História
da Festa da Penha
Livro:
Vila Velha: seu passado e sua gente
Autor: Dijairo Gonçalves Lima
A FESTA DA padroeira dos capixabas, desde os mais remotos
tempos, sempre foi o principal acontecimento religioso de
Vila Velha. Tanto que, a partir de 1844, segundo a Lei nº
7, de 12 de novembro do mesmo ano, o dia da Festa da Penha
passou a ser considerado feriado em toda a Província
do Espírito Santo.
Até julho de 1910, por não existir luz elétrica
na cidade, os moradores colaboravam colocando lampiões,
à noite, nos peitoris das janelas ou pendurados nas
fachadas das casas. O objetivo era orientar os romeiros retardatários
para que não perdessem a direção da Prainha,
onde eram aguardados pelas embarcações que os
levariam de volta à Capital.
Durante o dia o movimento era intenso, com os devotos subindo
e descendo a “ladeira da penitência”, com
setecentos e oitenta e cinco metros de extensão, até
então a única via de acesso ao Santuário
da Penha.
Algumas pessoas traziam alimentos de casa e faziam o seu repasto
no Campinho do Convento, na parte sombreada pelas árvores.
Outros se alimentavam nas pensões improvisadas pelos
moradores da cidade.
Já nas primeiras horas da manhã, a enseada da
Prainha ficava coalhada de embarcações fundeadas:
canoas, lanchas, escunas e pequenos barcos de uma só
vela ou a remos.
No largo da matriz, centenas de animais de montaria ficavam
à sombra de castanheiras. Vinham do interior mais distante
da cidade. O certo é que os devotos de Nossa Senhora
nesse dia não podiam deixar de escalar o outeiro para
visitá-la, formular milagres ou pagar promessas.
A partir de 1774, quando se fez a reforma da ladeira de pedras
toscas, com a construção dos muros laterais,
e se ergueu o portão ornamental, passaram os romeiros
a ter acesso mais fácil ao topo da colina.
Nas duas semanas anteriores ao dia da padroeira, membros da
sociedade local reunia-se com a presença e a orientação
do capelão do Convento. Quase sempre as mesmas senhoras
dos anos anteriores formavam a comissão organizadora
dos festejos. O importante era demonstrar a hospitalidade
dos vila-velhenses, possibilitando aos visitantes, de acordo
com os recursos disponíveis da época, uma estada
confortável. E não podia ser diferente visto
que os romeiros, às vezes com grande sacrifício,
mas radiantes de alegria, vinham de grandes distâncias
para homenagear a padroeira dos capixabas. Portanto, mereciam
ser bem recebidos.
A comissão mantinha contatos com famílias dispostas
a fornecer refeições aos visitantes que não
haviam trazido de casa o seu farnel e em algumas situações
poderiam até oferecer abrigo aos que fossem forçados
a pernoitar na cidade.
Competia também à comissão: limpeza da
imagem de Nossa Senhora e de suas vestes, troca ou lavagem
das toalhas do altar, substituição dos círios
usados por novos, enfim, todo o trabalho necessário
ao embelezamento do Santuário.
Na antevéspera da festa, voluntários se apresentavam
para a limpeza da “ladeira da penitência”,
varrendo as folhas secas que caíam da mata.
O coro do Convento ensaiava exaustivamente para se apresentar
bem afinado na hora das missas e durante as novenas que antecediam
o dia da padroeira.
Para não fugir à regra, as donas de casa procuravam
ornamentar a cidade e para isso colocavam bonitas toalhas
bordadas ou de rendas nos peitorais das janelas para provocar
a admiração dos visitantes.
Durante meses moças e rapazes faziam economia para
vestir uma roupa nova na comemoração da padroeira.
Era uma antiga tradição da qual os moradores
da cidade não abriam mão.
Assim era a festa da Penha nos últimos anos do século
XIX e na primeira década do século XX. Um acontecimento
singelo e bonito, impulsionado exclusivamente pela fé
dos devotos na senhora do alvo mosteiro.
Mas nem sempre foi assim, com a simplicidade e a pureza que
devem marcar os eventos cristãos.
Em meados do século XIX, sob o teto da casa dos romeiros,
a pretexto de se comemorar o dia da padroeira, pessoas endinheiradas,
mas inescrupulosas, transformavam o local em casa de banquetes
e de tavolagem. Empanturravam-se de comidas e bebidas e em
seguida varavam a noite em torno da roleta ou debruçados
sobre as mesas de carteado.
Sem respeitar o terreno santo em que pisavam – sim,
porque não eram devotos, eram festeiros profanos –
nenhuma importância davam aos homens simples do povo
que, na sua maioria, sem dinheiro para se alimentar, escalavam
o morro com fome, mas com fé, cantando hinos de louvor
a Deus e a Nossa Senhora da Penha.
Reformada no período de 1774 a 1777, a casa dos romeiros,
como vimos, durante algum tempo teve sua finalidade deturpada.
Foi parcialmente destruída por um vendaval em outubro
de 1864. Assim terminaram as festas profanas e a jogatina.
Tal acontecimento deu origem à lenda segundo a qual
aquele que reconstruísse a casa dos romeiros, estigmatizada
por servir durante tantos anos a atividades profanas, logo
morreria. Também os operários que trabalhassem
nas obras de reconstrução seriam vítimas
de acidentes. Padre José Ludwin, que a partir de 1916
foi o capelão do Convento, resolveu desafiar a lenda
e em 1920 autorizou a reconstrução da casa dos
romeiros, cuja ruína parcial prejudicava no todo a
aparência do Convento. Desfez-se a lenda sem nenhuma
conseqüência danosa.
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