A partida de Samuel - Por Mário Gurgel

Há uma emoção indescritível na romaria que agora se estabelece à porta principal da Primeira Igreja Batista de Vitória. É um momento de dor intolerável para um grupo que, mergulhado na mais intensa agonia, recebe e recolhe os depoimentos da solidariedade humana. É um casal venerável e humilde, uma jovem professora pública, pais e filha, solenes e impávidos, vendo o desfilar de uma multidão interminável de católicos, protestantes, espíritas, homens sem crença, judeus e filiados de credos novos, todos mergulhados na surpresa e na incredulidade. Seus semblantes pesarosos e sinceramente sombrios, trazem uma palavra e um gesto de conforto aos que foram sacrificados, de repente, pela trágica ocorrência da última segunda-feira.
A mocidade batista da Primeira Igreja está ferida e inconformada. Samuel era um de seus elementos de destaque, alegre, comunicativo, simples. No seu lar humilde, constituía a grande esperança e promissora realidade. Ao lado da irmã, nós os vimos, durante mais de quatro anos, subindo e descendo o morro do Moscoso, acenando aos amigos, orando nos cultos públicos, ensinando na escola dominical, cantando nos grupos corais maravilhosos da sua Igreja. O pai, modesto servidor da Central Brasileira, severo e terno, observava e sorria, vendo a alegria dos seus jovens, a eterna presença do sol e da vida, na pureza cristã dos seus meninos.
Quase sem se saber como, estamos ouvindo a mensagem do Pastor que se despede da sua ovelha, que solicita a magnanimidade do Céu para a alma boa do seu servidor. Os moços vinham de uma atividade religiosa, cantando, talvez, os seus hinos, recordando a passagem do Livro Santo, falando dos sucessos da sua pregação, e a fatalidade os espreita, roubando, a dois deles, a vida preciosa e útil e ferindo a outros, num terrível cortejo de angústias e de interrogações.
As fisionomias estão maceradas pela vigília, os olhos de todos estão imersos no pranto. Homens de Estado, representantes populares, chefes de empresas. Operários, escolares, mestres e dirigentes de igrejas, de todas as igrejas, ali permaneceram e dali seguiram o cortejo melancólico, homenageando a grandeza daquelas vidas consagradas à sua religião e aos seus deveres.
Conta o Livro Santo, que Ana, esposa de Elcano, filho de Jeroboão, pediu ao Senhor a glória de um descendente. E, comparecendo diante de Helí, pontífice do seu povo, entoou, em murmúrios, ao criador, os hinos de seus queixumes: "Senhor dos exércitos, se tu te dignares a olhar para a aflição de tua serva e te lembrares de mim, se te não esqueceres dela e se lhe deres um filho varão, eu te oferecerei por todos os dias da sua vida e não passará navalha pela sua cabeça". E Deus deferiu a sua petição e concedeu-lhe a fecundidade. E Samuel inspirou nos lábios de sua mãe o cântico de seu regozijo, na exaltação de sua maternidade e nas esperanças da graça que possibilitariam ao seu menino o exercício de funções privilegiadas.
E disse Ana: "O arco dos fortes se quebrou, e os fracos foram armados de força. Os que antes estavam abundantes de bens, assalariaram-se para terem pão; os famintos se fartaram. . . O senhor levanta do pó o necessitado, e do esterco eleva o pobre para o fazer sentar-se entre os príncipes e para lhe dar um trono de glória". Foi o que aconteceu com esse nosso jovem amigo. Sendo humilde e obscuro, era descendente de proletários simples e anônimos, que honraram e enalteceram em aleluias a presença do Senhor. Este o fez justo e digno e eles viram chorar em volta do esquife do seu filho, a multidão de amigos que, nos braços, foram levar ao campo santo, o corpo inanimado do jovem Samuel que oferecera a Deus todos os dias de sua nobre vida....
(O Diário de 10/07/64)
Notas do Site: A primeira Igreja Batista era localizada na rua General Osório, esquina com a Av. Cleto Nunes. Foi contruída em 1934 e Demolida em 1982. A foto é do Fotógrafo Octavio Paes - 1940
Fonte: Crônicas de Vitória - 1991
Autor: Mário Gurgel
Compilação: Walter de Aguiar Filho, fevereiro/2019
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