Patrimônio ambiental: aspectos na Grande Vitória
O legado de bens culturais, históricos e artísticos e o potencial de recursos naturais da Grande Vitória estão ameaçados de extinção, devido ao rápido processo de industrialização e de urbanização desencadeados na região nas últimas décadas.
Ambos os processos tem comprometido o patrimônio ambiental urbano, mais suscetível à renovação urbana, pelo fato de ser explorado de forma exaustiva sem que hajam programas de proteção, recuperação ou correta avaliação do potencial existente e de seu papel na manutenção das condições ambientais. Por isso, a necessidade de intervenção no espaço físico, social e cultural da região de Vitória levou a Fundação Jones dos Santos Neves a elaborar o Plano de Preservação do Patrimônio Ambiental Urbano e Natural da Grande Vitória, concluído em agosto de 1978.
O trabalho visa o enquadramento da região de Vitória no Programa de Cidades Históricas, através de subsídios à elaboração de programas de restauração, revitalização e utilização do patrimônio existente, além da formação de um arquivo que auxilie em futuros projetos de intervenção. Procura, ainda, despertar a consciência da existência de um patrimônio cultural e natural local, através de programas de divulgação junto à população, constituindo-se num alerta às autoridades municipais, estaduais e federais para a problemática que está sendo vivida pela Grande Vitória, principalmente quanto aos riscos de destruição irreversível a que está sujeito o patrimônio, a curto espaço de tempo, devido à rapidez das transformações físico-espaciais e sócio-econômicas que tem ocorrido.
Conceito
A conceituação inicial do patrimônio, mantida até três décadas atrás, abrangia somente os elementos com significativo valor histórico ou artístico e de valor excepcional, considerados isoladamente. Mas esse pensamento sofreu ampliações, adquirindo um caráter mais abrangente, chegando a atingir diversas manifestações culturais. Mais recentemente, organismos estrangeiros e nacionais tem reformulado o conceito de bem cultural que vem perdendo seu caráter de excepcionalidade pela representatividade. A nova abordagem não exclui, em hipótese alguma, os bens culturais excepcionais, mas transcende a obra isolada abrangendo também os espaços da cidade com destaque representativo nos aspectos históricos, culturais, formais, sociais, técnicos e afetivos.
Essa visão de conjunto deve orientar a preservação dos bens culturais e arquitetônicos, cujo relacionamento determina a leitura da cidade. O correto seria preservar manchas arquitetônicas de várias épocas, ciclos econômicos e classes sociais da cidade. Desta forma, o plano se preocupa, não somente com a mera preservação de edificações, mas, também, com a trama de interações que lhe confere vitalidade e importância, transformando-o num patrimônio vivo.
O plano prevê a preservação de ruas, praças, parques, jardins, bairros, praias e espaços culturais ou de afetividade à população da cidade, bem como o potencial mais significativo de recursos naturais existentes na região, como os recursos hídricos, a cobertura vegetal de determinadas áreas, morros, afloramentos rochosos, ilhas e manguezais.
O legado
O legado de bens culturais existentes na região remonta ao ano de 1535, da ta da fundação da Capitania do Espírito Santo. A região possuía expressivo patrimônio natural, apresentando um dos ecótipos mais ricos do Brasil. Apresentou crescimento extremamente lento até fins do século passado, devido à instabilidade político-administrativa e à deficiência de comunicações a que esteve confinada.
Dos municípios levantados, é a capital, Vitória, a que apresenta legado mais significativo. Fundada em meados do século XVI, com implantação típica lusitana, em sítio elevado dominando o mar, apresentou seu desenvolvimento intimamente ligado às condições físico-espaciais do sítio, cuja expansão se fez através da conquista sucessiva de zonas alagadiças, baixios, manguezais e aterros de áreas de mar.
