A Tragédia do Engano - Por: João Bonino Moreira
Triste noite para o Espírito Santo a de sábado, dia 23 de dezembro de 1950.
O "noturno" da Leopoldina Railway saiu da Estação Barão de Mauá, no Rio de Janeiro, pela manhã, com destino a Vitória. O comboio era composto de locomotiva (nº 391), carro tender, carro correio, carro restaurante e nove vagões para passageiros. Vinha totalmente lotado, pois trazia dezenas de capixabas que pretendiam passar o Natal em casa. Na cidade de Campos, foi ligado à composição mais um carro de passageiros, que transportava uma delegação esportiva.
Correu sem acidentes a viagem até Cachoeiro de Itapemirim. Segundo depoimentos de vários passageiros, logo após deixar Cachoeiro, o trem começou a desenvolver uma velocidade anormalmente excessiva, tendo mesmo alguns previsto um acidente. E foi o que, infelizmente, ocorreu nas imediações da estação de Engano, no trecho Cachoeiro/Vitória, às 20 horas do fatídico 23 de dezembro. A respeito, disse o Dr. Teófilo Costa, clínico muito conhecido em Vitória que também ia no trem:
"Tomamos o comboio em Campos, em classe especial que fora ligada antes do carro restaurante, pois fazíamos parte de uma embaixada da Escola Técnica de Vitória, composta do Prof. Admercil Silva (conhecido como Dade), do Prof. Itaboraí e de trinta e seis alunos. Até Mimoso tudo correu bem, de lá até Cachoeiro a composição foi dividida em duas, dada a dificuldade com que era arrastada pela locomotiva. Em Cachoeiro foi novamente restabelecida a composição, que viajou ate Guiomar sem novidades. Próximo à estação de Engano, que é assinalada por descidas e curvas, o trem começou a desenvolver uma atividade fora do comum. Em dado momento sentimos um esbarro violento seguido de gritos que vinham das classes da frente; imediatamente, corremos ao local, eu e meus companheiros professores Admercil e Itaboraí, e vimos o que não é possível descrever-se em palavras. Com os recursos de que dispúnhamos, improvisamos macas e garrotes para os que se achavam feridos, transportando para a estação, ao mesmo tempo em que providenciávamos junto ao Governo do Estado socorros urgentes."
De acordo com as informações de outros viajantes, o maquinista Nerio Tinoco teria sido admoestado de que deixava a locomotiva desenvolver velocidade incontrolável, e seu colega guarda-freios chegou até a apertar os freios dos vagões, já prevendo um desastre. Este:
"...ocorreu às 20 horas, precisamente, e foi emoldurado pela mais dantesca apoteose de gritos, gemidos, sangue e estertores (sic)", segundo um repórter da época.
Outro sobrevivente reportou:
"Ao aproximar-se de Engano, o maquinista, vendo que não podia reprimir a marcha, deu dois travos violentos e bruscos, sem ter o cuidado de pedir freios, havendo então o engavetamento."
O maquinista Tinoco, por sua vez, declarou que:
"...a culpa não me cabe. A culpa do desastre cabe ao fato de ser a composição demasiada pesada e, ao invés de a locomotiva fazer tração, na descida era impulsionada. À altura de Engano, a máquina disparou e não houve mais possibilidade de retê-la. Eu nada podia fazer, embora tentasse o freio. Foi obra da fatalidade.”
Obra da fatalidade ou não, o depoimento do maquinista não foi confirmado por várias testemunhas e ele foi preso pela polícia.
Em atenção aos pedidos de socorro, o Governo do Estado prontamente deslocou para o local uma equipe de vinte e seis médicos, dois engenheiros, quatro doadores de sangue, onze enfermeiros, dois jornalistas e vários soldados e bombeiros, além de muito material médico. Essa caravana foi transportada por um comboio cedido pela Estrada de Ferro Vitória a Minas, pois a estrada de Ferro Leopoldina Railway, estranha e condenavelmente, não forneceu a composição necessária. O grupo, ao chegar, constatou que:
" na garganta de pedras estavam triturados sete carros de passageiros, e adiante, mais dois, ligeiramente inclinados e, por último, o carro restaurante atravessado na linha, sem falar no carro correio, reduzido a apenas uma prancha."
Os moradores da Estação de Engano e das redondezas emprestaram sua solidariedade e compaixão aos acidentados, fornecendo-lhes camas, lençóis, comida, agasalho e hospedagem.
A missão médica atrás referida completou o trabalho dos doutores Teófilo Costa e Newton Barros, que viajavam no trem sinistrado. O primeiro atendimento foi feito à luz de lanternas. E tanto os dois médicos viajantes, como o pessoal da missão, desdobraram-se num trabalho insone e abnegado, digno dos maiores elogios. Nenhum esforço foi poupado para que os acidentados tivessem tido o melhor atendimento possível. O serviço de remoção foi muito bem executado pelos bombeiros, soldados, alunos da Escola Técnica e outros passageiros e pessoas residentes no local. Os cadáveres, em número de quinze, foram colocados no tender da locomotiva e iniciou-se o triste retorno a Vitória. Dois outros corpos já tinham sido enviados para Campos. Mais uma vez, fez-se, então, sentir a incompetência e a voracidade da Estrada de Ferro Leopoldina. O trem de socorro com os agonizantes e os cadáveres já em começo de decomposição foi obrigado a ficar retido numa estação até que passasse o "noturno" de Vitória. Atraso de horas, truculentamente causado por funcionários da ferrovia, que disseram estar cumprindo ordens da Diretoria da Empresa. Qual a razão dessa prioridade para um trem de passageiros que iam passar o Natal no Rio? Perguntou-se muito.
O fúnebre trem de socorro finalmente chegou a Vitória, onde aguardava enorme multidão, que queria invadir a gare, a custo, contida pela polícia e por cordões de isolamento. O comboio foi desviado para a Estação Pedro Nolasco, da EFVM - outro fato estranho, uma vez que se tratava de acidente ocorrido em linha da Leopoldina - daí seguindo os cadáveres para o necrotério e os feridos para a Santa Casa de Misericórdia. Não arriscamos a fornecer o número exato de mortos (aproximadamente vinte), pois a imprensa e os registros oficiais da época são contraditórios a respeito. O trem acidentado ficou sendo conhecido como o "Noturno da Morte".
Paralelamente a esta tragédia que enlutou o Espírito Santo, não poderíamos deixar de consignar um fato - comentadíssimo na ocasião - que motivou a abertura de inquérito pelo Cartório da Quarta Delegacia Auxiliar de Vitória, por ordem do Delegado Dr. Álvaro Alves Bourguignon. Alegaram alguns que a bagagem das vítimas havia sido saqueada e foram encontradas inúmeras malas cortadas pelo fundo a facão, com os fechos intencionalmente abertos e retirado o seu conteúdo. Muito se falou e chegou até a ser apontado um cidadão que havia se revelado muito ativo no salvamento dos despojos do acidentados. Esse homem, segundo seus acusadores, revelou meses após o desastre, considerável aumento patrimonial, em tudo incompatível com os modestos vencimentos que percebia. Omitimos-lhe o nome em virtude de já ter falecido e também pela razão de que não tivemos acesso aos autos do inquérito policial.
Como sinistra curiosidade registramos, ao fim, que no dia do sangrento acontecimento, dois dos três cinemas de Vitória exibiam filmes com os sugestivos títulos de 'Do mesmo sangue', com Edward G. Robinson (no Politeama).
Fonte: Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo. Nº 50, ano 1998
Compilação: Walter de Aguiar Filho, agosto/2013
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