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A Literatura do Espírito Santo na Década de 1920 e a Presença de Maria Antonieta Tatagiba

Autora Obra: Karina de Rezende Tavares Fleury

A década de 1920 foi de grandes transformações na vida cultural literária capixaba. Após a criação do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo, em 1916, criou-se, em 1921, a Academia Espírito-santense de Letras e seus idealizadores foram Alarico de Freitas, advogado e professor, filho do renomado político e jurista Afonso Cláudio; Garcia de Rezende, jornalista; Elpídio Pimentel, conceituado professor de Literatura. Esse foi o núcleo fundador da AEL. De sua fundação, não constou nenhum nome de mulher, embora Guily Furtado Bandeira (1894-1970), jornalista e funcionária pública nascida em Vitória, já fizesse parte da Academia Paraense de Letras, desde 1913. No entanto, mulheres escritoras capixabas já existiam, escrevendo em jornais e revistas, desde as pioneiras Adelina Tecla Correia Lírio e Orminda Escobar, no século XIX.

Em 1923, Manoel Lopes Pimenta e Elpídio Pimentel criaram a revista Vida Capichaba, o primeiro órgão de divulgação cultural do Espírito Santo e que durou 54 anos. Foi nessa revista que as escritoras capixabas se destacaram, pelo espaço que lhes foi dado por seus editores, e que tornaram conhecidos os nomes das poetisas Maria Antonieta Tatagiba (1895-1928) e Haydée Nicolussi (1905-1970), dentre outras. Desde 1924, a revista Vida Capichaba passou a publicar poemas de Maria Antonieta, e, em 1925, fez-lhe uma entrevista, que a tornou mais conhecida pelos leitores da revista. Em 1926, a Vida Capichaba inaugurou sua Seção Biográfica com uma reportagem sobre Maria Antonieta Tagagiba, que, no ano seguinte, assume a direção do jornal são-pedrense A Semana. Ainda em 1927, Maria Antonieta Tatagiba publica seu único livro Frauta Agreste, com 42 poemas, por uma editora do Rio de Janeiro. Nesse mesmo ano, já sofrendo do mal que a mataria, é internada no Sanatório Guanabara, no Rio de Janeiro, vindo a falecer no dia 13 de março do ano seguinte, 1928, em sua residência, em São Pedro de Itabapoana, deixando marido e três filhos.

Com o lançamento de Frauta Agreste, em 1927, poesias, Maria Antonieta Tatagiba inaugura a produção poética das mulheres capixabas. Antes dela, só Guily Furtado Bandeira publicara um livro de contos, Esmaltes e Camafeus, em 1914. Jairo Leão, o pai da Danusa e da Nara, foi o primeiro crítico literário a saudar a publicação de Frauta Agreste, em 1927, chamando-o “livro excelente”, destacando-lhe o sentimento, a ambiência, a novidade da expressão e a singularidade da forma. Também o escritor Mendes Fradique, pseudônimo do médico capixaba José Madeira de Freitas, dedicou-lhe um capítulo de seu livro Ideias em Zig-Zag, de 1928. O livro de poemas de Maria Antonieta Tatagiba é obra híbrida, de formato parnasiano-simbolista, ainda não totalmente inserido na linguagem modernista que despontava no cenário nacional, teve prefácio de Maria Eugênia Celso, a grande líder feminista dos anos 1920-30, e uma boa repercussão local e nacional. Todavia, só terá essa edição, por mais de oitenta anos.

Embora o Modernismo tenha sido instalado, oficialmente, em 1922, pela Semana de Arte Moderna, em São Paulo, ele não repercutiu, imediatamente, no Rio de Janeiro e no Espírito Santo. Os escritores capixabas da década de 20 eram de tradição romântica ou realista, parnasiana ou simbolista, como no resto do país. Somente em 1928 encontraremos ecos do Modernismo no Espírito Santo com Achilles Vivacqua, Haydée Nicolussi e Newton Braga, dentre poucos outros.

O ano da morte de Maria Antonieta Tatagiba, 1928, foi emblemático para as letras capixabas. Luiz Adolpho Thiers Velloso, membro da AEL, criou o jornal A Gazeta, tendo seu criador falecido pouco tempo depois, em 1930, deixando publicadas obras de valor jurídico, jornalístico e algumas ficcionais. Haydée Nicolussi foi a primeira colunista social do jornal, comentando sobre tudo na sociedade da época.

Mendes Fradique, pseudônimo do médico capixaba José Madeira de Freitas (1893-1944), é o principal escritor capixaba fora do Espírito Santo, nos anos 20, e o nosso primeiro cronista de estilo modernista, apesar de criticá-lo. Seus livros Contos do vigário, 1922, A lógica do absurdo, 1926, Ideias em Zig-Zag, 1928 e, principalmente, História do Brasil pelo método confuso, 1927 e Gramática pelo método confuso, 1928 o tornaram conhecido nacionalmente como o principal escritor satírico daquela geração. O espírito de suas obras é o mesmo do movimento antropofágico lançado por Oswald de Andrade, em 1928.