Na passagem para o atual século, com o processo imigratório e conseqüente desenvolvimento da hiterlândia do rio Santa Maria da Vitória, a função portuária ganha novo impulso, constituindo-se, até os dias atuais, numa das principais atividades econômicas da cidade. A cultura do café e o desenvolvimento das comunicações marítimas, fluviais e ferroviárias do início do século geraram transformações significativas na economia regional, tendo reflexo nas cidades através da ampliação da malha urbana e remodelação dos setores mais antigos com abertura e retificação de vias e demolição de grande parte do casario existente. Porém, é a partir da década de 60, com a erradicação do café e subseqüente migração maciça do campo que começam a se processar as alterações mais significativas na região, agravando-se a partir dos anos 70, devido ao impacto ambiental causado pelo contingente populacional que afluiu para a região e pela industrialização, através da implantação dos grandes projetos.
Dos bens culturais e arquitetônicos remanescentes dos períodos anteriores da urbanização, encontram-se mais ameaçados aqueles localizados nos centros das cidades, por situarem-se nas áreas mais dinâmicas e, portanto, os primeiros setores sujeitos à renovação urbana. A grande concentração nas áreas centrais obriga altos investimentos em infra-estrutura por parte do poder público, além dos aumentos sucessivos do valor do solo nessas áreas. Isso acaba criando pressões no sentido de ocupar toda e qualquer parcela de espaço vago e tirar o máximo rendimento possível através do aumento das áreas construídas para a revenda.
A especulação imobiliária, as pressões advindas da imposição de um sistema viário que comporte número crescente de automóveis e a falta de tradição no que concerne à preservação dos bens culturais, configurou a destruição paulatina e gradativa do patrimônio histórico e ambiental urbano.
Os mecanismos para garantir a preservação do patrimônio ambiental urbano não poderão se restringir somente ao tombamento, o que não proporciona eficiência na abordagem de amplas superfícies de transformação. É necessário serem acionados outros instrumentos, como a auto-preservação estimulada por parte dos próprios proprietários, através de incentivos fiscais, controle de urbanização e renovação urbanas; o uso de leis mais amplas em planejamento urbano e a participação da sociedade civil nas decisões de projetos de desenvolvimento urbano.
Compatibilização
Coloca-se, ainda, a questão de como compatibilizar crescimento econômico e qualidade de vida, ou seja, orientar o desenvolvimento urbano de forma que não contribua para a destruição dos componentes mais substanciais da cultura de qualquer povo: seus elementos construtivos e suas maneiras de ser. Sob o ponto de vista sociológico, parece haver um consenso de que o meio-ambiente será mais rico quanto mais diversificação contiver, seja pelo acúmulo histórico, seja pelas criações contemporâneas. Daí, então, valorizar-se-á com maior ênfase aquilo que não poderá mais ser reproduzido, visando salvar o pouco remanescente, a fim de evitar a formação de uma cidade sem história, de um povo despojado de seu mais alto valor de identidade nacional - seu patrimônio cultural.
Quanto ao patrimônio natural, o Estado do Espírito Santo possuía 90% de sua área primitiva em matas tropicais atlânticas, matas altas da restinga, e matas dos tabuleiros terciários. Hoje, o total dessas formações vegetais, as quais demoraram milhares de anos para se formar, não atinge 2% de sua área atual. Observa-se uma transformação do meio ambiente até há poucas décadas inimaginável e que poderá ter caráter sombrio para as gerações futuras que aqui tenham de viver. Proteger o patrimônio natural não significa apenas preservacionismo utópico e dissociado do crescimento humano, mas tomar medidas que possam evitar tragédias futuras para o meio ambiente ao qual o homem se encontra irreversivelmente ligado.
Na parte que toca à preservação do patrimônio natural, é urgente a conscientização da população e do poder constituído no sentido de evitar novas interferências e tentar minimizar as interferências já realizadas.
