal cidade do Estado, nada achamos digno de menção. Cidade velha e pessimamente construída, sem alinhamentos, sem esgotos, sem arquitetura, segundo os caprichos do terreno, apertada entre a baía e um grupo de montanhas; não tendo campo para desenvolver-se sem a dependência de grandes despesas; mal abastecida de água; com um serviço de iluminação a gás duplamente arruinado, pelo estado do material e pela situação da sua empresa; carecedora de um fornecimento regular de carnes verdes; sem edifícios notáveis; repartições e serviços públicos mal acomodados à falta de prédios; sem teatro, sem um Passeio Público, sem hospitais, sem um serviço de limpeza bem organizado, sem um matadouro decente; desprovida de toda defesa sanitária; necessitando de construir novos cemitérios, devido à irrevogável condenação dos atuais..."

É inútil encarecermos a narrativa crua do ilustre homem público. Focalizamo-la para justificar os pálidos conceitos, que emitimos neste retrospecto histórico.

 

Fonte: Biografia de uma ilha, 1965
Autor: Luiz Serafim Derenzi
Compilação: Walter de Aguiar Filho, janeiro/2017

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