Morro do Moreno: Desde 1535
Site: Divulgando desde 2000 a Cultura e História Capixaba

A trindade adorada por Mestre Guilherme

Guilherme Santos Neves e uma rendeira - Amostra de Artesanato do Espírito Santo, início da década de 1970

Para levar a bom termo a causa do folclore capixaba, como o fez, Guilherme Santos Neves podia optar entre diversas estratégias de ação – a burocrática, a acadêmica e a da vivência compartilhada. Preferiu esta última. Poderia ter agido de forma burocrática, impingindo na vida das pessoas, à maneira de pesado encargo, os temas que tratava. Poderia ter-se fechado numa torre de marfim acadêmica, talvez de bela construção, mas geralmente inacessível. Em vez disso, foi um duplo sábio: como professor, ao enunciar de forma leve e eficiente, por vezes até didática, os ensinamentos que buscava transmitir; e na qualidade de mestre, por deter a sabedoria sobre a cultura tradicional e querer compartilhá-la. Se ele colhia entre seus alunos, no meio familiar e no círculo de amigos as informações que buscava, também essas pessoas eram as primeiras a conhecerem os resultados de suas descobertas. Ou seja, os informantes também eram informados (e formados!) em primeira mão; e assim testados em duas situações – verificar se os dados que forneciam realmente podiam ser aproveitados; e, como ouvintes/leitores, observar se aquilo que tinham informado estava coerente com a realidade que se buscava apreender.

Ele mergulhou em profundidade na valorização do folclore capixaba, da mesma forma que outros autores fizeram em seus estados. O diferencial na obra de Guilherme Santos Neves, porém, consiste na circunstância de ele ter envolvido sua família e seus amigos nas tarefas de preservação do folclore. Sua habilidade nesse aspecto nos surpreende, mas ajuda a explicar como ele pôde desincumbir-se, e muito bem, de sua gigantesca tarefa. E os parentes e amigos de Mestre Guilherme corresponderam ao seu chamado, repleto de boas qualidades – alegria no fazer; fruição nas descobertas; fascínio no contato com o que era diferente e ao mesmo tempo tão próximo; trabalho sério revestido de emoção. Enfim, as qualidades de um líder.

Guilherme Santos Neves era um missionário do folclore em terras do Espírito Santo, convém repetir. Diferente dos missionários religiosos, no entanto, ele possuía uma família e desempenhava os afazeres próprios de sua profissão. Como conseguia tempo e disponibilidade para cumprir essa missão, por ele considerada sagrada, em prol do folclore do Espírito Santo? Pela utilização da simplicidade, do bom humor e da alegria. Não que os retirasse de caixinhas e os tomasse diariamente como se fossem panaceias. É que ele era assim – um homem simples, bem humorado e alegre. E empregou essas características de sua personalidade para levar a bom termo essa missão; e o conseguiu. Sua simplicidade, seu bom humor e sua alegria serviram de antídotos, respectivamente, contra a chatice da produção acadêmica, contra o fanatismo de textos doutrinários e contra os obstáculos das burocracias de toda sorte. Seus textos são adequados até hoje não somente por seu conteúdo valioso, mas pelo estilo leve, despretensioso, espontâneo com que foram escritos. E assim, suave e didaticamente, Mestre Guilherme ia passando aos leitores dos mais diversos níveis e interesses o que desejava demonstrar.

A trindade que Guilherme Santos Neves adorou pela vida afora pode ser assim resumida: a família (tanto a de origem, quanto a que formou), o seu estado natal e a cultura folclórica, especialmente a capixaba. Mas a síntese maior da sua existência intelectual convergiu para o folclore, em que congregou as outras duas devoções – a cultura popular pertencia à sua terra; e as pesquisas que encetou eram compartilhadas com sua esposa, D. Marília de Almeida Santos Neves, e com seus filhos Luiz Guilherme, João Luís e Reinaldo Santos Neves, e costumava incluir um ou outro integrante de extensa parentela. Se em relação a alguns fatos folclóricos que estudou Mestre Guilherme pode ser considerado um observador participante, os seus familiares diretos eram deles coparticipantes.