Metodologia
Foram adotadas, para a realização do trabalho, três diretrizes básicas para levantamento do espaço urbano e natural: levantamento dos espaços edificados, levantamento de espaços abertos e levantamento de elementos do patrimônio natural. Após o levantamento da história local da cidade, uma primeira abordagem de evolução urbana, elaborou-se uma listagem de edificações e dos principais espaços edificados a serem preservados, classificados segundo os grupos de historicidade, caracterização, conservação, representatividade, raridade e valores culturais e paisagísticos. Também uma listagem dos principais espaços abertos de uso coletivo dos centros urbanos, compreendendo ruas, praças, largos, parques, etc. com recomendações de revalorização e integração entre os diversos espaços.
Entre as edificações a serem preservadas, destacam-se o Palácio Anchieta, a Escola Maria Ortiz, o prédio da Assembléia Legislativa, Igreja São Gonçalo, Igreja Santa Luzia, Teatro Carlos Gomes, Hotel Europa, Igreja Nossa Senhora do Rosário, Bar Britz, Bar Santos, Forte São João, todos no município de Vitória. Já em Vila Velha, devem ser alvo de preservação o Convento da Penha, Igreja do Rosário, Igreja da Barra do Jucu, Farol de Santa Luzia, entre outras. No município da Serra, destacam-se como elementos de preservação a Igreja de São Benedito, a Igreja de Queimados, o Conjunto dos Reis Magos e outras. Em Viana, devem merecer atenção a Igreja Matriz, a Estação Ferroviária, a Igreja de Belém e uma casa colonial no distrito de Bonito.
Enquanto isso, o patrimônio natural de Vitória deve constituir-se do Penedo, Maciço Central, Afloramentos Rochosos, Mangues e outros. Em Vila Velha o morro da Ponta da Fruta, os mangues de Aribiri, Lagoa de Jabaeté, Outeiro da Penha, Morro do Moreno, etc. Já no município da Serra devem merecer atenção a orla marítima, as lagoas Capuba e Jacuném, o Mestre Álvaro, o Morro dos Reis Magos e a lagoa Carapebus.
Uma volta ao passado
Foi em 23 de maio de 1535 que Vasco Fernandes Coutinho aportou na costa do Espírito Santo, acompanhado por 60 pessoas, numa pequena praia entre os morros da Penha e Jaburuna; na entrada da baía de Vitória. No local edificaram pequena aldeia de casas cobertas de palha, que passou a ser conhecida como Vila do Espírito Santo. Mas as sucessivas lutas com os indígenas ocasionou a mudança da vila para um local que oferecesse maior proteção.
O local escolhido foi junto à extensa montanha da ilha de Vitória, em um curto espigão da face sul, com parte alta a 20/25m acima do nível do mar, mais ou menos ondulada, com extensão pouco superior a 80.000 m2 cercado de encostas fortemente inclinadas e limitado por manguezais distando mais de uma légua da entrada da baía da Vitória.
A ilha pertencia a Duarte Lemos e, na carta de doação, estava vetada a faculdade de fundar vila ou povoado em Vitória. Da fazenda de Duarte, na ilha de Vitória, supõe-se que faça parte a Capela de Santa Luzia, hoje restaurada e transformada em galeria de arte. O prédio apresenta nítida influência barroca no frontão, possivelmente alterado no século XVIII, e também a ala lateral da nave da Capela.
A data de fundação da cidade de Vitória não é exata, porém ocorreu no período 1549/51, variando segundo alguns autores. Até meados de mil e setecentos, a Companhia de Jesus tem papel fundamental na fundação de aldeias e na catequese aos índios. As fazendas eram especializadas em atividades específicas e serviam para abastecer a sede de Vitória. As aldeias, fundadas no século XVI, hoje transformaram-se nas cidades de Itapemirim, Guarapari, Anchieta e Nova Almeida. A aldeia de Reis Magos (Nova Almeida) é a única do Estado que conserva o traçado urbanístico das aldeias jesuítas.