No mesmo ano, em janeiro, Haydée Nicolussi (1905-0970) publica “Vitória do Espírito Santo”, na Vida Capichaba, que pode ser considerado o primeiro poema modernista capixaba feito no Espírito Santo. Haydée Nicolussi, escritora, jornalista, professora de línguas, foi uma “revolucionária romântica”, como a chamou Drummond, e uma das principais escritoras de sua geração. 1928 foi, também, em dezembro, o nascimento de Renato José da Costa Pacheco, que se tornaria o principal intelectual capixaba do século XX, como Afonso Cláudio o fora antes dele, e que muito engrandeceria, no futuro, as letras e a cultura capixaba.

 Ainda em 1928, o jornalista João Calazans iniciou a divulgação dos modernos em sua coluna “Última Hora” na revista Vida Capixaba e, juntamente com Garcia de Rezende, estabelecia diálogo com os “antropofagistas” de São Paulo. Achiles Vivacqua, irmão de Atílio Vivacqua, Secretário de Instrução do Governo Aristeu Borges de Aguiar, nascido em Cachoeiro de Itapemirim, publicou poemas na Revista de Antropofagia, nº 3 e 10, e constitui-se um dos representantes capixabas no grupo modernista mineiro, tendo participado de várias revistas como A Revista, Verde e Leite Criôlo. Em 1928, Achilles Vivacqua publica, em Belo Horizonte, o livro de poemas modernistas Serenidade, o primeiro de um autor capixaba, estilo que teria poucos seguidores em nosso estado.

Nessa época, o Espírito Santo era governado por Florentino Avidos, que passou o governo para Aristeu Borges de Aguiar. Vivia-se a prosperidade da alta do café, o teatro Carlos Gomes tinha sido inaugurado, bem como a ponte Florentino Avidos, ligando Vitória ao continente e a ponte sobre o rio Doce, unindo o então próspero sul capixaba ao ainda quase selvagem norte. A vida cultural existia nos dois únicos polos regionais: Vitória, no centro e Cachoeiro de Itapemirim, no sul. São Pedro de Itabapoana, onde viveu Maria Antonieta Tatagiba seus últimos anos, tinha sido desmembrado de Cachoeiro e feito município em 1897 e foi o segundo município mais populoso do Espírito Santo, depois de Alegre, na década de 1920, até perder sua autonomia para Mimoso do Sul, em 1930.

No ano seguinte ao da morte de Maria Antonieta, em 1929, haveria o craque da bolsa de Nova Iorque, a quebra das principais fortunas capixabas, construídas sobre a monocultura do café, e, em 1930, a debandada dos principais intelectuais capixabas, incluindo o próprio governador e seus apoiadores, após o golpe de Getúlio Vargas. Seriam outros os tempos, pois o Brasil e o Espírito Santo viveriam o longo período Vargas, que duraria quinze anos. São Pedro de Itabapoana nunca mais recuperaria seu esplendor dos anos 1920, embora o tombamento de seu sítio histórico pelo Conselho Estadual de Cultura, em 1987, tivesse voltado o olhar das novas gerações capixabas para o seu passado e para a figura de Maria Antonieta Tatagiba, a poetisa que a consagrou.

Diferente do que aconteceu com a sua cidade de adoção, o nome de Maria Antonieta Tatagiba, a poetisa são-pedrense, sempre seria lembrado, pois, em 1939, onze anos após a sua morte, foi a primeira mulher a entrar na Academia Espírito-santense de Letras como Patrona da cadeira 32, a ser ocupada pelo professor José Paulino Alves Junior, que a homenageou em seu discurso de posse, no Clube Vitória, em 08 de março de 1941. Na ocasião, o viúvo de Antonieta agradeceu as palavras do empossando e revelou seu desejo de ver reeditado Frauta Agreste com o acréscimo de poesias que nele não constavam, conforme escreveu Karina Rezende em “Alma de Flor. Maria Antonieta Tatagiba: vida e obra”, 2007.