Dos vários papéis que Mestre Guilherme exerceu na vida, nenhum o fez sem grandeza – esposo devotado, pai enérgico mas afetuoso, professor querido, amigo fiel, advogado competente, íntegro vogal da Justiça do Trabalho. No entanto, seu status de folclorista sobressai dentre todos eles. Por quê? Não somente por servir como ponto de integração entre os demais ou se constituir no único que continua a ser conosco compartilhado após o seu desaparecimento físico. A mais importante lição que remanesce da sua obra de folclorista é simples e de alto sentido – devemos chegar ao conhecimento por meio do amor, na linha do que já afiançou um filósofo italiano: “Sabe mais quem mais ama”.

A carga de amor que durante a vida inteira o Autor investiu nos seus textos nunca mais deles será retirada. Por isso mesmo, não importam muito as eventuais imprecisões existentes, pois não são ensaios estritamente acadêmicos, submetidos aos rigores das citações de fontes e de bibliografia, costumeiramente referenciadas em notas trabalhosas de fazer e maçantes de ler. Trata-se de um trabalho de amador no sentido literal do termo, ou seja, feito por alguém que, justamente por não ser um cientista social de profissão, o realizou de maneira prazerosa e não por obrigação ou como meio de subsistência. Mas aquele trabalho é também uma obra de amador em outro sentido: Mestre Guilherme amava o folclore capixaba e queria que muitas outras pessoas o amassem também – toda sua obra de folclorista é um grande “projeto amoroso”. E em seus escritos, ele inscreve um perene canto de amor à cultura popular da sua terra natal. E, afinal, é o que mais interessa a todos os que se preocupam em valorizar a vida e a história do estado do Espírito Santo. Porque, como disse Vieira, certamente inspirado no apóstolo Paulo, somente o amor permanece na eternidade.

Da mesma forma que o Convento da Penha é o símbolo maior do estado do Espírito Santo, a obra de Mestre Guilherme constitui-se em referência fundamental para os estudos da cultura popular de nossa terra. E, como forma de expressar gratidão, sempre devemos homenagear a memória de Guilherme Santos Neves – graças ao seu trabalho de folclorista, repetimos, muito da riqueza e da beleza da cultura popular capixaba foi preservado e difundido.

 

Fonte: Coleção Grandes Nomes do Espírito Santo - Guilherme Santos Neves, 2013
Texto: Fernando Achiamé e Linda Kogure
Coordenação: Antônio de Pádua Gurgel/ 27-9864-3566 
Onde comprar o livro: Editora Pro Texto - E-mail: pro_texto@hotmail.com - fone: (27) 3225-9400

Folclore e Lendas Capixabas

Festa das Canoas – Por Levy Rocha

Festa das Canoas – Por Levy Rocha

Antigamente, o burburinho de gente chegava no trem de Cachoeiro. Hoje, são os ônibus, caminhões e automóveis que enchem a praia de visitantes

Pesquisa

Facebook

Leia Mais

O Frade e a Freira - A Lenda por Estêvão Zizzi

Essa é a versão mais próxima da realidade...

Ver Artigo
O Caparaó e a lenda – Por Adelpho Monjardim

Como judiciosamente observou Funchal Garcia, a realidade vem sempre acabar “com o que existe de melhor na nossa vida: a fantasia”

Ver Artigo
A Igreja de São Tiago e a lenda do tesouro dos Jesuítas

Um edifício como o Palácio Anchieta devia apresentar-se cheio de lendas, com os fantasmas dos jesuítas passeando à meia-noite pelos corredores

Ver Artigo
Alcunhas e Apelidos - Os 10 mais conhecidos de origem capixaba

Edifício Nicoletti. É um prédio que fica na Avenida Jerônimo Monteiro, em Vitória. Aparenta uma fachada de três andares mas na realidade tem apenas dois. O último é falso e ...

Ver Artigo
A Academia de Seu Antenor - Por Nelson Abel de Almeida

Era a firma Antenor Guimarães a que explorava, em geral, esse comércio de transporte aqui nesta santa terrinha

Ver Artigo