Vitória
A cidade se desenvolveu segundo modelo medieval, com ruas tortuosas e estreitas, seguindo a topografia do terreno. Na paisagem, se destacava o Colégio Jesuíta, pelas dimensões e local de implantação; em frente à igreja de Misericórdia, edificada no início do século XVII, ligada por viela estreita e tortuosa à Igreja Matriz de Nossa Senhora da Vitória. Numa pequena elevação, na periferia da Vila, foi edificado o Convento de São Francisco, compreendendo a igreja, o convento e um amplo pátio interno; o Convento do Carmo, com Capela da Ordem Terceira que, segundo Saint-Hilaire, pertencia a uma belíssima fazenda. Ambos os conventos possuíam extensos pomares.
Enquanto a arquitetura religiosa construía sólidas edificações para a posteridade, a arquitetura civil caracterizava-se pela transitoriedade e simplicidade, que poderia ser descrita da seguinte forma:
• as casas, na maioria térreas, possuíam pouquíssimas aberturas; as janelas, de guilhotina, possuíam escuros sem venezianas e eram fechadas por tramelas de madeira;
• o cômodo da frente era utilizado para receber, no corpo central as alcovas e nos fundos a sala de jantar, normalmente avarandada;
• a cozinha e o banheiro ficavam separados do corpo da casa.
O século XVIII se caracterizou, na Província, pelo isolamento, pelo lento desenvolvimento e pelo militarismo. Com a descoberta de ouro na Capitania de Minas Gerais, a Coroa tomou medidas de proteção à região aurífera proibindo no Espírito Santo o comércio com o exterior e outras capitanias e a construção de estradas de penetração no interior. A cidade de Vitória foi fortificada por se constituir em ponto estratégico de penetração. Essa situação de dependência agravou-se em meados do século, com a expulsão dos jesuítas e a desativação das aldeias e fazendas. Durante esse século, recebeu intenso aparato militar. Numa extensão pouco superior a um quilômetro, foram construídas e reaparelhadas as seguintes fortalezas: a de São João no estreitamento da baía defronte ao Penedo; o fortim S. Diogo, na prainha junto ao Largo da Conceição; a de Nossa Senhora do Monte Carlo, próxima a Avenida Jerônimo Monteiro, na altura dos Correios e Telégrafos a S. Inácio ou S. Maurício, próximo ao Cais dos Padres, na confluência das ruas; General Osório e Nestor Gomes; e o fortim da Ilha do Boi, na entrada da baía. Das fortalezas resultou apenas parte da muralha do forte S. João e onze canhões.
Em fins do século, a economia foi ativada com a abertura das relações comerciais, através do restabelecimento da ligações marítimas com o Rio de Janeiro, Bahia e outros portos menores. Exportava-se madeira, açúcar, panos e algodão e importava-se vinhos, azeite, linhas e sedas.
O advento do café, as imigrações e outras transformações que se processaram no Estado, no decorrer do século XIX, possibilitaram uma série de transformações na Capital, que resultaram na modificação da estrutura urbana colonial existente. Se num momento a cidade oferecia condições desejáveis de segurança aos habitantes, no futuro, apresentaria condicionantes graves em relação à necessidade de transferência de sítio.
A dificuldade de áreas urbanizáveis para expansão fez com que a cidade crescesse sobre si mesma, resultando na sobreposição dos tecidos urbanos de diferente épocas e na expansão em terras conquistadas dos baixios, mangues e mar.
Até fins do século XIX, a cidade teve crescimento extremamente lento, não passando do núcleo inicial de povoamento, limitada a leste pelo mangue do Campinho e a oeste pelo Largo da Conceição. As ruas eram mal calçadas e freqüentemente enlameadas pelas águas servidas. Os principais melhoramentos executados a partir de 1892, por Muniz Freire, constituiram-se no início dos aterros do Campinho, do Largo da Conceição, na retificação parcial da área junto ao Porto. Essas obras foram concluídas na década seguinte onde foram edificados na área do aterro do Campinho, o Parque Moscoso, e no aterro da Conceição a Praça Costa Pereira.