Há setenta anos, no dia dezoito de julho de 1949, por iniciativa do Presidente da Academia Espírito-santense de Letras, Eurípedes Queiroz do Valle, ocorreu, na sede da AEL, sessão preparatória para fundação da Academia Feminina Espírito-santense de Letras. Na abertura da sessão, o acadêmico Collares Júnior justificou a criação de uma Academia das Mulheres na terra de Luísa Grinaldi e Maria Ortiz, pela atuação do intelectualismo feminino capixaba e que “romper com os preconceitos e admitir a mulher na plêiade de intelectuais da Academia dos homens seria tolher o direito da mulher de se organizar numa agremiação só sua”. E continua: “Assim, num preito de admiração, os acadêmicos proporcionaram, num animoso convite, à mulher espírito-santense, ensejo para demonstração dos seus valores, de há muito caminhando par e passo com o homem nas lides do intelecto”, fala relatada pela secretária Arlette Cypreste. Instalada a mesa, foi aberta a palavra, fazendo dela uso a deputada Judith Leão Castello Ribeiro, que agradeceu à ‘academia masculina’ a honrosa lembrança de provocar a criação da Academia Feminina e disse considerar bem situada a mulher capixaba que não viera, por si própria, pleitear o título de imortal, de acadêmica, “Se bem que, de há muito Maria Antonieta Tatagiba houvesse vivido e trabalhado, fazendo jus à imortalidade que lhe é conferida, como patrona da cadeira trinta e dois da Academia dos homens”. (Cf. Ata da Sessão preparatória para fundação da Academia Feminina Espírito-santense de Letras).

Outra que nunca deixou o nome de Maria Antonieta Tatagiba cair no esquecimento foi Anette de Castro Mattos, a sucessora de Judith Leão Castello na presidência da Academia Feminina Espírito-santense de Letras por muitas décadas, também natural de São Pedro de Itabapoana, que publicou artigos sobre ela em jornais, promovia concursos escolares concedendo prêmios com o nome da homenageada e criando clubes de leitura com o nome de Maria Antonieta Tatagiba. Anette Mattos também publicou um livro intitulado “Três Temas Capixabas”, em 1982, sendo um desses temas a biografia de Maria Antonieta Tatagiba, fruto de conferência feita em São Paulo, em 1965.

Vitória possui poucas ruas com nomes de mulheres, sendo o mais conhecido o de Maria Ortiz, a heroína capixaba, mas o bairro de Jucutuquara já teve uma rua com o nome de Antonieta Tatagiba, cuja placa foi mostrada a Karina Rezende pelo Sr. Ruy Benezat, já que a rua desapareceu, com a ampliação da Avenida Vitória, na década de 1970. Dos 78 municípios capixabas, tirando as santas, só um possui nome de mulher, Colatina, em homenagem à esposa do governador Muniz Freire. E das cerca de 25 academias de letras, artes e cultura existentes, atualmente, no Espírito Santo, a única que homenageia uma mulher é a de São Pedro de Itabapoana, a Academia Maria Antonieta Tatagiba, fundada em 2018.

Conforme pesquisas feitas nas atas das reuniões da AFEL, Anette Mattos declarou Maria Antonieta Tatagiba “Patrona Espiritual da Academia Feminina Espírito-santense de Letras”, em 1965, e, em 1978, reivindicou a construção de um busto, em praça pública, para homenagear a poetisa são-pedrense, o que ainda não ocorreu. Desconheço qualquer busto homenageando a mulher capixaba, em praça pública capixaba, excetuando a estátua de Luísa Grinalda, nossa primeira governadora, em Vila Velha, e a de Judith Leão, nossa primeira deputada, na Serra, ambas feitas por iniciativa privada.

Sobre Maria Antonieta Tatagiba e sua obra existem os registros históricos de Mendes Fradique e de Jairo Leão, na década de 1920; discurso de posse de José Paulino, na década de 1930; discursos e artigos jornalísticos de Anette de Castro Mattos, nas décadas seguintes; algumas antologias homenagearam Maria Antonieta como as José Victorino, 1934, Elmo Elton, 1982, Assis Brasil, 1998, Francisco Aurelio, 1998, Agostino Lazzaro, 1999, Thelma Azevedo, 2007; alguns artigos foram escritos sobre a sua obra como os de Karina de Rezende e Paulo Sodré, em 2007 e 2008, nos anais do “Bravos Companheiros e Fantasmas. Seminário sobre o Autor capixaba”, v. 2 e 3; até sua compilação mais completa realizada por Karina de Rezende Tavares Fleury, em “Alma de Flor. Maria Antonieta Tatagiba: vida e obra”, em 2007. E, finalmente, em 2015, saiu a segunda edição de “Frauta Agreste” pela Academia Mateense de Letras, Ama letras. Nesses passados noventa e um anos de sua passagem deste mundo, Maria Antonieta Tatagiba vive na memória capixaba e, para perpetuá-la, instaura-se, hoje, a “Semana Maria Antonieta Tatagiba”, organizada pela Academia Maria Antonieta Tatagiba, de São Pedro de Itabapoana e por seu incansável presidente, Dr. Pedro Antônio de Souza. Maria Antonieta Tatagiba vive. Viva Maria Antonieta Tatagiba!

 

Fonte: Revista da Academia Espírito-santense de Letras / Comemorativo ao 98° Aniversário da AEL
Autor: Francisco Aurélio Ribeiro
Cadeira n.06 da Academia Espírito-santense de Letras
Compilação: Walter de Aguiar Filho, março/2022

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