1ª Gafieira de Vitória
"Está
Cruel" foi a primeira gafieira ou casa de danças
de Vitória. O sobradinho número 170 da avenida
Duarte Lemos, na Vila Rubim, era pura alegria de terça-feira
a domingo. A música fugia pelas janelas da frente do
prédio e rompia noite adentro pelos céus do
bairro.
Embaixo de "Está
Cruel" ficava a padaria do velho Lopes. Era uma família
grande e todos estavam sempre atrás do balcão.
A gafieira "Está
Cruel" - casa noturna à maneira das que existiam
no Rio e Campos, muito famosas - abriu seus salãozinho
para agitação de pernas, ombros e quadris nos
anos 20, permanecendo durante a Segunda Grande Guerra, chegando
a conviver, na época, com os atos de "quebra-quebra"
(a população, acionada por um nacionalismo selvagem,
destruiu as lojas de propriedade de imigrantes ou descendentes
de alemães e italianos, além de roubar mercadorias.
A brutalidade era prometida a quem entrasse, em uma daquelas
lojas, para comprar. Enquanto isso, Getúlio Vargas
"negociava" com o nazismo e ninguém quebrou
a louça dele).
"Está
Cruel" foi a pioneira, no seu estilo, na ilha de Vitória.
Nunca ouvi falar de pancadaria ou tiroteio naquela gafieira
na Vila Rubim. Quer dizer, nada mais do que alguns bêbados
retirados à força e algum valentão jogado
escada abaixo. Na portaria ficava de plantão um mulato
maior que o espaço para se passar, portava um revólver
e uma faca. Polícia nunca aparecia por lá, só
marinheiros que chegavam assanhados ao porto ou os recrutas
do 3º BC. As mulheres eram, em sua maioria, de fora do
Espírito Santo, algumas de Cachoeiro de Itapemirim
ou Colatina. Quase todas negras e mulatas. A maioria vinha
de Minas, Bahia, Sergipe ou do antigo Estado do Rio.
Nessa época,
o rádio era o mais poderoso instrumento de comunicação
de massa. Rádios Tupy, Nacional, Tamoio, Mayrink Veiga,
e, de Vitória, a Rádio Clube Espírito
Santo, "A Voz de Canaã". A "Está
Cruel" tinha todo tipo de frequentadores. À sua
entrada, acima da cabeça do porteiro, uma placa advertia:
"Salão Familiar". Mas quem era "de família"
lá não ia. Mas há provas de que austeros
senhores, políticos e comerciantes iam em busca de
diversão e algum namoro fora do cercado familiar.
A banda que
tocava nas noites da "Está Cruel" era chamada
de Big Banda, à maneira dos conjuntos americanos, de
Nova Orleans, inspiradas no jazz. Tinha trompete, saxofone,
trombone, tuba, banjo, bateria, pandeiro, chocalho e violino.
A banda era em sua maioria constituída de negros. Todos
de paletó e gravata, sorridentes e beberrões.
De dia os músicos deambulavam no bairro, preferindo
o mercado da Vila Rubim para se juntar. A banda do lugar de
todo pecado perfilava-se na avenida para tocar hinos religiosos
quando passava a procissão de São Benedito do
Rosário. O prestígio popular do santo negro
parava a cidade com a multidão, os fogos de artifício
e a música dos negros e brancos da bandinha da "Está
Cruel". Uma delícia de festa.
Dos sons da
banda musical da "Está Cruel" até
a invenção do programa "O Som do Jazz"
- criado em julho de 1958, na Rádio Espírito
Santo, ainda hoje desafiando o tempo, graças a Deus
e à mania de comprar discos - aprendi a gostar e entender
aquela música esfuziante dos negros. "Está
Cruel" é a minha Nova Orleans.
Por:
Marien Calixte
Transcrito do livro: Vitória de Todos os Ritmos - Escritos
de Vitória
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