Através da atividade comercial mantida com as Colônias e com outros estados, a cidade se dinamizou e o Porto começou a adquirir vida. Nele podia ser observado intenso movimento de barco e barcaças, onde eram comercializados café, madeira, frutas, cereais e linha.
Se, durante todo o período colonial, a cidade esteve voltada sobre si mesma, onde as relações se desenvolviam em caráter local, a nova fase faz com que a cidade abra-se para os espaços externos.
A área mais dinâmica, que se localizava na parte alta, deslocou-se para a parte baixa, junto ao porto. A cidade vestiu nova roupagem, através de novas edificações ou reformas nas existentes. Até o início do século XX, a imagem da cidade conservava suas características paisagísticas e culturais sem grandes alterações.
Dando prosseguimento às obras de melhoramentos urbanos, houve renovação no núcleo antigo da cidade através da retificação e ampliação das vias, o que resultou na demolição de grande parte do casario existente e na transformação do traçado colonial.
A ampliação e remodelação do aparelho político-institucional ocasionou: a remodelação/descaracterização do Palácio Anchieta, com a demolição da igreja de São Tiago, e reconstrução da estrutura interna da edificação e revestimento das fachadas com motivos neo-clássicos e neo-barrocos e a construção do pórtico e do acesso principal da Misericórdia para ser edificado o Palácio Domingos Martins (Assembléia Legislativa); a Catedral em estilo neo-gótico substituiu a velha Igreja Matriz; o Mercado Público foi demolido e o Edem Parque cortado ao meio para a implantação da Avenida Capixaba, atual Jerônimo Monteiro.
Da mesma forma que as edificações, os espaços de uso social, as ruas, as praças, largos e escadarias foram transformados. Assim, a escadaria do Palácio, de linhas retas e simples, recebe traço neo-barroco de linhas curvas. A praça João Clímaco, principal espaço cívico da cidade, foi remodelada, recebendo traçado art-noveaux, ocasião em que foi demolido o coreto, local onde aconteciam concertos musicais e outras atividades sociais.
As obras de melhoramentos, iniciadas em fins do século passado e que tiveram continuidade até fins da década de 20, transformaram radicalmente a cidade de Vitória. Com as transformações, o traçado colonial foi ampliado e remodelado para dar lugar às novas vias. Quarteirões inteiros de edificações, na cidade alta, foram demolidos, desaparecendo assim inúmeros exemplares das edificações de taipa. Hoje é possível encontrar-se alguns remanescentes dessas edificações na Rua Muniz Freire, uma vez que foi conservado o seu traçado original.
Nos anos 20, foram retomadas as obras de melhoramentos que compreenderam os· aterros dos bairros São João, da Ilha de Santa Maria e de Jucutuquara, Maruípe, Bombas e Goiabeiras. Foram retomadas as obras de saneamento e serviços urbanos iniciadas na década de 1900/1910. Foi dada continuidade à demolição maciça de casas velhas e insalubres, retificação de ruas, ampliação dos serviços de água, esgotos pluviais, limpeza pública. Foram construídas escadarias na parte alta da cidade, substituindo as ladeiras mais íngremes. Foi, no período 1924/1928, construída uma ponte ligando Vitória a Ilha do Príncipe e ao continente. De ferro, pré-moldada, importada da Alemanha.
Com o crescimento da cidade em direção ao mar. manguezais e baixios, a paisagem se modificou sensivelmente. Devido aos aterros foram alterados os limites da cidade, eliminando inúmeras prainhas e ligando ilhas e afloramentos rochosos que, na parte central, se tornaram mais lineares, diminuindo assim a integração entre água e terra.
Em 1941, foram construídos os diques guias que ligavam as ilhas do Boi, do Sururu e do Bode e, em 1946, começou a funcionar o Cais Comercial para navios de grande calado, com a dragagem do canal de acesso.
Em 1952, com a conclusão do aterro da Esplanada, transformou-se de maneira definitiva o perfil do centro urbano. Da curva do Saldanha da Gama à Ilha do Princípe, as avenidas, os armazéns e o cais do Porto romperam a integração direta da cidade com a baía.
Nos anos 50, os edifícios ainda eram esparsos, restringindo-se ao centro da cidade e a tal ponto desejáveis que a inauguração de um novo prédio se constituía num evento social da cidade. Mudanças mais significativas ocorrem a partir dos anos 60 e, principalmente, na década de 70.
Dos diversos setores da área central da cidade é a parte alta, o núcleo histórico que apresenta maior número de edificações dos períodos anteriores de urbanização.
Ainda existem, do século XVI, a Igreja Santa Luzia, o Palácio Anchieta e o Convento São Francisco. Do século XVII, o Convento do Carmo e do século XVIII a igreja São Gonçalo e a Igreja do Rosário. Algumas edificações de arquitetura popular, próximas a Catedral e na Rua Muniz Freire são os últimos remanescentes das edificações de taipa do século XVIII e XIX. Com exceção das igrejas, a maior parte dessas edificações encontram-se descaracterizadas pelas diversas obras de remodelação que foram executadas. Os dois exemplos mais nítidos de descaracterização são o Convento São Francisco, alterado pelas demolições e inserção de um volume desarmônico ao conjunto e o Palácio Anchieta, que, do antigo Colégio Jesuíta, possui somente as grossas paredes de alvenaria de pedra.
Constituem ameaça ao patrimônio, ainda, as demolições, sendo mais atingidas as residências, últimos remanescentes da arquitetura popular. O desuso também pode se constituir em ameaça às edificações que, quando são abandonadas ou sub-habitadas, deterioram-se em curto espaço de tempo. O mesmo pode observar-se em relação aos exemplares de arquitetura religiosa, que passam a maior parte do tempo fechadas.
A renovação de diversos setores vem sendo feita sem um plano urbanístico adequado que vise ordenar o antigo traçado e edificações, com as novas edificações e vias de circulação. Desta forma, o acervo do patrimônio histórico, cultural e ambiental da cidade está sujeito a desaparecer definitivamente.
A ocupação do restante da ilha é relativamente recente e apresenta-se pouco significativa em elementos de patrimônio histórico e artístico, porém sua maior contribuição é ao patrimônio natural devido às condições paisagísticas e ecológicas de excepcional valor que apresenta a ilha de Vitória.
Vila Velha
Embora tenha havido transferência, para a ilha de Vitória, do principal núcleo de residências da pequena vila, fundada em 1535, ainda persistiu a tendência de crescimento da vila fundada entre os morros da Penha e Jaburuna. Ainda no século XVII, foi construído, na entrada da baía de Vitória, o forte S. Francisco Xavier, de planta circular, junto ao morro da Penha. No século XIX foi fundada a Santa Casa de Misericórdia de Vila Velha e a Hospedaria de Imigrantes, durante o processo de imigração. Na Ponta de Santa Luzia foi edificado, em 1871, o Farol de Santa Luzia, para apoio à navegação.
Até o início do atual século, Vila Velha apresentou crescimento extremamente lento. A cidade não se estendia além do núcleo inicial de fundação. A ligação com Vitória era feita através da linha de barcos, fazendo percurso: Vitória, Paul, São Torquato e Vila Velha.
Na década de 30, com a construção da estrada de Vila Velha, após a ligação de Vitória com o Continente através da Ponte Florentino Avidos, em 1928, aumentou a população daquela cidade. O crescimento urbano se manteve lento até a década de 50. O centro urbano não se estendia muito além da atual Av. Champagnhat. A Praia da Costa era desabitada e coberta de vegetação de restinga. A construção da rodovia Carlos Lindemberg, nos anos 50, induziu outro eixo de expansão urbana com o surgimento dos bairros de Cobilândia e Ibes e a expansão do bairro da Glória, no outro lado da rodovia.
As transformações mais significativas se processaram na cidade somente a partir da década de 60, com as modificações sócio-econômicas que ocorreram no Estado, com a erradicação do café.
Vila Velha caracteriza-se como centro secundário, dependendo em alto grau de comércio, serviço especializado e da oferta de empregos que oferece Vitória, caracterizando-se como cidade predominantemente residencial.
No município de Vila Velha destaca-se com maior ênfase o patrimônio natural. Quanto ao Patrimônio Histórico, não apresenta expressivo legado histórico e arquitetônico em número de obras, destacando-se, dentre as poucas edificações existentes, como principais, o Convento da Penha e a Igreja do Rosário.
E importante ser preservado o núcleo histórico da cidade, com ambiência nos monumentos existentes, e dar ênfase ao Patrimônio Natural, através de planos que visem a ocupação ordenada, com parâmetros compatíveis com a qualidade ecológica e paisagística que possuem e traçar recomendações de proteção à orla marítima, que se constitui num dos principais potenciais para o uso do turismo e lazer.
Serra
O município de Serra localiza-se ao norte da região de Vitória, com o povoamento datando do início do século XVI. Compreende atualmente os distritos da sede, Nova Almeida, Carapina, Calogi e Queimado. Além desses distritos destacam-se os balneários de Carapebus, Manguinhos e Jacaraípe com ocupação posterior a 1920. As transformações mais significativas se processaram no município a partir do século XX, principalmente após os anos 50.
Na década de 70, consolidou-se ocupação do planalto de Carapina e o desenvolvimento dos balneários, a uma taxa de crescimento populacional, em sete anos, que chegou a duplicar a população do município.
A sede possui a função político-administrativa e apresenta crescimento muito lento, o que lhe permitiu manter características urbanas do século passado e inicio deste praticamente sem alterações.
A orla marítima caracteriza-se pele predominância de atividades turísticas de lazer, enquanto a atividade residencial transitória tende a assumir caráter de permanência.
Próximo à Serra, destaca-se o Mestre Álvaro, a principal montanha da região que se constitui num importante marco de orientação e de paisagem, apresentando biótipo muito raro devido à altitude e proximidade do mar.
A sede do município foi fundada pelos jesuítas no, ano de 1558 junto a montanha Mestre Álvaro, denominada inicialmente de aldeia Nossa Senhora da Conceição. O sítio onde está implantada a cidade é praticamente plano, destacando-se, ao fundo, o Mestre Álvaro. Destaca-se na cidade a Igreja Matriz, edificada possivelmente no século XVII, porém completamente descaracterizada pela inserção de volumes anexos e elementos decorativos.
A cidade conserva muito de seu aspecto bucólico. A maior contribuição para o patrimônio histórico são as edificações de arquitetura popular, remanescentes dos períodos anteriores de urbanização, que se apresentam com poucas alterações.
Nova Almeida
Foi fundada pelos jesuítas, recebendo a denominação de Santo Inácio dos Reis Magos, em 1558, localizando-se junto à foz do rio Reis Magos. Destacou-se como uma das mais importantes aldeias de catequese do Estado. Implantada numa colina, onde se descortinam visuais da foz do rio, do mar, da cadeia de montanhas, o conjunto dos Reis Magos compreende as edificações da Igreja de Nave única, possuindo retábulo que serve de enquadramento de uma pintura dos Reis Magos, a residência que se desenvolve ao redor do claustro e, no entremeio, a torre sineira.
Em frente à edificação, há uma praça de forma retangular, ornada com palmeiras imperiais, tendo o cruzeiro ao centro. Ao redor da praça, localizam-se as habitações e demais atividades desenvolvidas na aldeia, em edificações térreas que, possivelmente, apresentam condições arquitetônicas bem rudimentares.
Queimado
Em 1848, aconteceu uma insurreição de escravos na vila de Queimado, episódio ligado à construção da igreja de São José. Os escravos da região esperavam a alforria, conforme lhes havia prometido o Frei Gregório de Bene, após a edificação da Igreja. Atraiçoados pelo padre foram combatidos pelas tropas do Governo, culminando com o enforcamento dos líderes em frente à Igreja.
A igreja de Queimado localiza-se em zona rural, em sítio elevado, numa pequena clareira. O acesso é dificultado pelas péssimas condições da estrada e pela falta de sinalização. Da Igreja de Nave Unica e sem torre, ruiu a cobertura e a parede posterior da Sacristia. Na frente da Igreja, prolonga-se um patamar com pequena escadaria e aos fundos, localiza-se o cemitério.
A população da vila migrou maciçamente, restando atualmente uma população de menos de 100 pessoas na sede do distrito.
Viana
Com a penetração através do rio Jucu, os jesuítas fundaram, próxima à montanha de Araçatiba, uma fazenda que abrangia grande extensão de terras. Era especializada na produção de cana-deaçucar e possuía também um engenho de beneficiamento do açúcar que abastecia o colégio de Vitória. Com a expulsão dos jesuítas, a fazenda passou a ser administrada por coronéis, porém acabou caindo em estagnação. Em 1818, o conjunto da fazenda compreendia ainda Convento residência e Igreja com duas torres.
Em 1813, foi fundada a cidade de Viana, por intervenção do então Governador Francisco Alberto Rubim, com a vinda de 30 casais açorianos. A fundação da cidade marcou o início do povoamento do interior do Estado e estabeleceu comunicação com Minas através da construção da estrada Vitória-Ouro Preto.
Viana apresenta crescimento muito lento desde sua fundação, não chegando a se expandir além da elevação, núcleo de fundação da cidade. Destaca-se, no ponto mais elevado, a igreja Matriz de Viana, implantada na praça Soldado Apolinário. A construção da igreja data de 1815, porém foi praticamente destruída por um incêndio em 1848.
Das duas edificações do século XIX, no centro da cidade, uma já se encontra relativamente descaracterizada. A outra, em Bonito, próximo de Viana, é um casarão de fazenda do século passado, conservando as características arquitetônicas originais com pouquíssimas alterações, constituindo-se num dos melhores exemplares de arquitetura rural da região de Vitória.
A igreja de Araçatiba, último remanescente da antiga fazenda, está tombada e restaurada pelo IPHAN, fazendo-se necessárias algumas obras de manutenção.
A igreja de Belém ruiu parcialmente com a construção da BR 101, devido o corte do terreno ter sido realizado em área muito próxima à sacristia. Sua deteriorização foi acelerada devido à lenda de que, no seu interior, estaria escondido um tesouro, onde foram feitas diversas escavações.
Viana possui características de vila pacata, com poucas atividades sócio-culturais. Os dois principais espaços da cidade são a praça Soldado Apolinário, onde está implantada a Matriz e a praça da Prefeitura, em nível mais baixo.
Para a faixa de terra localizada à direita da rodovia, junto à montanha, faz-se necessário preservar as características paisagísticas e limitar os gabaritos da altura, visando preservar os visuais da Igreja.
Considerações finais
O documento faz ainda um amplo estudo das condições sobre o patrimônio natural da Grande Vitória que, a cada dia mais e mais sofre as mutações decorrentes da falta de planejamento. Nesse sentido, as propostas do presente documento estão incluídas nos diversos planos diretores que estão sendo elaborados com a participação da Fundação Jones dos Santos Neves, evitando que as transformações ambientais possam ocasionar o desequilíbrio do ecossistema a níveis irreparáveis. Como exemplos, o aterro dos mangues, a ocupação indiscriminada dos morros poderão atingir diretamente a fauna e a flora existentes na região.
Fonte: Revista da Fundação Jones dos Santos Neves ANO II, nº 4 – outubro/dezembro de 1979, Vitória – Espírito Santo
Compilação: Walter de Aguiar Filho, julho/2017
A 07 de setembro de 1871, a luz do farol já anunciava aos nautas, antes incertos, a segurança da aproximação do porto
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